Acórdão nº 179/20.5T9STS.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 19-12-2023

Data de Julgamento19 Dezembro 2023
Ano2023
Número Acordão179/20.5T9STS.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo n.º 179/20.5T9STS.P1

Acordam em conferência na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

I.
I.1
Nos autos de instrução n.º 179/20.5T9STS, a correr termos no Juízo de Instrução Criminal de Matosinhos – Juiz 3, foi em 27.06.2023 proferido despacho (Ref.ª 449807711) que, além do mais, rejeitou o requerimento de abertura da instrução apresentado pela assistente AA, por legalmente inadmissível.
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I.2
Não se conformando com o decidido veio a assistente interpor o recurso ora em apreciação referindo, em conclusões, o que a seguir se transcreve:
A- A recorrente reúne todos os pressupostos e requisitos processuais para requerer a fase processual facultativa de instrução, encontrando-se representada por advogado, tendo legitimidade e apresentando o seu requerimento atempadamente.
B- O presente recurso interposto do Douto Despacho nos autos de processo á margem identificados, indeferiu ao abrigo do disposto no artigo 287º nº 3 do Código de Processo Penal, a abertura de instrução requerida pela assistente, por constituir um dos casos de inadmissibilidade legal da instrução.
C- Ora a Recorrente não se conforma com a douta decisão proferida pelo tribunal "a quo" porquanto entende que o seu requerimento de abertura da instrução foi claro, preciso e fundamentado, não lhe podendo ser apontado qualquer erro e/ou violação da lei, nenhuma imprecisão nos factos concretos a apurar e que permitem preencher os elementos do tipo ilícito, tanto objetivos como subjetivos, bem como as respetivas razões de facto e de direito da discordância relativamente a não acusação.
D- E indicou os atos de instrução que pretendia que o Exmo. Sr. Juiz da instrução, levasse a cabo e quais os factos que esperava provar.
E- Ao rejeitar o Requerimento de Abertura de Instrução por inadmissibilidade legal da instrução o juiz na interpretação do artigo 287º nº 2 e 283º nº 3 al. b), violou os direitos e garantias fundamentais da assistente/recorrentes consagrados nos artigos 289º, 290º, 292º nº 2 do CPP, e artigo 32º da CRP.
F- Atendendo à prova testemunhal produzida nos autos, cumpre sublinhar que a versão trazida aos autos pela Assistente foi corroborada pelas diversas testemunhas apresentadas.
G- Assim sendo, como respeitosamente se entende ser, a inquirição das testemunhas BB e CC, relataram a existência de um episodio perturbador em Maio de 2019.
H- E as testemunhas DD, EE, FF, GG, HH, e II, também elencaram diversos episódios e comportamentos que se afiguram credíveis face às circunstâncias objetivas do caso.
I- Assim, salvo o devido respeito por diferente entendimento, em sede de instrução, encontra-se suficientemente indiciada a prática, pela Recorrente, de um crime de perseguição, pois o arguido de forma reiterada, isola e esvazia de funções a recorrente, consciente da condições física e psíquica da recorrente, por diversos meios de correspondência, reuniões presenciais, eventos sociais perturbando quer o seu desempenho profissional, quer o seu descanso, como se pode verificar pelos abundantes indícios que constam nos factos incluídos nos autos, retirados das diversas queixas apresentadas pela recorrente.
J- Ou seja, não há qualquer insuficiência para a matéria de facto provada pois foi demonstrada a existência de indícios suficientes pelo denunciado crime de perseguição agravada, previsto e punido pelos artigos 154º-A, n.º 1, e 155º n.º 1, als. c) e d) do CP.
K- Deste modo, a rejeição com fundamento em inadmissibilidade legal, não tem cabimento na previsão do art. 287º nº 2 do CPP, cuja integração deverá ser entendida como a falta de condições de procedibilidade ou de perseguibilidade criminal, prevendo os casos em que o processo não podia ter sido instaurado, por não reunir pressupostos para o efeito.
L- Mas uma vez que a assistente narrou sinteticamente a forma abusiva, intimidatória e premeditada com que os arguidos atuaram.
M- Preencheu os elementos constitutivos de um crime de "perseguição", sendo eles: - A ação do agente, consubstanciada na perseguição ou assédio da vítima, por qualquer meio (direto ou indireto); - A adequação da ação a provocar na vítima medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação; - A reiteração da ação; - o dolo do agente.
