Acórdão nº 19496/19.0T8SNT.L1-8 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-01-12

Ano2023
Número Acordão19496/19.0T8SNT.L1-8
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa

Na presente ação declarativa que Município … move contra P… e J…, o A. interpôs recurso da sentença pela qual a ação foi julgada improcedente e as RR. foram absolvidas dos pedidos contra si deduzidos, a saber:
- seja declarado o direito de preferência do A. sobre a fração autónoma L do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº …;
- seja a R. J… condenada a proceder ao cancelamento da inscrição predial a seu favor;
- seja a R. P... condenada a celebrar com o A. a escritura pública de compra e venda daquela fração.
Na alegação de recurso, a recorrente formulou as seguintes conclusões:
«1. O Tribunal a quo andou mal e errou ao ter considerado demonstrada a matéria constante dos pontos b, c e d dos factos provados.
2. O imóvel em causa nos presentes autos encontrava-se inserido na Área de Reabilitação Urbana Simples de …, de acordo com o aviso n.º 7881/2019 de 7 de Maio publicado no Diário da República (Cfr. Documento. n.112), o que conferia ao aqui recorrente, na qualidade de entidade gestora da operação de reabilitação urbana, a possibilidade de exercer o direito de preferência.
3. No seguimento dos objetivos delineados no documento de delimitação e concretização da ARU (Área de reabilitação urbana), o Recorrente concebeu um projeto de arrendamento jovem, e com o propósito de prosseguir tal projeto, após Relatório de Avaliação realizado pela Comissão de Avaliação do Autor (R. de Avaliação - SM - …), o Exmo. Senhor Presidente da Câmara, através de despacho de 28-06-2019 exarado nesse mesmo relatório, decidiu exercer o seu Direito de Preferência, sobre a mencionada fração. (Cfr. Documento nº 3).
4. No dia 01-07-2019, o Autor procedeu à emissão de uma certidão a confirmar o exercício do Direito de preferência, (Cfr. Documento. Nº 4), a qual foi emitida pela Divisão de Assuntos Administrativos e contratualização (DAAC) e remetida para o Gabinete de Apoio ao Munícipe (GAMQ) a 03.07.2019.
5. Do documento n.º 5 resulta que o Recorrente remeteu um e-mail para a 1ª R. dando--lhe conta de que a aludida certidão se encontrava pronta para ser levantada, e do documento n.º 6 resulta que, posteriormente, o Autor voltou a enviar novo e-mail a reiterar o pedido de contacto, todavia a 1ª R. nunca respondeu aos e-mails, nem procedeu ao levantamento da certidão.
6. Através do documento n.º 17, dúvidas não existem de que, em setembro de 2019, através da consulta de uma Certidão de Registo Predial, o Autor tomou conhecimento da celebração de escritura entre a 1.ª e a 2.ª Rés, outorgada no dia 04-07-2019, ou seja, no exato dia em que a comunicação para levantamento da certidão foi remetida para a 1ª R.
9. O Autor não teve qualquer conhecimento prévio sobre a concretização da venda, considerando, até consulta da Certidão do Registo Predial, que a proprietária iria proceder ao levantamento da Certidão e, consequentemente, agendar a escritura de compra e venda materializando, desta forma, o Direito do Autor de exercer a preferência na venda.
10. A alienação, nos termos em que se concretizou, padeceu de vícios, impossibilitando o exercício do direito do Autor, e evidenciando o total incumprimento de prazos, para determinação e comunicação da vontade do beneficiário do Direito em apreciação.
11. Um dos princípios basilares do processo civil quanto à prova, senão mesmo o fundamental, é o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 607.º n.º 5 do Código de Processo Civil, nos termos do qual, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador.
12. Resulta do n.º 4 do preceito legal atrás referido, que a fundamentação da sentença contém uma exposição dos factos que o Juiz julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, tomando ainda o Juiz em consideração os factos que foram admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras da experiência.
13. A decisão do Juiz deve, assim, ser devidamente fundamentada, e proferida segundo um critério legal, isto é, o julgamento segundo a sua livre convicção.
14. No recurso em matéria de facto, cabe saber se a convicção expressa pelo Tribunal “a quo” tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova (com os demais elementos existentes no processo) pode exibir perante si, já que o recurso não se destina a um novo julgamento, mas constitui apenas um eventual remédio para os defeitos do julgamento em primeira instância.
15. Ora, no caso concreto, conforme se demonstrará infra verificou-se uma violação do princípio da livre apreciação da prova, na medida em que, da leitura da sentença recorrida resulta que o Tribunal não construiu a sua convicção perante todas as provas constantes dos autos e as produzidas na audiência.
16. Entende o recorrente que o tribunal a quo, não conjugou a prova testemunhal com a vasta prova documental existente nos autos, e que não foi impugnada de nenhuma forma.
