Acórdão nº 17630/22.2T8LSB.L1-4 de Tribunal da Relação de Lisboa, 14-12-2023

Data de Julgamento14 Dezembro 2023
Ano2023
Número Acordão17630/22.2T8LSB.L1-4
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:
II
1. Relatório
1.1. No Juízo do Trabalho de Lisboa, Comarca de Lisboa Oeste, AA intentou a presente acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento efectuado em 12 de Julho de 2022 por BB, EPE.
Realizada a audiência de partes em 18 de Agosto de 2022, e não tendo havido conciliação, foi ordenada a notificação do empregador para apresentar o articulado para motivar o despedimento e o processo disciplinar.
No seu articulado, que apresentou em 31 de Agosto de 2022, a R alegou, em síntese, que o A. foi despedido com processo disciplinar e justa causa, sendo o despedimento motivado e adequado e proporcional à gravidade de ambas as condutas do trabalhador que descreve. No final afirmou que “junta: o processo disciplinar e 2 documentos (videogramas em suporte DVD)”.
Os referidos videogramas foram entregues fisicamente na Secretaria em 6 de Setembro de 2022 (fls. 87), invocando a R, que não foi possível enviá-los a juízo por via electrónica.
O A. apresentou contestação e deduziu reconvenção, terminando o seu articulado do seguinte modo:
“Termos em que atento o alegado e tal como no demais tido por adequado por V.ª Ex.ª e julgado conforme o Direito, deverá reconhecer-se que:
- A R. não procedeu, no prazo de 15 dias (perentório), à junção integral sequencial e cronológica do procedimento disciplinar, composto por todos os actos que hajam sido levados a cabo, não estando na disponibilidade do empregador escolher as peças que o integram, aquelas que pretende ou não juntar, produziu-se o efeito cominatório pleno previsto no Art.º 98.º-J, n.º 3, alíneas a) e b) do CPT.
- A R. incumpriu o dever de motivação do despedimento, mormente por omissão de invocação de factos e fundamentos na nota de culpa e na decisão de despedimento.
- A R. preteriu o prazo de prolação da decisão v.s. caducidade do direito de aplicar a sanção. Cfr. n.º 1 do artigo 357º do CT.
- A R. violou o dever procedimental de, suspenso o trabalhador, ser mantido o pagamento da retribuição. Cfr. n.º 1 do artigo 357º do CT
Termos em que o despedimento é inválido e consequente é ilícito o despedimento e, sem prejuízo do exposto, devem ainda reconhecer-se as excepções peremptórias invocadas, absolvendo-se (in casu) o A. do pedido.
Em função da ilicitude do despedimento, deverá ser determinada a imediata reintegração do A. na R., sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, determinando-se o pagamento de todas as retribuições que aquele deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial que declare a ilicitude do despedimento.
A R. tem de pagar ao A. as retribuições que o mesmo deixou de auferir desde o momento da sua suspensão preventiva, a saber, 2.420,50€ (dois mil, quatrocentos e vinte euros e cinquenta cêntimos) e uma indemnização a título de danos morais, em montante global não inferior a 12.261,50€, tudo acrescido de juros de mora até efetivo e integral pagamento.
Sem conceder e sem prejuízo do exposto,
Deverão dar-se como não provados quaisquer fundamentos alegados pela R. como constitutivos de justa causa de despedimento, reconhecendo-se a respectiva ilicitude e a correspondente manutenção do vínculo laboral pré-existente e como consequência o A. deverá ser indemnizado (pela R.) por todos os danos causados, patrimoniais e não patrimoniais, nos termos supra identificados. Cfr. artigo 389º, n.º 1, al. a) do CT.”
A R. apresentou resposta à contestação, defendendo a improcedência das excepções e a inadmissibilidade da reconvenção (fls. 125 e ss.).
Em 06 de Janeiro de 2023, a Mma. Juiz proferiu o despacho que a seguir se transcreve:
«Por legal e tempestiva admito a reconvenção deduzida pelo Autor, no âmbito do estabelecido no art.º 98L nº 3 do CPT em conjugação como art.º 266 nº 2 do CPC.
