Acórdão nº 19583/20.2T8LSB.L1-8 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2024-02-08

Data de Julgamento08 Fevereiro 2024
Ano2024
Número Acordão19583/20.2T8LSB.L1-8
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam em conferência os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:


I – RELATÓRIO
A., identificada nos autos, instaurou acção declarativa com processo comum contra H., identificado nos autos, pedindo a condenação do Réu a pagar-lhe a quantia de 6122,84€, acrescidos de juros de mora desde 26.04.2019, até integral pagamento.
Para tanto alegou, em síntese, ter direito de regresso sobre o Réu pelo valor reclamado, correspondente ao que despendeu em virtude de acidente de viação causado pelo último, que conduzia com taxa de álcool no sangue superior à legalmente permitida.
O Réu foi citado editalmente, tendo o Ministério Público contestado por impugnação.
Foi proferida sentença julgando a acção parcialmente procedente, decidindo-se :
i) condenar o Réu a pagar à Autora a quantia de 432,84€ (quatrocentos e trinta e dois euros e oitenta e quatro cêntimos);
ii) condenar o Réu a pagar à Autora a quantia que se vier a liquidar no incidente próprio, correspondente ao valor dos danos sofridos pelo proprietário do veículo de matrícula WW-WW-WW, até ao limite de 5 690,00€ (cinco mil, seiscentos e noventa euros);
iii) Absolver o Réu do pedido, na parte respeitante aos juros de mora.
Inconformada com a decisão o Ministério Público veio interpor recurso, apresentando as seguintes conclusões, que se transcrevem na íntegra:
“ I. O presente recurso vem interposto da sentença proferida nos autos, que julgou a presente acção parcialmente procedente e, nessa sequência condenou o Réu ausente a pagar à Autora a quantia de 432,84€ (quatrocentos e trinta e dois euros e oitenta e quatro cêntimos) e ainda a pagar a quantia que se vier a liquidar em incidente próprio, até ao limite de 5690€ (cinco mil seiscentos e noventa euros).
II. O Ministério Público não se conforma com a douta decisão proferida por considerar que o Tribunal a quo incorreu em erro de apreciação da prova bem como fez uma errada subsunção dos factos assentes ao Direito.
III. Na medida em que a Autora propôs acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra H., Réu ausente, na qual peticiona a sua condenação no pagamento de 6122,84€, acrescidos de juros de mora desde 26.04.2019, alegando o seu direito de regresso nos termos do artigo 27.º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei n.º 292/2007, de 21 de agosto.
IV. Invoca, assim, a Autora que havia celebrado um contrato de seguro com o Réu, através do qual este transferiu a para a Autora a responsabilidade civil emergente da circulação rodoviária do veículo com a matrícula XX-XX-XX.
V. Mais invoca a Autora que o Réu foi interveniente num acidente de viação, envolvendo mais dois veículos automóveis, sendo que foi o Réu que deu causa a tal acidente e estava alcoolizado, com uma TAS de 0,84g/l.
VI. O Tribunal a quo considerou como provado o seguinte facto: 12) O réu foi sujeito ao teste de pesquisa de álcool no sangue, tendo acusado uma TAS de 0,84 g/l e foi conduzido pela PSP à Divisão de Trânsito de Lisboa, onde foi novamente submetido ao teste quantitativo do ar expirado, tendo acusado uma TAS de pelo menos 0,816 g/l, correspondente à TAS de 0,89 g/l.
VII. O Tribunal a quo fundamentou a sua convicção sobre o mencionado facto, na participação do seguro conjugado com o depoimento da testemunha S., agente da PSP que efectuou a pesquisa no local e elaborou o auto.
VIII. Entende o Ministério Público que a prova produzida não permitia ao Tribunal a quo dar como provada quantificação da taxa de álcool, uma TAS de pelo menos 0,816g/l.
IX. Independentemente do teor da Participação de Acidente, este documento só por si, sem qualquer outro elemento de sustentação, não tem a virtualidade de permitir a verificação, a prova, da quantificação da taxa de álcool no sangue.
X. A quantificação da taxa de alcoolemia não é um facto susceptível de percepção.
XI. É um facto sujeito a prova vinculada, na medida em que o seu resultado carece de ser produzido por determinado tipo de aparelho ou através de exame toxicológico.
XII. E, quando produzido por determinado tipo de aparelho, implica a efectivação de uma medição metrológica por recurso a instrumentos tecnológicos e tal medição entra em linha de conta com diversas variáveis.
XIII. Além disso, a utilização dos aparelhos têm que obedecer a determinadas condições, por forma a garantir a fiabilidade de um alcoolímetro.