17. A prova produzida impunha, desde logo que o Tribunal a quo tivesse dado como provada a matéria constante no ponto C, ou seja, tivesse considerado provado que o A. não comunicou à 1ª R. da sua intenção de exercer o direito de preferência na compra da predita fração e que no seguimento dos objetivos delineados no documento de delimitação e concretização da referida área de reabilitação urbana concebeu um projeto de arrendamento jovem e foi com o propósito de prosseguir tal projeto que o Presidente da Câmara Municipal … decidiu preferir.
18. Pois, além da prova documental constante dos autos, os depoimentos prestados pelas testemunhas A… (00:00:05:9 a 00:01:56.3, 00:01:59.7 a 00:03:26.7, 00:06:15.3 a 00:09:33.5, 00:10:13.7 a 00:16:11.4), e M…, (00:01:48.8 a 00:03:24.2) impunham que os factos vertidos no ponto c) fossem considerados provados.
19. O depoimento das testemunhas M… - (00:01:53.2 a 00:14:22.7) e A… (00:01:59.9 a 00:39:23.1), além de imporem uma decisão diferente quanto ao ponto C) dos factos não provados, impunha igualmente que o ponto D) elencado como não provado fosse julgado demonstrado – (00:01:53.2 a 00:14:22.7).
20. Perante os depoimentos acima identificados, e a prova documental carreada para os autos, é manifesto que o Tribunal a quo andou mal, ao ter julgado não provada tal matéria, pois resulta claro que o A. comunicou à 1ª R., pela mesma via do pedido (Balcão do Munícipe), da sua intenção de exercer o direito de preferência na compra da fração, e que no seguimento dos objetivos delineados do documento de delimitação e concretização da referida área de reabilitação urbana concebeu um projeto de arrendamento jovem e foi com o propósito de prosseguir tal projeto que o Presidente da Câmara Municipal… decidiu preferir.
21. Além de ter cometido erros quanto a apreciação da matéria de facto, entende o Recorrente que o Tribunal a quo andou igualmente mal quanto à apreciação e aplicação da matéria de direito.
22. O Direito de preferência previsto nos artigos 58º do decreto-lei 307/2009 e 155.Q do Decreto-lei 80/2015, consagra-se como um regime especial cujo principal objetivo consiste na proteção e salvaguarda do interesse público.
24. Com efeito, nos termos do disposto no artigo 58.º do DL 307/2009, a entidade gestora tem preferência nas transmissões a título oneroso, entre particulares, de terrenos, edifícios ou frações situadas em área de reabilitação urbana.
25. Nos termos do disposto no artigo 155º do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, os municípios têm o direito de exercer preferência nas transmissões de prédios, realizadas ao abrigo do direito privado e a título oneroso, no âmbito de execução de planos de pormenor ou de unidades de execução, designadamente para reabilitação, regeneração ou restruturação da propriedade.
26. No caso em apreço, o proprietário original, aqui 1ª Ré, procedeu à alienação do bem imóvel com total desrespeito pelo direito de Preferência da Autora, exercido na forma prazo legais, conforme previsto no diploma 862/76 de 22 de Dezembro.
27. Em 7 de Maio de 2019 foi publicado no Diário da República, 2ª série, nº 87, o aviso nº 7881/20019 do Presidente da Câmara Municipal… tornando público que se encontra aprovada, dentre outras, a delimitação da Área de Reabilitação Urbana de …; em 14-06-2019, por escrito, a primeira R., representada por A…, apresentou ao A. documento denominado Requerimento para Informação sobre o Exercício do Direito de Preferência na Alienação de Imóveis, facultando-lhe a possibilidade de preferir na venda da sua fração autónoma identificada pela letra L, do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial …, sob o nº …, informando que o preço era de 80.000,00€; o prédio onde se situa a fração em causa nos autos encontra-se situado na Área de Reabilitação Urbana de… delimitada pelo aviso.
28. Foi elaborado pela Comissão de Avaliação da Câmara Municipal… relatório de avaliação da fração em causa em 24-06-2019, tendo-lhe sido atribuído o valor de mercado de 105.000,00€ (cento e cinco mil euros).
29. Em 01-07-2019, o A. emitiu certidão onde refere que face aos elementos existentes neste Município e ao aviso referido em foi decidido exercer o direito de preferência sobre a predita fração, a qual foi remetida ao Gabinete do Munícipe.
30. Em 04-07-2019, pelas 10 horas, a primeira R. vendeu à segunda, pelo preço de 80.000,00€ a referida fração autónoma.
31. Em 04-07-2019, foi inscrita, na descrição da aludida fração, a aquisição da mesma a favor da segunda R. por compra à primeira.
32. Em 04-07-2019, pelas 9 horas e 58 minutos, via email, o A. informou a primeira
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