Acórdão nº 2035/22.3T8LSB-A.L1-4 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-09-14

Data de Julgamento14 Setembro 2022
Ano2022
Número Acordão2035/22.3T8LSB-A.L1-4
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

1.RELATÓRIO

AAA intentou em 25 de Janeiro de 2022 a presente acção declarativa comum contra BBB, formulando o seguinte pedido:

1. Ser reconhecido que o denominado «Contrato de Atribuição de Bolsa», celebrado entre a autora e o réu Universidade Nova em 15 de Fevereiro de 2020, foi um contrato simulado, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 241° do CC, o qual consubstanciou na realidade um verdadeiro contrato de trabalho a termo certo, pelo prazo de um ano;
2. Ser reconhecido que no contrato de trabalho referido em 1 não consta o motivo justificativo para a fixação do prazo de um ano, nem o mesmo visou a satisfação de necessidades temporárias do réu, pelo que, nos termos dos arts. 140° e 147°, n° 1, alíneas a) e c) do CT, o contrato considera-se celebrado sem termo;
3. Ser reconhecido que em 14 de Fevereiro de 2021 a autora foi despedida por decisão do réu, sem justificação legítima e precedência de processo disciplinar;

4. Ser reconhecido que, em virtude do facto referido em 3, o despedimento foi ilícito e a autora tem direito:
a) À reintegração no réu ou, em alternativa, ao pagamento de indemnização de antiguidade, não inferior a 2.121,00 euros (45 dias) por cada ano;
b) Ao pagamento de retribuições vencidas e não pagas no valor de 6.096,32 euros;
c) Ao pagamento das retribuições a que teria direito após o despedimento, a partir do dia 21 de Dezembro de 2021 e até ao trânsito em julgado da sentença que for proferida na presente acção;
d) Ao pagamento da quantia de 4.595,50 euros por danos patrimoniais;
e) Ao pagamento da quantia de 1.000,00 euros por danos não patrimoniais.

5. Ser reconhecido, para efeitos de inscrição na Segurança Social que:
a) Entre a autora e o réu, a partir do dia 15 de Fevereiro de 2020 existiu uma relação de trabalho, sujeita ao dever de inscrição pelo réu na Segurança Social;
b) Que o réu não inscreveu a autora na Segurança Social como sua trabalhadora dependente, não procedeu aos descontos legais nas remunerações pagas à autora, nem entregou as contribuições por ele legalmente devidas;
b) Que essa relação de trabalho vigorou entre 15 de Fevereiro de 2020 e 14 de Fevereiro de 2021, data em que a autora foi despedida;
c) Que a remuneração auferida pela autora em 2020 foi de 1.400,00 euros e a partir de Janeiro de 2021 foi de 1.414,00 euros.” Os RR. apresentaram contestação, tendo o R. CCC invocado desde logo a excepção da incompetência material do Tribunal do Trabalho para conhecer do pedido de inscrição da A. na Segurança Social.

Foi proferido despacho saneador em 05 de Abril de 2022 no qual a Mma. Juiz a quo, além do mais, decidiu o seguinte:
“Julgo pois este tribunal materialmente incompetente para o pedido formulado no ponto 5 da petição inicial, e consequentemente absolvo as RR da instância quanto ao mesmo”

1.2.A A., inconformada, interpôs recurso desta decisão e formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões:
- O douto despacho ref. 414671164, de 05.04.2022, na parte em que absolveu as rés da instância por considerar o Tribunal do Trabalho materialmente incompetente para apreciar o ponto 5 do pedido formulado pela autora na p.i., violou o disposto no 256°, n°. 1, d), do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, e no art. 126°, s) da Lei n° 62/2013, de 26 de Agosto.
- Nestes termos e nos demais de direito deverá ser concedido provimento ao presente recurso de Apelação e, consequentemente, ser proferido douto Acórdão que reconheça a competência material do Tribunal do Trabalho, revogue o despacho recorrido ref. 414671164, de 05.04.2022, na parte em que absolveu os réus da instância e ordene o prosseguimento dos autos até final para apreciação do ponto 5 do pedido formulado pela autora na p.i..
- E assim se fará Justiça.

1.3.A 1.ª R. apresentou contra-alegações em que concluiu dever confirmar-se o despacho saneador recorrido.
1.4.O recurso foi admitido.
1.5.Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se, em douto parecer a que as partes não responderam, no sentido de se conceder provimento ao recurso.

Colhidos os vistos e realizada a Conferência, cumpre decidir.
2. Objecto do recurso

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigo 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho – ressalvadas as questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a única questão que se coloca à apreciação deste tribunal consiste em saber se o Juízo do Trabalho tem competência material para conhecer do pedido formulado pela recorrente no ponto 5. da sua petição inicial, acima transcrito.
*
3. Fundamentação de facto
*
Os factos relevantes para a decisão do recurso resultam do relatório antecedente.
*
4. Fundamentação de direito
*
A propósito da questão que foi colocada a este Tribunal da Relação, a decisão da 1.ª instância, depois de apelar ao regime jurídico pertinente da LOSJ e ao Acórdão da Relação do Porto de 2017.12.14[1] - segundo o qual o Tribunal do Trabalho é incompetente em razão da matéria para conhecer dos pedidos de condenação da entidade patronal no pagamento de contribuições devidas à Segurança Social, porque a obrigação de liquidar e pagar tais contribuições não decorre directamente da violação do contrato de trabalho mas sim da violação de um dever de contributo/tributário -, exarou o seguinte:
«[…]
O mesmo se diga quanto à inscrição na segurança social e em que termos, e a todos os pedidos formulados nesse tocante, pois o dever de estar inscrita, ou não, é apreciado por aqueles tribunais, e não pelos tribunais de trabalho que apreciam apenas a relação substantiva inerente a esse dever de proceder a descontos.
Julgo pois este tribunal materialmente incompetente para o pedido formulado no ponto 5 da petição inicial, e consequentemente absolvo as RR da instância quanto ao mesmo.
[…]»

Contra esta decisão se rebela a recorrente, defendendo que a competência do Juízo do Trabalho para conhecer o ponto 5. do pedido formulado é atribuída pelo artigo 256.º, n.º 1, alínea d) do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social e se integra na situação prevista na alínea s), do artigo 126.º da LOSJ.

Vejamos.

Tendo em consideração os contornos dos pedidos enunciados no ponto 5. da petição inicial, a questão que se nos suscita prende-se com a competência em razão da matéria desta jurisdição especializada para os apreciar.

Como refere Manuel de Andrade, a competência dos tribunais em geral resulta da medida de jurisdição atribuída aos diversos tribunais, do modo como entre si fraccionam e repartem o poder jurisdicional que, tomado em bloco, pertence ao conjunto dos tribunais[2].

Quanto aos tribunais judiciais, estabelece o artigo 40º, n.º 1 da LOSJ[3], que “[o]s tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.

O artigo 40.º da LOSJ está em consonância com o princípio da plenitude da jurisdição comum consagrado no artigo 211º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, de acordo com o qual os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais, na mesma senda estabelecendo o artigo 64.º do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho.

Verifica-se do modo como se encontra enunciada a regra geral contida no artigo 40.º, n.º 1 que a competência dos tribunais judiciais comuns é residual, só se verificando quando as regras reguladoras da competência de outra ordem jurisdicional não abarcam o conhecimento da questão que é submetida à apreciação do tribunal.

Entre os juízos de competência especializada dos tribunais de comarca a que se reporta a LOSJ, encontram-se os Juízos do Trabalho – cfr. os artigos 79.º, 80.º, 81.º, n.º 3, alínea h) e 126.º.
A competência especializada dos Juízos do Trabalho encontra-se definida no artigo 126.° desta Lei, norma de acordo com a qual compete a estes tribunais conhecer, em matéria cível, entre outras:
b) Das questões emergentes de relações de trabalho subordinado e de relações estabelecidas com vista à celebração de contratos de trabalho;
(...)
i) Das questões entre instituições de previdência ou de abono de família e seus beneficiários quando respeitem a direitos, poderes ou obrigações legais, regulamentares ou estatutárias de umas ou outros, sem prejuízo da competência própria dos tribunais administrativos e fiscais;
(...)
n) Das questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o juízo seja directamente competente;
(…)
s) Das demais questões que por lei lhes sejam atribuídas.”

A A. formulou no âmbito do ponto 5. da petição inicial pedidos de simples apreciação com sentidos distintos, que, a nosso ver, terão que ser perspectivados de modo diverso.

Assim, na parte desse pedido que pressupõe a análise do dever do empregador de inscrever o trabalhador na Segurança Social – a parte do corpo do pedido que
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