Acórdão nº 184/21.4YUSTR.L1-PICRS de Tribunal da Relação de Lisboa, 07-04-2022

Data de Julgamento07 Abril 2022
Ano2022
Número Acordão184/21.4YUSTR.L1-PICRS
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam em conferência, na Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão, do Tribunal da Relação de Lisboa



1.–A visada/recorrente, veio interpor o presente recurso da decisão judicial proferida em 13.11.2021, pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, que julgou improcedente o recurso interposto da decisão administrativa interlocutória de tratamento de informação identificada como confidencial nos documentos apreendidos comunicada por ofício com a referência S-AdC/2021/1663, de 25.06.2021, proferida pela autoridade da concorrência, em processo de contraordenação instaurado por infracção ao artigo 9.º da Lei 19/2012 (Regime Jurídico da Concorrência ou RJC), contra sete empresas e/ou grupos de empresas visadas, entre as quais a Securitas, aqui recorrente.

2.–No presente recurso, a recorrente Securitas, formula o seguinte pedido:

“(...) deve o presente recurso ser considerado procedente e a Decisão recorrida revogada, devendo a mesma ser substituída por outra que, reconhecendo as confidencialidades suscitadas pela ora Recorrente, determine sejam os dados tratados enquanto tal desde a data de prolação da Decisão da AdC.

3.–A recorrente invoca, em síntese, os seguintes argumentos, vertidos nas conclusões do recurso:
  • Omissão de pronúncia da decisão recorrida sobre várias questões relativas ao tratamento conferido aos dados pessoais, nomeadamente, dados médicos, dados patrimoniais e financeiros, o que acarreta a nulidade da decisão à luz dos artigos 205.º n.º 1 da CRP (Constituição da República Portuguesa), 608.º n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC), 97.º n.º 5, 379.º n.º 1 - c) e 410.º n.º 3 do Código de Processo Penal (CPP), 74.º n.º 4 e 75.º do Regulamento Geral das Contraordenações (RGCO) e 83.º do Regime Jurídico da Concorrência (RJC);
  • Falta de fundamentação da decisão por falta absoluta de indicação dos motivos de facto e de direito que a fundamentam, o que gera a nulidade da decisão recorrida à luz do disposto nos artigos 205.º da CRP, 97.º n.º 5, 374.º n.º 2, 379.º n.º 1 - a) e 410.º, n.º 3 do CPP, 74.º n.º 4 e 75.º do RGCO e 83.º do RJC;
  • Violação do regime de protecção dos segredos de negócio de que beneficiam 27 documentos mencionados nas alegações de recurso, cujas versões não confidenciais/protecção de segredos de negócio, foram rejeitadas, referentes a
clientes privados e fornecedores
Securitas_Papel26, Securitas_Papel32, Securitas_Papel42, Securitas_Papel83, Securitas_Papel51, Securitas_Papel84, Securitas_Papel76, Securitas_Papel85, Securitas_Papel78, Securitas_Papel92, Securitas_Papel93, Securitas_Papel101, Securitas_Papel102, Securitas_Papel110, Securitas_Papel114, Securitas_Papel118 e Securitas_Papel125
prestadores de serviços jurídicos
Securitas_Papel32, Securitas_Papel43, Securitas_Papel81, Securitas_Papel94 e Securitas_Papel110
eventos internos da recorrente
Securitas_Papel115, Securitas_Papel117, Securitas_Papel120 e Securitas_Papel125
posicionamento e estratégia interna da Recorrente
Securitas-0163,
e cuja divulgação às empresas concorrentes, nomeadamente, às outras empresas visadas no presente processo sancionatório da concorrência, lhes permite conhecer informação estratégica relativa à Securitas, ora recorrente, infringindo o direito da concorrência, sendo a decisão ilegal e inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 1.º n.º 3, 5.º - f) e 6.º n.º 2 - a) dos Estatutos da AdC, 30.º n.º 1, 31.º n.º 3 e 34.º n.º 4 do RJC, 9.º do Código Civil (CC) e 2.º, 18.º, 32.º n.º 2, 61.º, 62.º e 81.º alínea f) da CRP;
  • Violação do regime de protecção do segredo profissional de advogado quanto a dois documentos indicados nas alegações de recurso – Securitas_Papel75 e Securitas_0163 – relativamente aos quais existe falta de fundamentação da decisão da AdC, que o Tribunal a quo supriu indevidamente, o que torna a decisão recorrida contrária à lei e à Constituição, por violar os artigos 30.º n.º 1 do RJC, 43.º dos Estatutos da AdC, 76.º n.ºs 1 e 2, 77.º n.ºs 1 e 2, 92.º n.ºs 1, 2 e 3 e 96.º do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA) e 20.º e 208.º da CRP;
  • Violação do regime de protecção dos dados pessoais e da reserva da intimidade da vida privada, nomeadamente
dados pessoais relativos à saúde cuja truncagem foi pedida pela recorrente, constantes de 13 documentos – Securitas_Papel32, Securitas_Papel43, Securitas_Papel53, Securitas_Papel50, Securitas_Papel54, Securitas_Papel51, Securitas_Papel58, Securitas_Papel52, Securitas_Papel65, Securitas_Papel96, Securitas_Papel98, Securitas_Papel105 e Securitas_Papel120 – contendo menções como “CUF (endo + colon)” ou “CUF Dr.João Giria”, elementos que, não consubstanciam nenhuma infracção e cuja divulgação constitui uma ingerência manifesta e desproporcionada na reserva da intimidade da vida privada das pessoas singulares em causa,
dados pessoais relativos à situação patrimonial e financeira de pessoas singulares, cuja truncagem foi pedida pela recorrente nos documentos Securitas_Papel92, Securitas_Papel116, Securitas_Papel118 e Securitas_Papel53, que contêm nomeadamente, informações sobre visitas a imóveis (Securitas_Papel116) e sobre a contração de empréstimos bancários (Securitas_Papel118), que permitem conhecer aspetos financeiros e patrimoniais concretos da vida privada e da rotina de determinadas pessoas singulares, sem relevo para o processo,
dados que consubstanciam nomes, cargos ou funções de pessoas singulares, constantes de 18 documentos, cujas versões não confidenciais foram indeferidas – Securitas_Papel2, Securitas_Papel6, Securitas_Papel7, Securitas_Papel8, Securitas_Papel14, Securitas_Papel18, Securitas_Papel11, Securitas_Papel15, Securitas_Papel19, Securitas_Papel12, Securitas_Papel16, Securitas_Papel20, Securitas_Papel13, Securitas_Papel17, Securitas_Papel21, Securitas_Papel22, Securitas_Papel23 e Securitas_Papel24 – e cuja divulgação comporta riscos discriminatórios para concretas pessoas singulares, por ficarem para sempre associadas a um processo contraordenacional de concorrência, consultável por qualquer interessado, se não virem os seus nomes protegidos, violando, assim, a decisão recorrida o disposto nos artigos 5.º e 9.º do Regulamento (EU) 2016/679 (RGPD), 18.º do Código de Processo Administrativo (CPA), 18.º n.º 2, 20.º, 26.º n.º 1 e 35.º n.º 1 da CRP, 7.º , 8.º e 52.º n.º 1 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (Carta) e 8.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH).