N- Acompanhando a jurisprudência dominante, veja-se o acórdão http://www.dgsi pt/itrl.nsf/33182fc732316039802565fó00497eec/fce6f72f7flbfb2880258478003b2ae3?QpenDocument que refere: "Na exposição de motivos do projeto de lei n?.647/XII que deu origem ao corpo do art.º 154º A do Código Penal, definiu-se a perseguição, ou "stalking", como "um padrão de comportamentos persistentes, que se traduz em formas diversas de comunicação, contacto, vigilância e monitorização de uma pessoa-alvo". Tais comportamentos podem consistir em ações rotineiras e aparentemente inofensivas (...) ou em ações inequivocamente intimidatórias (...) Pela sua persistência e contexto de ocorrência, este padrão de conduta pode escalar em frequência e severidade o que, muitas vezes, afeta o bem-estar das vítimas (...)."
O- Ou seja, é a soma reiterada das ocorrências discriminatórias, que revelam uma clara premeditação e intenção do arguido JJ em denegrir, discriminar e inquietar a assistente nos seus direitos fundamentais.
P- Concluiu então a recorrente que, por todos os factos expostos, é claro e evidente que os Arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente, com o intuito de destabilizar e ofender.
Q- Por isso, não só a Recorrente descreveu os factos, como alegou quais as disposições violadas, sendo perfeitamente inteligível o seu entendimento de quais os factos que estão em causa, e razão pela qual a Recorrente entende que deva existir uma acusação.
R- Pelo que, o Requerimento de Abertura de Instrução deve ser admitido.
S- Saliente-se que é entendimento jurisprudencial comum e visível no Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto a 04-02- 2015, no âmbito do Proc. Nº 470/13.7PAGDM.P1 (disponível em www.dgsi.pt) que: " (...) não exigindo a lei formalidades especiais na elaboração do requerimento para abertura da instrução, deve admitir-se a possibilidade de o elemento subjectivo dos crimes imputados ao arguido poder ser descrito através de factos que inequivocamente o revelem. O que importa, no essencial, é que o objecto do processo esteja bem delimitado e que os dados de facto susceptíveis de evidenciarem elementos psicológicos, como o dolo e a consciência da ilicitude, sejam de tal modo claros e evidentes que não tenha sentido algum pôr em causa a sua imputação. (...)".
T- E ainda no Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto de 19-04-2017, no âmbito do Proc. Nº 178/14.6GBAGD.P1 (disponível em www.dgsi.pt) "(...) Nos termos do n.º2, do art.º 287 do CPP, "o requerimento não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se espera provar, sendo ainda aplicável ao requerimento do assistente o disposto nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 283.º Não podem ser indicadas mais de 20 testemunhas." Ao requerimento do assistente exige-se ainda que obedeça aos requisitos da acusação deduzida pelo Ministério Público, previstos nas al. b) e c) do n.º 3 do art.º 283 C.P.P., ou seja, deve conter "a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, incluindo se possível, o lugar, o temo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada" e" a indicação das disposições legais aplicáveis (...). (...) Paulo Pinto de Albuquerque (in Comentário ao Código Processo Penal, Universidade Católica Editora, 3ª edição atualizada, Lisboa, 2009, anotação 2 ao artigo 286.º, pgs, 750 e 751) afirma que os casos de inadmissibilidade legal da instrução, quando o requerimento é apresentado pelo assistente, são os seguintes: instrução relativa a crime particular; requerimento que não contenha a narração de factos e solicite apenas a realização de diligências instrutórias; requerimento contra incertos; requerimento que contenha factos que não constituem crime, requerimento relativo a factos que não foram objeto do inquérito; requerimento relativo a factos que o Ministério Publico arquivou nos termos dos artigos 280.º, n.º 1, e 282º, nº 3 do C.P.P.; requerimento que respeite a factos que não alterem substancialmente a acusação do Ministério Público; requerimento que não indique as disposições legais violadas; e requerimento que respeite a crime em relação ao qual o requerente não tem legitimidade para se constituir assistente. (...).
Q- E por tudo o supra exposto, não se afigura nenhum motivo para o Exmo Tribunal rejeitar o Requerimento da Assistente para Abertura da Instrução com fundamento em inadmissibilidade legal da instrução.
R- Ao ter subsumido o vício que enferma o requerimento de abertura de instrução no conceito de inadmissibilidade legal, sem que este comporte tal interpretação, a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 287º nº 2, 283º nº 3 al. b), 289º, 290º, 292º nº 2 do CPP, e artigo 32º da CRP.
Nestes termos e nos mais de direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o douto despacho de indeferimento de abertura da instrução, substituindo-se por outro que decida de harmonia com as antecedentes conclusões, admitindo-se o requerimento apresentado pela Assistente e declarando-se aberta a Instrução, sendo assim feita uma correta aplicação da lei
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I.3
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