Acórdão nº 1981/21.6T8VRL-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2023-02-02

Ano2023
Número Acordão1981/21.6T8VRL-A.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

RELATÓRIO

Por apenso à ação declarativa com processo comum que AA instaurou contra Armazéns do ..., Lda. veio M... - GESTÃO E SERVIÇOS, LDA. deduzir incidente de habilitação de cessionário, nos termos do art. 356º, do CPC, pedindo que seja habilitada para intervir nos autos principais em substituição do aí autor AA.
Como fundamento do seu pedido alegou, em síntese, que o autor AA cedeu à requerente a quota de que era titular na sociedade ré, estando já registada a cessão dessa quota. Cedente e cessionária notificaram a ré da cessão.
A cessão produziu já todos os seus efeitos pelo que o direito exercido nos autos principais pelo autor AA passou a ser detido pela requerente, a qual deve por isso ser habilitada para intervir nos autos principais em sua substituição.
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Notificados os requeridos para apresentarem contestação, apenas a requerida Armazéns do ..., Lda. apresentou contestação na qual alegou que a requerente não demonstrou qualquer interesse direto na ação, no que concerne à causa de pedir e pedidos.
Mais alegou que do contrato de cessão de quotas, concretamente da cláusula terceira invocada pela requerente, não resulta que tenha havido a transmissão de qualquer “coisa ou direito em litígio” nos termos do art.º 356.º do Código de Processo Civil e a procedência da habilitação da requerente implicaria a impossibilidade de apreciação do pedido formulado na ação principal, por falta de legitimidade.
Para além disso, a cessão da quota foi feita sem o consentimento da sociedade ora requerida, em violação das normas legais e dos seus estatutos, o que determina a ineficácia dessa cessão relativamente a si.
Com estes fundamentos, pugnou pela improcedência do incidente de habilitação.
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A requerente apresentou resposta na qual alegou que com a cessão de quotas assumiu a qualidade de sócia da requerida tendo-lhe sido cedidos, juntamente com a quota, todos os direitos e obrigações inerentes, conforme consta do contrato de cessão.
Por isso, entende que deve intervir na ação principal, em substituição do anterior sócio cuja quota adquiriu.
No que concerne à ineficácia da cessão relativamente à sociedade refere ainda que, para além da cessão já estar devidamente registada na conservatória do registo comercial, a sociedade até já a convocou para a realização da assembleia geral ordinária que teve lugar em 31.3.2022.
Conclui pedindo a procedência do incidente de habilitação.
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No processo principal, foi fixado à causa o valor de € 34 916,00.
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Foi proferida sentença com o seguinte teor decisório:
“Em face do exposto, julga-se o presente incidente procedente por provado e, em consequência, condena-se a requerida Armazéns do ..., Lda., do pedido de habilitação formulado pela requerente, M... - GESTÃO E SERVIÇOS, LDA.,”
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A requerida Armazéns do ..., Lda. não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:

“A) A 18-04-2022 (Ref.ª ...68) a Requerente deduziu por apenso à acção n.º 1981/21...., em que é Autor AA, o incidente de habilitação de adquirente, tendo para o efeito alegado que, por documento particular de cessão de quota, outorgado em 20 de Dezembro de 2021, o Autor cedeu à Requerente a quota do valor nominal de trinta e quatro mil, novecentos e dezasseis euros de que aquele era titular na Ré, pelo preço de setecentos e cinquenta mil euros, mais alegou que a quota cedida incluía todos os direitos e obrigações inerentes, conforme cláusula terceira do contrato e que a mesma já se encontra registada em seu nome através do depósito n.º 1 do dia 10.02.2022, alegou ainda que cedente e cessionário procederam à notificação da Ré da cessão da quota em 11 de Fevereiro de 2022, pelo que atenta a cessão de quota operada, o direito exercido nos autos pelo Autor passou a ser detido pela Requerente, terminou peticionando pela procedência do incidente.

B) Posteriormente, a Ré/Requerida deduziu contestação onde alegou por um lado que a Requerente não demonstrou qualquer interesse directo na demanda, no que concerne à causa de pedir e pedidos, mais alegou que da clausula terceira do contrato de cessão de quotas não resulta que tenha havido transmissão de qualquer “coisa ou direito em litigio”, mais acrescentou que a Ré/Requerida não havia consentido na cessão de quotas entre Autor e a Requerente pelo que se verifica um vicio de falta de consentimento, terminou requerendo a improcedência do incidente.
C) A 7 de Novembro de 2022, foi proferida Sentença que julgou procedente o incidente por provado.
D) É, pois, este o objeto do Recurso, a Sentença proferida, pois a decisão recorrida fez uma incorreta apreciação dos factos bem como dos concretos normativos legais aplicáveis ao caso sub judice.