4.–A AdC respondeu, pedindo que seja negado provimento ao recurso e concluindo, em síntese, que:
  • A sentença recorrida não tinha que pronunciar-se exaustivamente sobre todos os exemplos e aspectos de confidencialidade invocados pela recorrente, pelo que não há omissão de pronúncia, nomeadamente quanto aos dados pessoais relativos à saúde ou à situação patrimonial de pessoas singulares;
  • Não existe qualquer falta de fundamentação da sentença recorrida que impeça a compreensão da motivação e do raciocínio do Tribunal a quo;
  • Não sendo a confidencialidade dos documentos automática, impende sobre a recorrente o ónus de indicar os documentos que considera confidenciais e os respectivos fundamentos, como resulta do artigo 30.º do RJC, tendo para esse efeito a AdC informado a Securitas, com suficiente clareza e transparência, dos critérios que concorriam para a classificação de dada informação como confidencial e das razões do seu indeferimento por referência a esses critérios;
  • Para efeitos de aceitação ou não da confidencialidade, o que importa aferir é se um elemento de prova consubstancia o cometimento da infração e não se constitui um mero elemento de prova conexionado com a infração, por mais irrelevante que essa conexão possa ser;
  • O facto de determinada informação ser passível de consubstanciar o comportamento ilícito objeto de investigação é fundamento suficiente para a AdC indeferir o pedido de proteção de confidencialidade, tratando-se, quando muito, de um segredo de negócio aparente, do qual a recorrente se serve para camuflar um comportamento ilícito;
  • O disposto no artigo 33.º n.º 4 do RJC não é pertinente para a decisão do recurso pois o objecto desta norma é distinto da actividade de classificação das confidencialidades;
  • A AdC fundamentou devidamente a decisão tomada quanto aos pedidos de confidencialidade apresentados pela recorrente não existindo decisão surpresa do Tribunal a quo, que se limitou a apreciar a legalidade da decisão administrativa;
  • Não existe qualquer relação de causalidade necessária ou funcional entre o teor dos documentos alegadamente cobertos pelo segredo profissional e o exercício de actos próprios de advogados;
  • Relativamente aos dados pessoais, não sendo a informação que corporiza a infracção em investigação digna de protecção, como confidencial, também não são dignos de protecção os dados pessoais alusivos a essa infracção;
  • As anotações manuais nas agendas apreendidas corporizam a infracção;
  • Não devem proceder os argumentos da recorrente e deve manter-se na integra a decisão recorrida.

5.–O Ministério Público respondeu, pedindo que seja negado provimento ao recurso, concluindo, em síntese, que:
  • O Tribunal a quo emitiu globalmente pronúncia sobre todas as questões relevantes, sendo o thema decidendum a interpretação e aplicação do artigo 30.º do RJC;
  • A decisão recorrida não padece dos vícios de omissão de pronúncia e falta de fundamentação.

6.–Admitido o recurso, mantido o seu efeito e corridos os vistos, nada obsta ao conhecimento do mérito.

Delimitação do âmbito do recurso

7.–Têm relevo para a decisão do recurso as seguintes questões, suscitadas nas alegações e vertidas nas conclusões:

A- Vícios decisórios: omissão de pronúncia ou falta de indicação e exame crítico das provas e insuficiência da matéria de facto provada

B-Regime aplicável aos segredos de negócio, ao segredo profissional de advogado, à protecção
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