Acórdão nº 19231/19.3T8LSB.L1-6 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-01-26

Data de Julgamento26 Janeiro 2023
Ano2023
Número Acordão19231/19.3T8LSB.L1-6
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório:
M…, propôs a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra P…, ambos identificados nos autos, pedindo a condenação deste a pagar à Autora o crédito que esta detém sobre o mesmo no valor de €30.800,00 (trinta mil e oitocentos euros), a título de benfeitorias necessárias realizadas no imóvel, valor ao qual acrescem os respectivos juros de mora, à taxa legal, a partir da data da citação até integral e efectivo pagamento; mais pede que seja declarado que assiste à Autora o Direito de Retenção sobre o imóvel cuja entrega foi peticionada pelo Réu, em sede da acção executiva para entrega de coisa certa, pelo mesmo intentada, a saber, a Fracção autónoma destinada à habitação, designada pela letra “G”, correspondente ao 3.º andar esquerdo do prédio urbano sito na Rua …, freguesia …,concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o art.º … da freguesia do … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.º …”, enquanto não for satisfeito o valor do seu crédito.
Para o efeito, e em súmula, alega ser titular de um direito de crédito (que quantifica) sobre o Réu, a título de benfeitorias realizadas no locado, e que face a tal direito, lhe assiste um outro direito, o de reter aquele locado, até o crédito estar pago. Citado, o Réu contestou, excepcionando o caso julgado, impugnando os factos e pedindo a condenação da Ré como litigante de má fé. Conclui pela improcedência da acção.
A Autora respondeu à alegada excepção dizendo que não se verifica a tríplice identidade de sujeitos, de pedidos e de causas de pedir, falhando estas últimas, pois entende que na acção anterior a ré, ora Autora, defendeu-se por impugnação e por excepção, tendo nesta sede, arguido a existência de duas Excepções Peremptórias, a saber, a Excepção Peremptória do Abuso de Direito e a Excepção Peremptória do Direito de Retenção, e só subsidiariamente deduziu pedido reconvencional mas apenas relativo ao valor das benfeitorias necessárias pela mesma realizadas no imóvel onde habita há mais de 40 anos. Sendo que naquela acção se pede a condenação num valor pecuniário e nesta o reconhecimento de um crédito, sem que na anterior tenha pedido o reconhecimento do direito de retenção, pedido que formula nesta, pelo que pugna ainda pela inexistência de identidade de pedido e de causa de pedir, com a consequente improcedência da excepção.
Dispensada justificadamente a audiência prévia foi julgada procedente a excepção de caso julgado e absolvido o réu da instância, tendo ainda a Autora sido condenada em multa, por litigância da má fé.
Inconformada veio a Autora recorrer, pugnando pelo provimento do recurso e por via dele: a) Ser proferido douto Acórdão que declare o Saneador-Sentença proferido nulo e de nenhum efeito, por força do disposto na al. c) do n.º 1 do art.º 615º do Código de Processo Civil; Ou caso assim não se entenda, o que apenas por mera cautela de patrocínio se equaciona,
b) Ser proferido douto Acórdão que revogue o Saneador-Sentença proferido e determine o prosseguimento dos autos;
Ou caso assim não se entenda, o que apenas por mera cautela de patrocínio se equaciona,
c) Ser revogado parcialmente o Saneador-Sentença proferido, no que respeita à condenação da ora Recorrente, M…, por litigância de má-fé;
Ou caso assim não se entenda, o que apenas por mera cautela de patrocínio se equaciona,
d) Ser reduzido o montante da multa aplicado à Recorrente, a título de litigância de má-fé, considerando a sua situação económica e as repercussões de tal condenação na sua esfera patrimonial.
Formulou para tanto, as seguintes conclusões:
« I. Vem o presente recurso interposto do Saneador-Sentença proferido pelo Tribunal «a quo» no âmbito da Acção Declarativa de Processo Comum, intentada pela Autora, ora Recorrente M… contra o Réu, ora Recorrido, P…, o qual julgou procedente a excepção dilatória de caso julgado, em consequência, do que absolveu o Réu da instância,
II. Condenando ainda a Autora, por litigância de má-fé, na multa de 10 (dez) UC, nos termos dos artigos 542.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e d) do Código de Processo Civil e artigo 27.º, n.º 3 do Regulamento das Custas Processuais.
III. Não se conforma a Recorrente M… com tal decisão, por considerar que na parte em que julgou o Tribunal “a quo” procedente a excepção de caso julgado, padece a decisão recorrida do Vicio de ambiguidade que a torna ininteligível,
IV. E que constitui causa de Nulidade da mesma.
V. Com efeito, e com base nos factos dados como provados, e após debruçar-se sobre o instituto do caso julgado material, na sua dupla vertente, a do caso julgado e a da autoridade do caso julgado, concluiu o Tribunal que no caso dos autos, e ao contrário do que sustenta a Recorrente, existe identidade de sujeitos, mas também identidade de pedido e de causas de pedir.