XIV. Pois que se o mesmo não obedecer a essas mesmas condições, não se pode ter por fiável o grau de alcoolemia indicado por tal alcoolímetro, como é o caso de quando utilizado em controlos ocorridos em momento posterior ao prazo máximo estabelecido para renovação da necessária verificação periódica, ou seja, a medição efectuada por esse alcoolímetro não serve como prova.
XV. Com efeito, os elementos de prova sustentados pelo Tribunal a quo não permitem a validação, a prova de uma concreta taxa de álcool no sangue, são manifestamente insuficientes.
XVI. Ou seja, a concreta taxa de alcoolemia atribuída ao Réu não poderá resultar da prova testemunhal ou por referência a teor de uma participação de acidente, mas de um exame feito por uma máquina que acusou um dado resultado, ou de um exame toxicológico onde ateste a concreta quantidade de álcool por litro de sangue que um determinado indivíduo tinha.
XVII. Acresce que nem se poderá considerar o depoimento do qual se socorre o Tribunal a quo, quando apenas e tão só, confrontado com a Participação de Acidente, confirma ser da sua autoria, pese embora nada se lembre da dinâmica do acidente e dos seus intervenientes, e à questão colocada pela IM da Autora : “E é o Senhor que também faz o teste do álcool após o acidente aos vários condutores e verificou isto que descreveu aqui na descrição do acidente? A testemunha apenas respondeu: “Sim”. (depoimento prestado no dia 02/12/2022; registo áudio do depoimento no sistema de suporte digital do Habilus Media Studio com início 10h:04m:27s às 10h:10m:30s; ao minuto 06:12 a 06:36).
XVIII. Ou seja, a concreta taxa de alcoolemia atribuída ao Réu não poderá resultar da prova testemunhal ou por referência a teor de uma participação de acidente, mas de um exame feito por uma máquina que acusou um dado resultado, ou de um exame toxicológico onde ateste a concreta quantidade de álcool por litro de sangue que um determinado indivíduo tinha.
XIX. Em suma, entende o Ministério Público que o Tribunal a quo não poderia dar como provada a quantificação do teor de álcool apenas por referência ao que foi consignado na Participação na Participação do Acidente, mesmo conjugado com o “sim” da testemunha.
XX. Tinha que constar dos autos a prova exigida para a verificação desse facto, o relatório toxicológico ou, in casu, a certidão da contra-ordenação com todos os elementos de prova para o efeito – talão do alcoolímetro e certificado de verificação do alcoolímetro.
XXI. A prova da quantificação do teor de álcool no sangue não pode ser feita por referência ao que o Agente fez constar na Participação do Acidente. O Tribunal a quo tinha que confirmar tal quantificação através do talão expedido pelo alcoolímetro e/ou demais elementos de prova já mencionados.
XXII. Para que o Tribunal a quo pudesse dar como provada a concreta quantificação da taxa de álcool no sangue, importava, pois, que os autos contivessem elementos probatórios de que foram assegurados e cumpridos todos os formalismos legalmente exigidos no que tange ao exame de quantificação de álcool no sangue, nos termos do artigo 2.º, n.º 1; artigo 3.º e artigo 14.º, todos do Regulamento de Fiscalização da Condução sob a influência do álcool ou de substâncias psicotrópicas, aprovado pela Lei n.º 18/2007, de 17 de maio.
XXIII. Com efeito, impugna-se da matéria dada como assente, o segmento constante do ponto 12, a quantificação da taxa de álcool.
XXIV. Não só, mas também na decorrência do que antecede, discorda ainda o Ministério
Público da subsunção dos factos efectuada pelo Tribunal a quo ao Direito, concretamente ao direito de regresso, previsto nos termos do artigo 27.º, n.º 1, alínea c) do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto.
XXV. Em face do mencionado normativo, exercendo a Autora o direito de regresso, competia-lhe alegar e provar que satisfez a indemnização, que o condutor deu culposamente causa ao acidente e que conduzia com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida.
XXVI. Como um dos pressupostos do direito de regresso depende, em relação ao álcool, do facto de o condutor estar a conduzir com uma taxa de alcoolémia superior à legalmente admitida, cf. artigo 27.º, n.º 1, alínea c) do Decreto-Lei n.º 291/2007 de 21 de agosto, sendo que de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 81.º, do Código da Estrada, considera-se sob influência de álcool o condutor que apresente uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 0,5 g/l ou que, após exame realizado nos termos previstos no presente Código e legislação complementar, seja como tal considerado em relatório médico, significa que não basta ao Réu ser detectado álcool no sangue, exige uma certa quantificação, pelo que se infere que quanto à quantidade de taxa de álcool no sangue estamos perante prova vinculada.
XXVII. Da factualidade dada como assente, ou seja, dos factos constantes do ponto 12- O réu foi sujeito ao teste de pesquisa de álcool no sangue, tendo acusado uma TAS de 0,84 g/l e foi conduzido pela PSP à Divisão de Trânsito
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