Acórdão nº 190/20.6T9SEI.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2022-10-26

Ano2022
Número Acordão190/20.6T9SEI.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (GUARDA (COMPETÊNCIA GENÉRICA DE SEIA – JUIZ 2))

Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – RELATÓRIO:

Nos autos de processo comum (tribunal singular) supra referenciados, que correram termos pelo Juízo de Competência Genérica de Seia – Juiz 2, após julgamento com documentação da prova produzida em audiência foi proferida sentença em que se decidiu:

(...)

a) Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material, sob a forma consumada, de um crime de maus tratos a animais de companhia previsto e punido pelo artigo 387.º n.º 3 e 388.º- A n.º 1, alínea a) do Código Penal, na sua actual redacção, na pena [principal] de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de 5,00€ (cinco euros), perfazendo a quantia de 450,00€ (quatrocentos e cinquenta euros) e na pena acessória de privação do direito de detenção de animais de companhia pelo período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses;

b) Condenar o arguido nas custas criminais do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC, sem prejuízo do apoio judiciário de que o mesmo possa beneficiar.

c) Declarar perdidos a favor do estado os animais apreendidos, devendo, após trânsito, diligenciar-se pelo seu encaminhamento para futura adopção, caso esta se mostre possível / viável.

(…)

Inconformado com o decidido recorre o arguido, retirando da motivação do recurso as seguintes conclusões:

1- Vem o presente recurso interposto da decisão que condenou o arguido recorrente pela prática de um crime de maus tratos a animais de companhia previsto e punido pelo artigo 387.º n.º 3 e 388.º- A n.º 1, alínea a) do Código Penal, na sua actual redacção, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de 5,00€, perfazendo a quantia de 450,00€, e, na pena acessória de privação do direito de detenção de animais de companhia pelo período de 2 anos e 6 meses, bem como, declarar perdidos a favor do estado os animais apreendidos, devendo, após trânsito, diligenciar-se pelo seu encaminhamento para futura adopção, caso esta se mostre possível / viável, não se conformando com o decidido, vem interpor recurso nos termos e com as motivações que se seguem, por não ter cometido o crime pelo qual vinha acusado.

2- Com efeito, o Tribunal Recorrido não valorou o depoimento do arguido, e, muito menos, das testemunhas inquiridas, antes se baseando nos factos descritos na acusação, sem comprovação dos mesmos em audiência.

3- Entendemos que dos meios probatórios produzidos em julgamento, resulta inequivocamente que o arguido não praticou tal crime, existindo erro notório na apreciação da prova e erro na valoração dessa prova.

4- No caso concreto, o Tribunal formou a sua convicção conjugando e entrecruzando os vários meios de prova, cuja motivação, com o devido respeito, não se concorda.

5- Não é verdade, nem resultou demonstrado, que o arguido AA não proporcionava quaisquer condições de higiene ou salubridade.

6- Também não corresponde à realidade que não procedesse à limpeza devida do espaço, sem efectuar o seu arejamento diário e sem remover lixos ou outros animais mortos, já em decomposição.

7- Por consequência, carece de demonstração que os canídeos conviviam habitualmente com lixo, dejectos, urina e ácaros.

8- Os animais não estavam fechados no interior da habitação, pois tinham acesso à varanda da habitação, bem como ao exterior, diga-se quintal, sendo que alguns deles eram levados ao exterior da habitação, em passeios higiénicos, ainda que apenas alguns deles.

9- Ficou ainda demonstrado que alguns dos cães em poder do arguido foram sujeitos a desparasitação, embora nem todos tenham sido submetidos a outros tratamentos veterinários.

10- Os cães em poder do arguido não foram sujeitos à vacinação anti-rábica, mas parte deles foram submetidos a outro tipo vacinação que o arguido entendeu necessária e que podia proporcionar.

11- É verdade que no dia 29 de Dezembro de 2020, na sequência de buscas domiciliárias realizadas foram apreendidos no interior da residência do arguido, 25 canídeos de raça indeterminada vivos, com idades compreendidas entre os 5 meses e os 9 anos.

12- Contudo, existiam apenas 3 cadáveres de canídeos de raça indeterminada, em estado de putrefacção e não 5, como erradamente se faz alusão na decisão recorrida.

13- De entre os animais apreendidos, apenas 2 cães apresentavam problemas dermatológicos provocados pelos ácaros, que lhes provocaram sarna e originaram a queda do pêlo, prurido, desconforto e feridas, refira-se, num universo de 25.

14- Nunca tendo sido referido, em momento algum em sede de julgamento, que tenha sido necessário administrar o medicamento injectável “Ivermectina” para melhorar o seu estado de saúde geral.

15- Também não resultou demonstrado que a doença apresentada por estes canídeos tenha sido provocada pela actuação do arguido, ao não proporcionar condições de higiene e de saúde aos animais que viviam no interior da sua residência, que igualmente não se demonstrou, antes pelo contrário.

