Acórdão nº 18/22.2GCCUB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2023-03-14

Ano2023
Número Acordão18/22.2GCCUB.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora
ACORDAM OS JUÍZES QUE INTEGRAM A SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
RELATÓRIO

O arguido AA foi submetido a julgamento, no âmbito do qual foi proferida sentença com o seguinte dispositivo (na parte que interessa):

“Nos termos e pelos fundamentos supra expostos, julga-se a acusação pública parcialmente procedente e, em consequência, decide-se:

a) Absolver o arguido AA da prática, em autoria material, na forma consumada, de dois crimes de injúria agravada, previstos e punidos pelos artigos 181.º, n.º 1, 184.º e 132.º, n.º 2, alínea l), todos do Código Penal;

b) Condenar o arguido pela prática, em autoria material, na forma consumada, de dois crimes de ameaça agravada, previstos e punidos pelos artigos 153.º, n.º 1, 155.º, n.º 1, alínea c) e 132.º, n.º 2, alínea l), todos do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa, por cada um dos crimes;

c) Condenar o arguido, em cúmulo jurídico, na pena única de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de 6,00 € (seis euros), o que perfaz um montante total de 900,00 € (novecentos euros);”

Inconformado com a referida sentença, na parte em que absolveu o arguido dos crimes de injúria, dela recorreu o Ministério Público, tendo terminado a motivação de recurso com as seguintes conclusões:

“1. Foi deduzida acusação, sob forma de processo comum e perante de tribunal singular contra o arguido AA, imputando-lhe, em autoria material, na forma consumada, e em concurso efectivo, a prática de dois crimes de injúria agravada, previstos e punidos pelos artigos 181.º, n.º 1, 182.º, 184.º e 132.º, n.º 2, alínea l), todos do Código Penal, e de dois crimes de ameaça agravada, previstos e punidos pelos artigos 153.º, n.º 1, 155.º, n.º 1, alínea c) e 132.º, n.º 2, alínea l), todos do Código Penal.

2. Porém, o tribunal ad quo decidiu “Absolver o arguido AA da prática, em autoria material, na forma consumada, de dois crimes de injúria agravada, previstos e punidos pelos artigos 181.º, n.º 1, 184.º e 132.º, n.º 2, alínea l), todos do Código Penal

3. É desta parte da decisão de que se recorre, uma vez que o Ministério Público não se conforma com os fundamentos da mesma, impondo-se uma decisão diversa, no sentido de: ser dado como provado o facto 17. que constava na acusação pública e, em consequência que o facto g) seja expurgado dos factos dados como não provados; e, ser o arguido condenado pela prática dos crimes de injúria agravada pelos quais veio acusado.

4. Foram violadas pela sentença as seguintes normas: artigo 127.º do Código de Processo Penal; e artigos 181 e 184.º do Código Penal.

5. Nos termos do artigo 412.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, vem o Ministério Público, em cumprimento do seu ónus enquanto recorrente indicar:

6. Os Concretos pontos de facto que considera incorretamente como julgados [al. a)]: Ponto g), da matéria de facto dado como não provada: “O arguido sabia, ainda, que as expressões que utilizou e dirigiu aos Militares BB e CC, mencionadas nos factos n.ºs 8 e 10 (quanto à expressão “palhaços”), eram adequadas e susceptíveis de ofender, como ofenderam, a honra e a consideração não só pessoais, mas também profissionais, enquanto Militares e membros de uma força pública, em especial, no exercício das suas funções, qualidade que bem conhecia, pelo facto de aqueles se encontrarem uniformizados e em pleno exercício das suas funções e, não obstante esse conhecimento, quis proferi-las.”

7. As Concretas provas que impõem decisão diversa: [al. b)]: As regras da experiência comum – artigo 127.º do Código de Processo Penal.

8. O Ponto de facto que deveria constar na matéria dada como provada: Facto 17 da acusação: “O arguido sabia, ainda, que as expressões que utilizou e dirigiu aos Militares BB e CC, mencionadas no artigo 10.º e 12.º, eram adequadas e suscetíveis de ofender, como ofenderam, a honra e a consideração não só pessoais, mas também profissionais, enquanto Militares e membros de uma força pública, em especial, no exercício das suas funções, qualidade que bem conhecia, pelo facto de aqueles se encontrarem uniformizados e em pleno exercício das suas funções e, não obstante esse conhecimento, quis proferi-las”.

9. Em sede de sentença, quanto à motivação que levou o tribunal a dar como não provado consta a seguinte fundamentação “O facto g) deu-se como não provado, uma vez que se considera, através das declarações do próprio arguido, que o mesmo não pretendia, com as expressões “deficientes” e “palhaços”, ofender a honra e consideração dos Militares.”

10. Em suma, além de se basear nas declarações do arguido, entendeu o Tribunal que que os militares da GNR ofendidos, estão sujeitos à crítica objectiva por parte da generalidade dos cidadãos, o que leva possam ser proferidas expressões “rudes e indelicadas” contra os mesmos.

11. Atendendo ao momento de tensão e à lesão provocada no joelho do arguido, considerou o tribunal ad quo que as expressões, embora grosseiras, deveriam ser inseridas no âmbito das críticas a que as forças militarizadas estão sujeitas, especialmente, em momentos de tensão, não tendo as mesmas gravidade suficiente para preencher os elementos objectivos do tipo legal em causa.

12. Salvo o devido respeito por opinião contrária, não podemos concordar com o entendimento do tribunal, impondo-se uma decisão diversa e compatível com as regras da experiência comum, nomeadamente com o sentimento de honra da generalidade da população, com desvalor intrínseco das palavras proferidas pelo arguido aos militares da GNR e com a suscetibilidade do homem médio considerar que tais palavras dirigidas por terceiro à sua pessoa são ofensivas e uma forma de tratamento intolerável.

13. Por regras da experiência comum deverá entender-se as máximas da experiência que todo o homem de formação média conhece, sendo tal raciocínio, no caso concreto, de simples apreciação, já que as expressões utilizadas são comuns em todo o território nacional, pertencendo ao “arsenal” de insultos conhecidos pela generalidade da população.

14. Quando o arguido apelidou os militares da GNR de “deficientes”, “palhaços” e aludiu à sua cabeça como “cornos” excedeu tanto o direito à crítica que assiste aos cidadãos (in casu, ao arguido) relativamente à intervenção dos órgãos policiais bem como o “poder de encaixe” que tais membros das forças de segurança (in casu, os ofendidos) devem estar dotados, partindo para a ofensa pessoal dos ofendidos.

15. Tais palavras, na forma em que foram dirigidas, ultrapassam a mera descortesia e deselegância, não se encaixando em qualquer plano de falta de instrução e/ou educação do arguido, nem correspondendo a qualquer expressão ou vernáculo eufemístico português de menor gravidade.

16. Com a expressão “deficiente”, o arguido quis claramente colocar em causa as capacidades físicas e, sobretudo, as intelectuais dos militares da GNR, justificando a intervenção dos mesmos com um eventual défice de cognição intelectual ou de raciocínio que os levou a actuar erraticamente.

17. O arguido apelidou também os militares da GNR de “palhaços”, resultando das regras da experiência comum que tal expressão é marcadamente ofensiva, pertencendo ao leque de insultos mais gravosos e populares da língua portuguesa actual, sendo a mesma, devido à forte depreciação que acarreta, susceptível de ferir a honra de qualquer pessoa, seja ela civil ou militar.

18. Os militares da GNR não são palhaços, nem exercem qualquer profissão lúdica. São agentes do Estado dotados de autoridade pública, devendo a sua pessoa ser respeitada tanto quando estão em exercício de funções como quando estão fora de serviço.

19. Quanto à expressão “vou-te partir os cornos”, considera-se que ao arguido aludir, ainda de forma indirecta, que os militares da GNR tinham “cornos”, o mesmo incorreu além da prática de dois crimes de ameaça agravada, previsto e punido pelos artigos 153.º, n.º 1, 155.º, n.º 1, alínea a), e 132.º, n.º 2, alínea l), todos do Código Penal, também na prática dos 2 crimes de injúria agravada pelo qual foi absolvido.

20. Ser militar da GNR não significa estar sujeito ao livre escárnio da população enquanto está fardado e em exercício de funções, muito menos por parte daqueles com que os militares interagem directamente e devem fazer valer a sua autoridade.

21. Dificilmente se consegue estabelecer algum tipo de autoridade relativamente a alguém que apelida directa e presencialmente de “palhaço” o agente do Estado.

22. O exercício de funções públicas por parte dos ofendidos não pode ser justificação para a conduta do arguido, como também não poderia, aliás, caso o arguido dirigisse tais expressões a outro agente do Estado lato sensu (como por exemplo, um médico, professor, magistrado, oficial de justiça, etc).

23. Consideramos que tal interpretação do artigo 181.º do Código Penal efecutada pelo tribunal ad quo, não se compadece com a ratio legis do preceito legal, sendo de reforçar que a circunstância de praticar tal crime na pessoa de um militar da GNR é, ainda, uma agravante e não uma causa de exclusão da ilicitude atípica.

24. Laborou em erro o tribunal ad quo quando decidiu, baseando-se nas regras da experiência comum e nas declarações do arguido dar como não provado a factualidade impugnada, uma vez que tal posição é contrária a tais regras, ao entendimento do “homem médio” e ao sentimento da generalidade da população.

25. As palavras e expressões utilizadas contra os referidos militares e o tom elevado com que as mesmas foram ditas evidenciam o tom vexatório e ofensivo que não permite, de modo algum, considerar-se como socialmente adequadas – ou penalmente insignificantes - de serem reproduzidas contra figuras que representam o poder coercitivo do Estado de Direito e que fiscalizam a ordem pública.

26. É indesmentível que o arguido forçosamente queria e sabia – e não podia ignorar – que ao dirigir aos militares da GNR as expressões que dirigiu...

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