Acórdão nº 2021/18.8T9VFX.L1-3 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-03-08

Data de Julgamento08 Março 2023
Ano2023
Número Acordão2021/18.8T9VFX.L1-3
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acórdão proferido na 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

AS, assistente nos presentes autos, veio recorrer da decisão que absolveu as arguidas da autoria material de um crime e fotografias ilícitas, previsto e punido pelo artigo 199º, n.º 2, al. b) CP.

Apresentou para tanto as seguintes conclusões:

ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA (Art.º 410º, nº 2 al c) CPP)
1- A factualidade dada como provada na sentença recorrida, designadamente nos pontos 1 a 10, tipifica objetivamente a prática pelas recorridas, em coautoria e na forma consumada, do crime de Gravações e fotografias ilícitas, previsto e punido pelo artº 199º do Código Penal.
2- O Tribunal “a quo” fundamenta a decisão nos depoimentos das testemunhas, atribuindo credibilidade ao depoimento da testemunha TF, ao afirmar que “…estas que depuseram de forma isenta e objetiva, razão pela qual lograram obter credibilidade junto do Tribunal.”
3- Acrescentando que: “A testemunha TF, ex-cunhada da arguida FA, referiu que a família da testemunha RC já lhe tinha mostrado sinais de preocupação em face do relacionamento com a assistente, preocupação essa que se centrava na discordância em face do estilo desta última.”
4- Em audiência de julgamento a testemunha TF: (início 11:05 horas e termo ocorreu pelas 11:22 horas), a perguntas do MP, Minutos 3:20 a 8:28, respondeu sempre não ter conhecimento direto dos factos, sabendo apenas o que ouvia dizer ao ex-marido e ao filho LC.
5- O ex-marido e ao filho, alegadamente fontes através das quais tomou conhecimento dos factos, não foram chamados a depor, sendo que, o filho arrolado como testemunha pela defesa, não foi inquirido porque a defesa prescindiu do seu depoimento, conforme ata de 17/05/2022, referência CITIUS 152786357.
6- Nos termos do disposto no art.º 129º, nº 1, do Código de Processo Penal, o depoimento da testemunha TF, por não terem sido chamados a depor as pessoas a quem a testemunha alega ter ouvido dizer, não se verificando qualquer impossibilidade para que essas pessoas depusessem em tribunal, não pode servir como meio de prova, devendo ser anulada a sentença na parte em que valora o depoimento da testemunha TF.
7- Quanto ao facto 1. dos factos não provados, “Que as arguidas atuaram com o propósito concretizado de utilizar tais fotografias cientes de que as mesmas não tinham a virtualidade de servir de prova aos factos que pretendiam demonstrar na referida acção.”, não podemos concordar, senão vejamos:
8- Conforme resulta dos factos provados, a arguida FA acedeu ao perfil do Facebook da Recorrente, daí retirou fotografias que imprimiu a entregou à arguida SF, que as juntou como documento nº3 em incidente de alteração da regulação das responsabilidades parentais que correu termos no Juízo de Família e Menores de …. com o n.º ….– A, conforme ponto 10 do Requerimento Inicial.
9- Com as fotografias pretenderam provar que a agora recorrente” …, mantém comportamento cesuráveis e que não vão de encontro às orientações educativas da mãe da menor …”
10- As fotografias juntas aos autos, que aqui se dão por reproduzidas para todos os efeitos legais, nada têm de censurável, são fotografias da recorrente e do seu filho, em que retratam só a recorrente, a recorrente acompanhada do seu filho ou só o filho da recorrente.
11- Estão datadas de junho, outubro e novembro de 2016, ou seja, momento muito anterior ao do início do relacionamento amoroso com o pai da menor.
12- Não pode o tribunal recorrido ao considerar não provado que as arguidas ao usaram as fotografias da recorrente por as julgarem idóneas para provar os factos que pretendiam demonstrar, ou seja “comportamentos cesuráveis” da recorrente, quando é óbvio que nenhuma das fotos usadas pelas arguidas retrata qualquer comportamento censurável da recorrente.
13- Existindo mesmo uma contradição entre este facto não provado e o facto 10 dos factos provados onde se diz: “Com as respetivas condutas, ao carrear tais fotografias para os autos de alteração de regulação das responsabilidades parentais, as arguidas agiram com o propósito de fazer prova de facto concreto que foi alegado.”
14- As recorridas quiseram usar e usaram as fotografias da recorrente para fazer prova dos seus “comportamentos censuráveis”, sendo que, embora o desconhecimento da lei não aproveite a quem a viola, a recorrida SS é Advogada, bem sabendo que com elas não provaria qualquer comportamento censurável da recorrente e que tal conduta era proibida pela lei penal.
15- O facto não provado nº 1 deve ser considerado facto provado.
16- Consequentemente, também o facto 2 dos factos não provados deve ser considerado facto provado porque as recorridas agiram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