16- Assim como não se demonstrou que o arguido sabia, ou tinha consciência, que a sua conduta provocava dor e sofrimento aos seus animais de companhia e, não obstante, não se absteve de actuar da forma descrita.

17- A testemunha BB, declarou, conforme prova documental e testemunhal, que os animais apreendidos não apresentavam marcas de agressões físicas, nem indícios de violência, ainda nas suas declarações, referiu que apenas dois animais apresentavam problemas dermatológicos graves e, em momento algum, entrou na habitação do arguido e no local onde se encontravam os animais, referindo que o arguido pediu medicação desparasitante, às quartas feiras, enquanto veterinário municipal ao serviço do município, não tendo dúvidas que o arguido nutria grande afecto pelos animais e vice-versa e, por fim, que enquanto veterinário não conseguiu determinar a morte dos animais, diga-se 3 e não 5, aliás isso mesmo resulta do relatório fotográfico e das declarações do arguido, estando os animais, em termos gerais bem.

18- CC, delegada de saúde, refere que houve queixas de barulho e mau cheiro, mas nunca presenciou nenhum dos factos descritos na acusação, pois nunca entrou na habitação do arguido ou visualizou qualquer cão dentro ou fora da mesma.

19- BB, vizinho, declara saber da existência de muitos cães, pelo ladrar, mau cheiro, mas também nunca entrou na habitação do arguido para poder constatar o que quer que fosse, declarando, contudo, que nunca notou que o arguido se tenha ausentado da habitação a não ser no horário laboral e que o arguido fazia a limpeza de manhã da habitação, indo à fonte buscar água para o efeito, passeando na rua alguns dos cães.

20- DD, presidente da junta de freguesia, nada presenciou, nem conseguiu identificar o cheiro que se fazia sentir nas imediações da habitação do arguido aquando da deslocação ao local, pois nunca lá entrou ou presenciou a presença de qualquer cão na habitação daquele, pois de facto, apenas sabia da existência de 1 ou 2 cães, um por estar várias vezes num local público, escola primária de ..., localidade da habitação do arguido, e outro por o ver a passear com o arguido na via pública.

21- EE, GNR, acompanhou a busca e apreensão dos animais, mas não chegou a entrar na habitação do arguido, confirmando unicamente o registo fotográfico dos cães efectuado por outro colega, lembrando-se que o arguido apenas lamentava, dizendo “os meus cães”.

22- FF, GNR, verificou se os animais tinham chip, fotografando um a um, recorda-se de existir humidade, urina sujidade na habitação, havendo dejectos e que alguns animais teriam sarna.

23- GG, vizinha do arguido, declarou que o arguido fazia a limpeza da casa todos os dias, com água da fonte, arejava a casa, levava ração para os animais diariamente, inclusivamente o seu marido chegou também a fazê-lo, passeava cães na rua, via muitas vezes animais varanda, declarando que o arguido via os cães como filhos.

24- O arguido, por sua vez, declarou que apenas estavam 3 cães mortos e que quando constatou tal facto não teve coragem de os retirar do local, eram cães novos, com poucos meses, uns fruto de agressões de outros cães mais velhos e outros por motivo de doença súbita, morrendo de imediato sem que nada pudesse fazer para os salvar, fazia a limpeza da habitação com lixívia, diariamente, com água da fonte, limpando a urina e os dejectos dos animais, que os mesmos tinham acesso à varanda e ao quintal, sendo que abria as janelas para arejamento da casa, sendo que alguns dos animais estavam separados, para evitar conflitos entre eles, tendo pedido auxílio ao veterinário do município, o qual nem sempre lhe foi concedido, alguns dos cães foram efectivamente vacinados, conforme boletins juntos aos autos, entendendo que algumas das vacinas, entendidas como necessárias, são desaconselháveis ao bem estar dos animais, bem como os chip´s, deslocava-se quase todos os dias aos hipermercados de ... para levar ração aos animais, nunca tendo ficado privados de alimentação, ainda que muitas vezes não tivesse sequer dinheiro para se alimentar a si próprio, tendo grande afecto pelos animais e sempre os tratou da forma que entendeu melhor e dentro das suas condições pessoais e económicas - Na realidade, dentro desse circunstancialismo, quem faria melhor(?!).

25- Veja-se que o arguido não tem antecedentes criminais registados, encontra-se desempregado, realizando alguns trabalhos agrícolas sazonais, cerca de três meses por ano, dos quais retira a quantia média mensal de 550,00€, é actualmente beneficiário do Rendimento Social de Inserção, no montante mensal de 190,00€, e tem apenas o 1º ano de escolaridade.

26- Entende-se pois ter existido erro no julgamento da matéria de facto, porquanto foram dados como provados factos não suportados na prova produzida e dados como não provados outros, que com assento nessa prova, deveriam ter sido dados como provados e não provados, o que viola o disposto nos art.ºs 97.º, n.º 5 e 374.º, n.º 2, do Código de...

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