Acórdão nº 2036/22.1BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 26-01-2023

Data de Julgamento26 Janeiro 2023
Ano2023
Número Acordão2036/22.1BELSB
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
I. RELATÓRIO

E… veio interpor o presente recurso jurisdicional da Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (TAC de Lisboa), através da qual foi julgada procedente a excepção dilatória inominada consistente na inexistência de uma situação de indispensabilidade do recurso à presente intimação para a protecção de direitos, liberdades ou garantias por parte do Requerente, absolvendo o INSTITUTO DOS REGISTOS E DO NOTARIADO, IP, da instância.
Nas Alegações recursivas formulou as conclusões que, de seguida, se transcrevem:

“I. Os magistrados estão obrigados a respeitar os direitos fundamentais, por força do disposto nos artº 16º, 17º, 18º e 202º, 1 da Constituição.
II. Os Tribunais administram a Justiça em nome do Povo, não sendo lícito aos magistrados eliminar pessoas que são elementos desse Povo.
III. O recorrente é Português, por força do disposto no artº 18º, 1 do Código Civil de 1867 e do artº 4º da Constituição.
IV. Nos termos do disposto no artº 16º da Constituição “Os direitos fundamentais consagrados na Constituição não excluem quaisquer outros constantes das leis e das regras plicáveis de “Direito Internacional”.
V. Nos termos do artº 18º, 1 da Constituição, “Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são diretamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.”
VI. Os direitos consagrados nesse normativo são direitos fundamentais, por força do artº 16º,1 da Constituição, são de aplicabilidade direta, por força do art 18º, 1 e “vinculam as entidades públicas privadas”, nomeadamente os magistrados judiciais.
VII. O artº 18º,1 do Código Civil de 1867 é referente a direitos fundamentais, por força do disposto no artº 4º da Constituição.
VIII. O recorrente peticionou, através de advogado, a transcrição do seu assento de nascimento no registo civil português, devendo o mesmo ter sido processado nos limites do artº 128º do Código do Procedimento Administrativo, sob pena de ofensa dos direitos fundamentais de que o recorrente é titular, incluindo o direito à nacionalidade portuguesa, garantido pelo artº 4º da Constituição.
IX A, aliás, douta sentença recorrida ofende todos os normativos constitucionais e legais citados nestas conclusões”.

O Requerido, ora Recorrido, notificado para contra-alegar concluiu assim:
“[…]
I - Deve o recurso apresentado ser declarado improcedente e manter-se na ordem jurídica a sentença recorrida, porque é válida, inexistindo qualquer vício de violação da lei que lhe possa ser imputado;
II - Deve o Mandatário do recorrente ser responsabilizado deontologicamente por má-fé, uma vez que faz dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, violando o dever de recíproca correção, usando expressões injustificadamente ofensivas, faltando ao respeito devido ao Tribunal e às Instituições - artigos 542°, nº 2, alínea d) e artigos 8° e 9°, todos do CPC, aplicáveis ex.vi artigos 1° do CPTA.
*
O DMMP notificado nos termos do art. 146º do CPTA emitiu pronúncia no sentido de ser negado provimento ao recurso (cfr. fls. 303 e segs. SITAF).
*
Dispensados os vistos, por se tratar de processo urgente, vem o presente processo à Conferência para decisão.

*

I.1 - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO E DAS QUESTÕES A DECIDIR

Em conformidade com os artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC), é pelas conclusões do recorrente jurisdicional que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, que inexistem, estando apenas adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Desconsiderando as conclusões que extravasam a questão jurídica, no que concerne às considerações pessoais e extra-jurídicas ínsitas no discurso recursivo, tendo por referência o MMº Juiz a quo e os Tribunais.
Centrando nas questões a resolver importa aferir se o Tribunal errou ao julgar procedente a excepção de impropriedade do presente meio processual, assim como do pedido de condenação do Recorrente como litigante de má-fé.
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II. Da Fundamentação
II.1 De facto:

O Tribunal a quo teve como assente a seguinte factualidade:

1. Em 12.04.2016, o Requerente apresentou, através de Ilustre Mandatário constituído para o efeito, um pedido de integração do seu assento de nascimento junto da CRC, aí alegando ter nascido no território do antigo Estado da Índia e o registo do seu nascimento ter sido processado pelos serviços de registo civil da administração portuguesa, mais juntando um conjunto de elementos, entre os quais cópia de registo de nascimento apostilada nos termos da Convenção, daí constando que o seu nome é “E…” e filho de M…., e cópia de cartão de eleitor, daí constando que o seu nome é “” (cf. cópias do requerimento e respectivos anexos juntas a fls. 1-26 do processo administrativo no SITAF, documentos que se dão por integralmente reproduzidos).
2. Em 11.07.2017, o Requerido remeteu duas mensagens electrónicas ao Consulado-Geral de Portugal em Goa, com conhecimento ao Requerente, na pessoa do seu Ilustre Mandatário constituído, solicitando que se providenciasse “junto da autoridade local emissora, no sentido de obter certidão de registo de por fotocópia do próprio livro, com as seguintes referências, - Nascimento de E…., nascido(a) em 20 de janeiro de 1957, na freguesia de Chimbel, concelho de Goa, com o registo lavrado sob o n.º 6…./19…./…3, do ano de 1959, da Conservatória do Registo de Civil de Goa e arquivado na Conservatória do Registo Civil de Panajim” e “Extracto de Casamento de M… com X…. casados em 2… de março de 1953 na Conservatória do Registo Civil de Goa com o registo transcrito sob o n.º…./53 do ano de 1953, arquivado na Conservatória do Registo Civil de Goa” (cf. cópias das mensagens electrónicas juntas a fls. 30-33 do processo administrativo no SITAF, documentos que se dão por integralmente reproduzidos).

3. Em 11.07.2017, a CRC remeteu uma mensagem electrónica ao Ilustre Mandatário do Requerente, cujo teor se transcreve parcialmente infra:
Informo V.Ex.ª. de que deverá apresentar originais de documentos de identificação antigos do próprio ou dos pais do registando, emitidos pela Administração Portuguesa, no antigo Estado da Índia, nos termos do nº 1 do artº 1º do DL 85/2010, de 15/7.
Requer-se ainda documento de identificação do seu mandante rectificado quanto ao nome do mesmo, assim como prova de domicílio do pai do período de tempo compreendido entre 1 de janeiro de 1974 e 31 de dezembro de 1975, uma vez que, o registando era menor nesses anos - conforme art.º 85.º do Código Civil.
Desde já se informa que o processo fica a aguardar resposta a diligências oficiosas.” (cf. cópia da mensagem junta a fls. 34 do processo administrativo no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido).
4. Em 21.07.2017, o Requerente apresentou um requerimento junto da CRC, aí declarando que o seu domicílio, bem como dos seus pais, era o Estado de Goa e solicitando a integração imediata do seu assento de nascimento (cf. cópia do requerimento junta a fls. 60-66 do processo administrativo no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido).

5. Em 27.02.2018, o Consulado-Geral de Portugal em Goa remeteu ofícios às Conservatórias do Registo Civil de Pangim, tendo em vista a obtenção dos elementos a que se aludem no ponto 2. supra (cf. cópias dos ofícios juntas a fls. 85-88 do processo administrativo no SITAF, documentos que se dão por integralmente reproduzidos).

6. Em 10.05.2018, a CRC remeteu nova mensagem electrónica à Ilustre Mandatária do Requerente, aí dando conta de que “o processo aguarda que seja apresentado documento de identificação do registando, nomeadamente passaporte rectificado quanto ao nome e em conformidade com a certidão de nascimento apresentada” (cf. cópia da mensagem junta a fls. 68 do processo administrativo no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido).

7. Em 10.05.2018, o Requerido remeteu duas mensagens electrónicas ao Consulado Geral de Portugal em Goa, insistindo no cumprimento das solicitações a que se aludem no ponto 2. supra (cf. cópias das mensagens electrónicas juntas a fls. 69-72 do processo administrativo no SITAF, documentos que se dão por integralmente reproduzidos).

8. Em 17.08.2018, o Requerente apresentou novo requerimento junto da CRC, aí dando conta de que “salvo melhor opinião, nada há a retificar uma vez que o registando E…., segundo as regras da República da

Índia é identificado com o seu nome próprio E…com o nome do seu pai M… e com o apelido paterno de K…” e requerendo a imediata prolação de despacho para registo (cf. cópia do requerimento junta a fls. 74-75 do processo administrativo no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido).

9. Em 01.02.2019, a CRC remeteu nova mensagem electrónica à Ilustre Mandatária do Requerente, aí dando conta de que se mantinha o pedido a que se alude no ponto 6. supra (cf. cópia da mensagem junta a fls. 78 do processo administrativo no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido).

10. Em 01.02.2019, o Requerido remeteu duas mensagens electrónicas ao Consulado-Geral de Portugal em Goa, insistindo no cumprimento urgente das solicitações a que se aludem no ponto 2. supra ...

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