VI. Ou seja, que se verifica a tríplice de sujeitos, pedidos e causas de pedir, enunciada no art.º 581.º do Código Processo Civil.
VII. Mas apesar disso, não conclui a sentença recorrida, pela existência do instituto do caso julgado material, na perspectiva de caso julgado propriamente dito, e que seria o corolário lógico da fundamentação constante da decisão de que ora se recorre, considerando antes, que a situação dos autos configura uma excepção dilatória de autoridade de caso julgado.
VIII. O que torna a decisão ambígua, dado que estamos a falar de dois conceitos jurídicos diversos, assim como diversos e distintos são os seus fundamentos.
IX. Ambiguidade não se fica por aqui, já que quer na parte final da fundamentação da decisão recorrida, quer no decisório do Saneador-Sentença, o Juiz “a quo” limita-se a dizer que julga procedente a excepção dilatória de caso julgado”, sem mais nada especificar,
X. E sem fazer qualquer referência, à figura da autoridade de caso julgado.
XI. A dúvida acentua-se, portanto: o Tribunal “a quo” julgou procedente a excepção dilatória de caso julgado “strictu sensu” ou julgou, antes, procedente, a excepção dilatória de caso julgado, na vertente de autoridade de caso julgado?
XII. A questão não é despicienda, nem destituída de relevância, nomeadamente, para a parte vencida, no caso, a Recorrente M…, porque tratando-se de figuras distintas e com pressupostos diversos, o seu direito de impugnar a decisão em causa, a qual deu por verificada a excepção de caso julgado, assentará naturalmente em fundamentação diversa, caso a decisão recorrida, o que não se alcança, tenha concluído pela existência de uma ou de ou de outra.
XIII. Ambiguidade que a lei sanciona com o vicio da nulidade, nos termos expressamente previstos, na segunda parte da alínea c), do n.º 1 do art.º 615.º CPC.
XIV. Sem prescindir, e caso assim não se entenda, sempre se diga, que enferma ainda a decisão recorrida de erro de julgamento no que respeita à matéria de Direito, porquanto realizou o Tribunal “a quo” uma errada qualificação jurídica dos factos dados como provados, face à previsão das normas constantes dos art.ºs 580.º e 581.º do CPC, ao considerar, como considerou, que existe entre o caso dos autos e acção supra identificada e já transitada em julgado, identidade de sujeitos, pedidos e causas de pedir,
XV. O que não sucede, e ao considerar que, se mostra ainda configurada a excepção dilatória de autoridade de caso julgado.
XVI. Desde logo, porque inexiste entre as duas acções identidade de pedidos e identidade de causas de pedir,
XVII. Do que também decorre, não ser possível afirmar-se que a situação dos autos, como o faz a decisão recorrida configura uma situação de autoridade de caso julgado.
XVIII. Desde logo, porque o objecto processual da acção anterior, supra identificada e já transitada em julgado, não constitui condição para apreciação do objecto processual posterior, ou seja, do “thema decidendum” dos presentes autos,
XIX. Assim, mal andou o Tribunal “a quo”, quando concluiu pela procedência da excepção dilatória de caso julgado,
XX. Tendo, ao assim decidir, efectuado uma errada subsunção e integração dos factos dados como provados, os quais integrou nos normativos legais citados, incorrendo, assim, em manifesto erro de julgamento.
XXI. E mal andou ainda o Tribunal “a quo” quando condenou a Autora, ora Recorrente M… numa multa de 10 UC, por ter concluído ter a mesma litigado nos presentes autos, de má-fé.
XXII. Com efeito não é verdade, que litigue a Recorrente nos presentes autos com má-fé, desde logo, porque a pretensão que deduziu nestes autos, não é a mesma que deduziu, em sede de reconvenção, na acção anterior já transitada em julgado,
XXIII. Pelo que não é pelo facto da decisão final aí proferida, e que julgou improcedente a reconvenção, ter transitado em julgado, que se impunha que desistisse da pretensão que formulou nos presentes autos.
XXIV. A fundamentação da decisão recorrida, nesta sede, parte de um pressuposto, que não se aceita e que expressamente se impugna: o de que o objecto dos presentes autos e o objecto da reconvenção deduzida e julgada improcedente na primeira acção, são idênticos.
XXV. Entendimento do qual não se sufraga, como se deixou aliás, supra exposto no Ponto II., B.
XXVI. Nos presentes autos, limitou-se, assim, a Recorrente ...a expor os factos em que assenta a sua pretensão, e a interpretar a lei em conformidade.
XXVII. Ou seja, a expor os factos, e a fazer o enquadramento legal dos mesmos, concluindo pela formulação dos pedidos correspondente, com base no Direito de Retenção que vem exercer, de forma legitima, por via da presente acção.
XXVIII. Pelo que também nesta parte, deverá o Saneador-Sentença proferido pelo Tribunal de 1.ª instância ser revogado.
XXIX. Caso este Tribunal, assim não o entenda, deverá ser reduzido o montante da multa aplicada à Recorrente, e que se reputa de excessiva, considerando a sua idade avançada e que vive
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