– Do Recurso da Matéria de facto:
E) A alteração da decisão sobre a matéria de facto pela segunda instância deve ser feita nos casos de desconformidade entre os elementos de prova produzidos e a decisão ou na falta clara de suporte probatório.
F) De qualquer modo, as provas produzidas têm de ser apreciadas não apenas por aquilo que isoladamente valem, mas também valorizadas globalmente, isto é, no sentido que assumem no conjunto de todas elas.
G) A Douta Sentença deu como provados os factos contidos em 1. a 4., e quanto aos factos não provados ditou pela sua inexistência.
H) Quanto aos factos provados em 1., 2., 3. e 4., a Sentença fundamentou a sua convicção no documento junto aos autos, nomeadamente o contrato junto com o requerimento inicial.
I) Portanto, a Sentença deu como provados os factos 1., 2., 3. e 4.,
“1. Por documento particular de cessão de quota, outorgado em 20 de Dezembro de 2021, o A. nos presentes autos, AA (e respectiva esposa) cedeu à ora requerente a quota do valor nominal de euros: 34.916€ (trinta e quatro mil, novecentos e dezasseis euros) de que aquele era titular na sociedade Ré, pelo preço de euros: 750.000€ (setecentos e cinquenta mil euros).
2. A quota cedida inclui todos os direitos e obrigações inerentes.
3. A quota adquirida pela aqui requerente encontra-se já registada em seu nome através do depósito n.º 1 do dia 2022.02.10.
4. Cedente e Cessionário procederam à notificação da Ré da cessão da quota em 11 de Fevereiro de 2022.”
J) É na observância de todos os parâmetros referidos que se chegará à fixação da matéria de facto, tendo-se sempre presente que pode haver erro de percepção da prova produzida,
K) Ora, salvo o devido respeito por diverso entendimento, não pode a aqui Recorrente deixar de manifestar a sua discordância perante a decisão que veio a ser proferida na Sentença de que ora se recorre, inclusive quanto aos factos provados,
L) O concreto ponto de facto que considera incorretamente julgado foi o facto provado em 2..
M) O Tribunal a quo na Douta Sentença não relevou para a prova dos factos a prova documental apresentada na contestação pela aqui Recorrente, desde logo, a prova documental junta como Documento n.º ..., Documento n.º ..., Documento n.º ..., Documento n.º ..., Documento n.º ..., Documento n.º ... e Documento n.º ....
N) Do Documento n.º ... resulta a primeira comunicação do Autor a respeito da cessão de quotas, que foi recebida pela Ré em 25 de Novembro de 2021, na qual o Autor referia o prazo de 15 dias para a Ré deliberar a autorização/consentimento.
O) Do Documento n.º ... resulta a resposta da Ré ao Autor a 2 de Dezembro de 2021, comunicando-lhe que o agendamento de Assembleias Gerais mesmo que extraordinárias teria sempre de cumprir com as formalidades quanto ao prazo e convocatória de acordo com a legislação em vigor, nomeadamente com o disposto no Código das Sociedades Comerciais, pelo que seria necessária a prorrogação do prazo.
P) Do Documento n.º ... resulta a resposta do Autor, por missiva de 24 de Dezembro de 2021, não qual não concedeu o prazo para o agendamento da Assembleia por causa da falta de consentimento para a cessão de quota.
Q) Do Documento n.º ... resulta que o Autor, por carta datada de 11 de Fevereiro de 2022 veio comunicar a cessão de quota e o registo comercial.
R) Do Documento n.º ... resulta carta, datada de 16 de Fevereiro de 2022, enviada pela Requerente a comunicar a aquisição da quota e o registo comercial.
S) Do Documento n.º ... resultam os Estatutos da Sociedade Ré.

T) Do Documento n.º ... resulta a ata n.º ...4 da Assembleia Geral de 31 de Março de 2022.
U) Assim, em lado algum dos autos alegados factos e produzida prova resulta que a Recorrente tenha dado o consentimento para a cessão de quotas, portanto não é insuficiente a prova documental junta, pois que demonstra cristalino que a Recorrente não autorizou a cessão de quotas, bem como foram impedidos os demais sócios de exercerem o direito de preferência, mais claro fica que o Autor e a Requerente realizaram e registaram o contrato de cessão de quotas à revelia da Recorrente (da Lei e dos Estatutos da sociedade).
V) Além do mais, analisando os documentos, é notório todo o engenho arquitectado pelo Autor e Requerente, pois bem sabendo da impossibilidade de agendamento de Assembleia em tão curto espaço de tempo, aproveitaram-se desse facto.
W) Acresce, ainda, que o tribunal não teve a mesma ponderação quanto aos documentos e factos alegados pela aqui Recorrente, dando antes total relevância e credibilidade ao alegado pela Requerente, o que facilmente se denota pela simples leitura da Sentença que ignora tudo o que a Recorrente alegou na contestação e que provou por documentos.
X) Pelo exposto, deverão ser dados como provados os seguintes factos que se elencam:
g) A Requerente não demonstra qualquer interesse directo na presente demanda, no que concerne à causa de pedir e pedidos;
h) Do contrato de cessão de quotas não resulta a transmissão de qualquer “coisa ou direito em litígio”
i) Do contrato...

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