Acórdão nº 18/19.0PEVIS.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2024-02-21
Data de Julgamento | 21 Fevereiro 2024 |
Ano | 2024 |
Número Acordão | 18/19.0PEVIS.C1 |
Órgão | Tribunal da Relação de Coimbra - (COMARCA DE VISEU (JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE VISEU - JUIZ 4)) |
Adjuntos: Capitolina Fernandes rosa
Maria Fátima Sanches Calvo
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Acordam, em conferência, os Juízes da 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra
I.Relatório
1.
No âmbito do processo comum coletivo nº18/19.OPEVIS, do Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Central Criminal ... – Juiz ... foi proferido acórdão em 5/11/2020, nos termos do qual foi decidido, para além do mais:
- Absolver os arguidos da prática do crime de furto simples que lhes estava imputado;
- Condenar os arguidos AA e BB, pela prática, em coautoria, e na forma consumada, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos arts. 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, al. f) do Código Penal.
- Condenar o arguido AA, como reincidente, ao abrigo do disposto nos arts. 75.º e 76.º do Código Penal, na pena de dois anos e nove meses de prisão e a arguida BB, na pena de um ano e oito meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois anos e seis meses, ao abrigo do disposto nos arts. 50.º, 51.º, n.º 1, al. a) e 53.º do Código Penal, sob as seguintes condições:
- pagar a CC a quantia de € 700 (setecentos euros), no prazo de seis meses, a contar do trânsito em julgado da presente decisão, o que deverá comprovar nos autos;
- sujeitar-se a regime de prova a elaborar pela DGRSP;
- Condenar o arguido AA como autor material de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. p. pelo art.º 3.º, n.º 1 e n.º 2 do DL n.º 2/98 de 3 de janeiro, e como reincidente, ao abrigo do disposto nos arts. 75.º e 76.º do Código Penal, na pena de um ano e três meses de prisão;
- Em cúmulo jurídico das penas parcelares referidas, condenar o arguido, AA na pena única de três anos e três meses de prisão efetiva.
2.
Não se conformando com o decidido, veio o arguido AA interpor o presente recurso, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões (transcrição):
“I- Foi arguido AA, ora recorrente, condenado pela prática de um crime de furto qualificado , p. e p. pelos artigos 203º nº 1 e 204º nº 1 al. f) do Código Penal , como reincidente na pena de dois anos e nove meses e como autor material de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p.p. pelo artigo 3º, nº 1 e nº2 do DL nº 2 /98 de 3 de Janeiro , e como reincidente na pena de um ano e três meses de prisão, e em cúmulo jurídico das penas parcelares na pena única de três anos e três meses de prisão efectiva.
II- Com todo e o devido respeito que é muito, os factos dados como provados pelo douto Tribunal são insuficientes para fundamentar a medida das penas aplicadas ao ora recorrente.
III- O arguido foi julgado na ausência.
IV- Não constam do douto acórdão quaisquer factos referentes à personalidade e situação socioeconómica do arguido para sustentar a medida concreta da pena aplicada.
V- Não constando factos essenciais para a decisão que deviam ter sido apurados em julgamento, tanto para a escolha e determinação da medida da pena, como para a reincidência.
VI- O art..º. 71º do Código Penal no seu nº 2 determina ao julgador que deve atender, para a determinação concreta da pena, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do crime, deponham a favor e contra o agente, desde que relevantes para a culpa e a prevenção, geral e especial, como ademais decorre do n.º 1.
VII- E ainda o n.º 3 do mesmo preceito impõe que “Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena.” E ainda o n.º 3 do mesmo preceito impõe que “ Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena.”
VIII- O douto tribunal tinha o poder-dever de recorrer a outros meios probatórios para apurar as condições económicas e pessoais do arguido, no momento da pratica dos factos e atualizados ao momento mais próximo possível do acórdão.
IX- Tem maioritariamente assim a jurisprudência entendido que a nulidade decorrente da omissão do apuramento de factos relativos à situação pessoal e económica do arguido implica o reenvio do processo para novo julgamento, conforme se encontra previsto nos arts. 426º, n.º 1, e 426º-A do Código de Processo Penal.
X- Porém também pacificamente se entendido que quando a nulidade decorrente da verificação de um vício da sentença não envolve o juízo sobre a culpabilidade já efetuado nos termos do art. 368º do Código de Processo Penal, no plano dos princípios vigentes no processo penal nada obsta a que o mesmo juiz reabra a audiência para produção de prova suplementar com vista à determinação da sanção.