DO DIREITO
17- A sentença recorrida absolve as arguidas da prática do crime de fotografias ilícitas, considerando excluída a ilicitude, com os fundamentos seguintes: “…. não nos podemos olvidar que tais fotografias foram expostas no perfil do facebook pela própria assistente e que as arguidas apenas as utilizaram com o único propósito de provar factos alegados em peça processual, pelo que se entende que agiram no exercício de um direito, pelo que se entende que as arguidas agiram ao coberto do disposto no artigo 31º, n.º 2, al. b) do Código Penal.”
18- Como a Mmª juiz reconhece na sentença recorrida, o direito à imagem merece tutela constitucional, art.º 261º da CRP e legal, art.º 79º do Código Civil e art.º 199º do Código Penal.
19- Resulta dos factos provados que as arguidas usaram as fotografias, embora licitamente obtidas do perfil do Facebook da recorrente, sem o seu consentimento.
20- Dúvidas não restam sobre a tipicidade da conduta das recorridas preenchendo os pressupostos da norma incriminadora, nº 2, al. b) do artº 199º do CP.
21- Quanto à questão que motiva a nossa discordância da sentença recorrida, a causa de exclusão da ilicitude fundamentada no exercício de um direito, veja-se a propósito a posição da doutrina e jurisprudência sobre a matéria:
22- Manuel da Costa Andrade in Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo 1, pág. 838, Coimbra Editora, 1999, “§ 52. Assim, por desígnio tão expresso como inequívoco do legislador, a prossecução das finalidades (repressivas) imanentes ao processo penal, máxime a descoberta da verdade material, não legitima a produção - por particular ou autoridade pública – sem consentimento, de gravação, fotografia ou filme.
23- Como não legitima a sua utilização ou valoração sem consentimento em processo penal. Independentemente do seu estatuto adjetivo-processual, nomeadamente no contexto das proibições de prova (Costa Andrade, cit. 237 ss), tanto a produção como a utilização (valoração) das gravações e fotografias configuram, no plano substantivo expressões irredutíveis de ilicitude criminal.”
24- “§ 54. No que toca à imagem ……O propósito de carrear provas para o processo penal e prosseguir a verdade material, também não justifica a produção ou utilização das fotografias (filmes, registos videográficos) arbitrárias. Nem em relação a particulares, nem em relação a autoridades; e seja qual for a gravidade do crime ou a valência da fotografia do ponto de vista da privacidade/intimidade.”
25- Nem em Processo Penal é permitido o uso de fotografias sem consentimento do titular do direito logo, por maioria de razão, também o seu uso não é permitido num processo de alteração da regulação das responsabilidades parentais.
26- E muito menos quando não provam sequer qualquer facto alegado pelas recorridas, muito menos qualquer “comportamento censurável” da recorrente.
27- Também a jurisprudência, de forma unânime considera verificados os pressupostos da prática do crime quando é feito uso, sem autorização do titular do direito à imagem, de fotografias retiradas do perfil do Facebook.
28-Vide, a propósito, AC TRP, processo nº 47/15.2T9AGD.P1, de 12/7/2017, disponível em www.dgsi.pt, em cujo sumário de diz: “Constitui o crime do art.º 199º CP (fotografias ilícitas), a realização de cópias informáticas de fotografias existentes dos lesados e dos filhos e livremente acessíveis no Facebook daqueles e o seu envio posterior aos próprios por email, por ter sido feita contra a vontade de quem elas retratavam.”
29- Ou ainda, AC TRP, processo nº 101/13.5TAMCN.P1, de 05/6/2015, disponível em www.dgsi.pt, em cujo sumário de diz: “... V – É suscetível de preencher o tipo legal de crime de Gravações e fotografias ilícitas, do art.º 199.º nº 2, do Cód. Penal, a arguida que, contra a vontade do fotografado, utiliza uma fotografia deste, ainda que licitamente obtida e a publicita no Facebook.”
30- O que contraria o argumento da necessidade de interpretação atualista do nº 2 al. b) do artº 199º CP, excluindo a ilicitude do uso das fotografias publicadas em perfis de utilizadores das redes sociais, in casu, com fundamento no exercício de um direito.

Do Pedido de Indemnização Civil:

31- A recorrente deduziu pedido de indemnização civil, peticionando a condenação solidária das arguidas/demandadas no pagamento da quantia de €1.500,00 (mil e quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais, quantia esta acrescida de juros legais.
32- O Tribunal “a quo”, em consequência da absolvição pela prática do crime, julgou improcedente o pedido e absolveu as arguidas do pedido formulado pela agora recorrente.
33- Julgando verificada a prática do crime de fotografias ilícitas, previsto e punido pelo art.º 199º do CP, e condenando as arguidas pela sua prática, estão verificados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual e, consequentemente, o dever de indemnizar pelos danos não patrimoniais causados pelas recorridas à recorrente.
34- O facto ilícito praticado pelas recorridas causou à recorrente danos não patrimoniais, indemnizáveis nos termos das disposições conjugadas doas artºs
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT