Acórdão nº 2023/21.7T8AVR.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 13-11-2023

Data de Julgamento13 Novembro 2023
Ano2023
Número Acordão2023/21.7T8AVR.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Apelação/Processo nº 2023/21.0T8AVR.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo do Trabalho de Aveiro, Juiz 2

4ª Secção


Relatora: Germana Ferreira Lopes
1ª Adjunta: Paula Leal de Carvalho
2ª Adjunta: Rita Romeira





Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO
AA, patrocinada pelo Digno Magistrado do Ministério Público, intentou ação especial emergente de doença profissional contra Instituto da Segurança Social, I.P. (Departamento de Proteção Contra os Riscos Profissionais), pedindo a condenação do Réu a:
A) Reconhecer que a Autora é portadora de doenças profissionais a nível dos membros superiores, designadamente, de tendinite calcificada do supraespinhoso bilateral; bursite peribicipital à esquerda; tenossinovite dos flexores dos dedos das mãos bilateral, desde, pelo menos, setembro de 2018;
B) Prestar à Autora todas as prestações em espécie de que careça, para tratamento das Doenças Profissionais de que é portadora;
C) Pagar à Autora indemnização em capital de remição da pensão que lhe couber com base na retribuição anual referida no artigo 18º da petição inicial e na IPP que vier a ser fixada no Exame Pericial Colegial com início em setembro de 2018;
D) Pagar à Autora os juros de mora à taxa legal, a contar do vencimento das obrigações, nos termos do artigo 135º do Código de Processo do Trabalho.
Para tanto, alegou, em síntese, que foi admitida, em Abril de 1974, ao serviço da empresa “A..., S.A.”, onde, desde o início, o seu trabalho de escolhedora e controladora de qualidade consistia em permanecer de pé, e, de cada palete, retirar, carregar e abrir as várias caixas (cujos pesos iam de 7 a 20 kg, cada) com material cerâmico (tijoleiras, azulejos de vários formatos e pesos) a fim de controlar a qualidade do fabrico, por forma a reter as peças com defeito e apor o selo verde nas paletes que só continham peças perfeitas (sem defeitos de produção), em movimentos repetitivos, usando ambos os membros superiores, controlando, em média, diariamente, 250 daquelas caixas de material cerâmico. Funções que exerceu, ininterruptamente, até setembro de 2018, data em que, não mais suportando as dores em ambos os membros superiores, entrou de baixa médica de longa duração, até à sua reforma, em 2020. Devido à realização contínua daqueles movimentos minuciosos, repetitivos e constantes, durante tantos anos, a partir de meados do ano de 2014 começou a sentir dor em ambos os ombros, mãos, pulsos e cotovelos. Tais perturbações sensoriais a nível das mãos, pulsos, ombros e cotovelos foram-se agravando com o decurso do tempo e a continuação da prestação de trabalho, ocasionando crescente dificuldade no movimento dos membros superiores, do que veio a dar queixa ao seu médico do trabalho, Dr. BB, que lhe diagnosticou a 16/10/2018 padecer de epicondilite calcificada dos cotovelos bilateral; tendinite calcificada do supraespinhoso bilateral; bursite peribicipital à esquerda; tenossinovite dos flexores dos dedos das mãos bilateral, em consequência do supra mencionado desempenho, há cerca de 44 anos, na referida empresa, de tarefas que envolvem movimentos repetitivos dos membros superiores, pelo que elaborou e subscreveu participação obrigatória à Segurança Social. O Réu, após submeter a Autora a exames, concluiu não estar a Autora afetada por doença profissional, apenas reconhecendo a epicondilite bilateral, tendo tal decisão sido comunicada por oficio de 31.08.2020, decisão com a qual a Autora não concorda, já que do exercício da sua atividade profissional, nos moldes acima referidos, resultou para si as doenças profissionais que pretende que lhe sejam reconhecidas, por força das quais se encontra definitivamente afetada na capacidade geral de ganho.

Citado o Réu, foi deduzida oposição, defendendo, no essencial, que a Autora padece de doença profissional de epicondilite bilateral já reconhecida, e, nessa medida, de uma incapacidade permanente parcial de 7%. No que respeita às demais doenças participadas não as reconhece como doença profissional, já que são de origem natural, não existindo, assim, qualquer incapacidade a estabelecer. Caso se venha a concluir que a Autora padece de outra doença profissional, haverá que atender ao determinado no artigo 111.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, ou seja, atribuindo a junta médica certo grau de incapacidade e indicando a data de início da mesma. Sustenta que será sempre sobre aquele grau e data que se irá atender aos cálculos indemnizatórios, bem como de acordo com as retribuições auferidas pelo beneficiário que foram consideradas para efeitos de base da incidência contributiva para a Segurança Social, pelo que nunca a pensão que vier a ser atribuída poderá ser paga em momento anterior ao estabelecido no artigo 128.º do mesmo diploma durante os períodos de incapacidade temporária, de acordo com o estipulado no n.º 2 do artigo 50.º do citado diploma legal.
Conclui pela improcedência da ação.
Foi ainda junto o processo organizado pelo réu (artigo 155.º, n.º 2 do Código de Processo do Trabalho).