XI- “ Dada a importância do apuramento das condições relativas à personalidade e modo de vida do agente, o Código de Processo Penal consagrou o sistema de césure: a produção de prova na audiência de julgamento é cindida: só depois de concluir ser de aplicar no caso uma pena ou medida de segurança se produz prova ( incluindo a elaboração de relatório social) relativa à personalidade e condições pessoais do arguido, podendo reabrir a audiência para produção de prova suplementar com esse objectivo ( artigo 368º a 371º do Código de Processo penal ) “ ( Ac. Tribunal da Relação de Coimbra de 22-03-2023, in www.dgsi.pt).
XII- O douto Acordão em crise padece de vicio de insuficiência da matéria de facto provada, nos termos e para efeitos do artigo 410º nº 2 alínea a) do Código de Processo Penal.
XIII- O que impõe neste caso a reabertura da audiência de julgamento para o apuramento das condições sociais, familiares e económicas, do arguido- com audição deste para produção de prova suplementar o que se requer- , com posterior prolação de nova decisão que deverá ter em consideração os factos que se venham a provar relativos às condições de vida do arguido.
Sem Prescindir
XIV- Além do mais não pode o arguido ora recorrente conformar-se com a sua condenação como reincidente.
XV- In casu o douto Tribunal a quo fundou a convicção nos factos provados 22 a 29 como suficientes para considerar a punição a título de reincidência aplicável,
XVI- Ora, tais factos provados resultam tão só e unicamente do registo criminal do arguido, ora recorrente.
XV- A reincidência é admissível caso a acusação descreva os factos concretos dos quais se intui que o arguido não sentiu a advertência da condenação anterior. O que no entender do ora recorrente não foi feito.
XVI- Não foram apresentados em concreto, factos inerentes à personalidade do arguido e dos quais, se possa concluir, que o mesmo, não tenha interiorizado a advertência das condenações anteriores.
XVII- É na acusação, atendendo ao princípio do acusatório e do contraditório, que deveriam ter sido expostos, factos concretos e o raciocínio relativo ao pressuposto material da reincidência.
XVIII- De facto no caso concreto nem a acusação nem o acórdão condenatório justificam e explicam, fundamentos e razões, de forma a concluir que, as anteriores condenações, não serviram de advertência.
XIX- É previsto no nosso Código Processo Penal, no seu artigo 410.º a necessidade de fundamentar suficientemente a sentença no que respeita, também, a estes elementos.
XX- Concluindo pela aplicação da medida da pena – na sua natureza e medida concreta- com base em meros documentos – registo criminal e relatório social inexistente quanto ao momento da prática dos factos e posteriormente á prática dos factos - considera, com o devido respeito, enfermar a sentença de vício de insuficiência conducente à nulidade da mesma.
XXI- Não teve o douto Tribunal “a quo” em conta a linha orientadora que o Código de 1982 traça de um sistema punitivo que arranca do pensamento fundamental de que as penas devem ser sempre executadas com um sentido pedagógico e ressocializador.
XXII- E douto tribunal “a quo” não considerou o critério orientador da escolha da pena, fixada no artigo 71° e 72° do Código Penal.
XXIII- Subsiste também a insuficiência de matéria de facto para a decisão por não se verificar o pressuposto material da reincidência.
XXIV- Em face do exposto deve o arguido ser absolvido da prática do crime a título de reincidência com as legais consequências.
NESTES TERMOS e nos mais de direito, apelando ao elevadíssimo sentido de Justiça de Vossas Excelências, se requer Veneranda e Respeitosamente, se dignem conceder provimento ao presente Recurso, revogando a douta sentença recorrida e substituindo-a por outra onde se decida em conformidade com as conclusões.
Logo, dando V. Exas como darão, provimento ao Recurso, farão a costumada Justiça!”.
3.
A Exma Procuradora da República junto da primeira instância respondeu ao recurso, concluindo pela sua improcedência nos seguintes termos:
1) Não foi violada qualquer norma jurídica, nem ocorreu contradição insanável da fundamentação ou erro notório na apreciação da prova.
2) A factualidade dada como provada resultou do exame crítico do conjunto das provas produzidas e examinadas em audiência, não se verificando qualquer omissão de factos concretos sobre o pressuposto material da reincidência.
3) A decisão recorrida não merece qualquer reparo.
4.
Neste tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da parcial procedência do recurso, por, no seu entender, o acórdão recorrido padecer de uma nulidade por falta de fundamentação no que tange à aplicação do regime da reincidência.
5.
Cumprido o disposto no artigo 417º, nº2, do C.P.P., o arguido apresentou qualquer resposta ao parecer.
6.
Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419º, nº3, al. c), do diploma citado.
II. Fundamentação
A) Delimitação do objeto do recurso
Definindo-se o âmbito do recurso pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, delimitando para o tribunal superior ad quem as questões a decidir e as razões que devem ser decididas em determinado sentido, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso que eventualmente existam,...
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