Proferido o despacho saneador, seguido da enunciação dos factos assentes, da fixação do objeto do litígio e da enunciação dos temas de prova, foi organizado apenso para fixação de incapacidade.

No apenso de fixação de incapacidade, foi realizada junta médica, conforme auto de junta médica refª citius 125654256, aí tendo ficado a constar um coeficiente global de incapacidade de 6,435% pelas proveniências em termos de coeficientes arbitrados, capacidade restante e desvalorização arbitrada melhor discriminados no quadro constante do identificado auto. Nesse mesmo auto, em resposta à questão colocada pelo Réu sobre desde que data a Autora está afetada da sintomatologia atinente à periartrite bilateral dos ombros direito e esquerdo, os senhores peritos responderam desde a data de 2-10-2018.

Nesse apenso de fixação de incapacidade, as partes foram notificadas do resultado da junta médica, sendo que, nessa sequência e dentro do prazo geral do contraditório, veio o Réu apresentar o requerimento de 8-02-2023 refª 44667406.
A Autora, representada pelo Ministério Público, foi notificada do referido requerimento do Réu, nada tendo dito.

Relativamente ao referido requerimento do Réu de 8-02-2023, foi proferido o seguinte despacho no apenso de fixação de incapacidade:
Requerimento apresentado a 8.02.2023:
Considerando o ali referido, constata-se que, efetivamente, o auto de exame, mediante Junta Médica contém um erro de cálculo, no que se refere ao coeficiente global de incapacidade.
Como assim, ter-se-á de considerar que tal coeficiente é de 6,645% e não o aí indicado de 6,435%
Notifique.”.
Nesse mesmo apenso de fixação de incapacidade, subsequentemente ao referido despacho, foi proferida decisão na qual se concluiu ser de fixar à Autora “uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 6,645% desde 02.10.2018, em virtude de doença profissional de que padece – periartrite bilateral dos ombros direito e esquerdo.”.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos:
Face ao exposto, decide-se:
A - Reconhecer que a autora AA, para além das doenças profissionais que lhe estavam já reconhecidas, padece também de periartrite bilateral dos ombros direito e esquerdo, desde 02.10.2018.
B - Fixar em 6,645% o grau de incapacidade permanente parcial (IPP) global de que a autora AA se encontra afectada, em consequência do conjunto das doenças profissionais de que padece.
C- Condenar o réu Instituto da Segurança Social, I.P. – Departamento de Protecção contra os Riscos Profissionais- a pagar à autora AA as seguintes prestações:
C.1 - a pensão anual e vitalícia no valor de €532,29( quinhentos e trinta e dois euros e vinte e nove cêntimos), sujeita às actualizações legais, previstas nomeadamente nas Portarias n.ºs 23/2018, de 18/01, 25/2019, de 17/01 e 28/2020, de 31/03, a liquidar mensalmente, sendo pago nos meses de Junho e Novembro de cada ano um montante adicional de valor igual ao da prestação respeitante a esses meses, pelo conjunto das doenças profissionais, sendo a parte da pensão respeitante à agora reconhecida doença profissional de periartrite bilateral dos ombros direito e esquerdo, desde 02.10.2018.
C.2. Juros de mora à taxa legal (actualmente de 4%), até integral e efectivo pagamento, sobre parte da pensão respeitante à agora reconhecida doença profissional de periartrite bilateral dos ombros direito e esquerdo, desde 02.10.2018.
D- Condenar, ainda, o réu a assegurar à autora as prestações em espécie de que careça, para tratamento das doenças profissionais de que é portadora, desde que necessárias e adequadas ao restabelecimento do seu estado de saúde e da capacidade de trabalho ou de ganho e à sua recuperação para a vida activa.
Custas a cargo do réu (artigo 527.º do Código de Processo Civil ex vi artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho.
Valor da acção: fixo à acção o valor de 5.577,33 (artigo 120.º do Código de Processo do Trabalho.

Inconformado, o Réu veio recorrer, tendo formulado as seguintes conclusões [transcrevem-se as conclusões já aperfeiçoadas, na sequência de despacho nesse sentido]:
“I. O presente recurso vem interposto da Sentença do Tribunal a quo, que decidiu julgar procedente a ação e, em consequência, decidiu condenar o Instituto da Segurança Social, IP – Departamento de Proteção Contra Riscos Profissionais, a pagar à Recorrida, o pagamento da pensão em relação à periatrite bilateral desde a data de «02/10/2018», conforme seguinte segmento decisório: «(…) C- Condenar o réu Instituto da Segurança Social, I.P. – Departamento de Protecção contra os Riscos Profissionais- a pagar à autora AA as seguintes prestações:
C.1-a pensão anual e vitalícia no valor de €532,29 (quinhentos e trinta e dois euros e vinte e nove cêntimos),
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