Finda a fase dos articulados, constata-se não permite o actual estado dos autos conhecer de imediato o pedido, dependendo o conhecimento da factualidade alegada e da subsequente subsunção jurídica da prova a produzir em sede de audiência final.
Na senda do exposto, face à clareza e simplicidade no modo como as partes alegaram a factualidade em discussão, não se justificando a convocação de audiência prévia no contexto plasmado no art.º 62 nº 1 do CPT, em estrito cumprimento do disposto no art.º 98M nº 1 do CPT passo de imediato a proferir despacho saneador.
O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.
O processo é próprio. Inexistem nulidades totais.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias. Autora e Ré são dotados de legitimidade.
Não se registam outras nulidades, excepções, questões prévias ou incidentais que cumpra conhecer nesta sede.
(…)
Por legal e tempestiva, admito a prova documental carreada para os autos pelas partes, em obediência ao ditado no art.º 63 nº 1 do CPT.
[…]»
1.2. O A., inconformado, interpôs recurso desta decisão e formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes “conclusões”:
“1. O sistema de recolha de imagens vídeo é um meio de prova inadmissível por nulidade, decorrente da sua invalidade enquanto mecanismo desprovido de autorização, válida, idónea e bastante para os fins preconizados nos presentes autos; Cfr. al. a) do n.º 1 do artigo 12º da Lei n.º 07/2009, de 12 de Fevereiro (que revogou a Lei n.º 99/2003, de 27.08), artigo 26º, n.º 1 da CRP, als. b) e d) do n.º 2 do artigo 161º do CPA, com os efeitos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 162º do mesmo diploma legal e n.º 1 do artigo 21º do CT a contrario sensu.
2. Aquele meio de prova é igualmente inadmissível por não ter sido junto tempestivamente e de modo processualmente admissível. Cfr. artigo 10º, n.º 4 da Portaria n.º 114/2008, de 06 de Fevereiro.
3. O referido meio de prova é ainda inadmissível por não ter sido tido em consideração, nem ter sido junto, em sede disciplinar. Cfr. n.º 2 do artigo 98º-J do CPT (com substrato geral no n.º 3 do artigo 398º do CT), n.º 4 do artigo 357º do CT (invalidando o despedimento, nos termos da al. d) do n.º 2 do artigo 382º do CT, tornando-o ilícito. Cfr. n.º 1 do artigo 382º do CT).
4. Segundo o teor do 2º parágrafo da autorização n.º 3007/2009 (Cfr. Fls. 74 e ss do articulado de motivação), da CNPD proferida no âmbito do Proc. n.º 08/09 (datada de 17.07.2009) o pedido de autorização foi formulado no ano de 2008, i.e., quando ainda não vigorava a Lei n.º 07/2009, de 12 de Fevereiro (CT2009).
5. A autorização existente (remetidapelaCNPD) foi assim conferida com base no CT2003 (Lei n.º 99/2003, de 27.08, revogada pela al. a) do n.º 1 do artigo 12º da Lei n.º 07/2009, de 12 de Fevereiro).
6. Aquela autorização (da CNPD)foi assim conferida em resposta a um requerimento feito ao abrigo de um diploma entretanto revogado da ordem jurídica.
7. Aquela autorização da CNPD não foi conferida nos termos do CT2009, ou seja, está desconforme com a lei vigente e aplicável à data dos factos (CT2009) e bem assim com o próprio pedido formulado, concretizado no âmbito de vigência de um diploma que não vigorava à data do procedimento disciplinar aqui em causa.
8. É assim legalmente inadmissível o aproveitamento daquele acto administrativo, por nulidade, já que tem actualmente (tendo sido unicamente conferido ao abrigo do CT2003, sem ter sido renovado ou emitido ao abrigo do CT2009) um objecto e conteúdo impossível e desse modo ofensivo do conteúdo essencial de um direito fundamental: imagem. Cfr. artigo 26º, n.º 1 da CRP). Cfr. als. b) e d) do n.º 2 do artigo 161º do CPA, com os efeitos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 162º do mesmo diploma legal.
9. Foi assim violado, pela R., o n.º 1 do artigo 21º do CT, sendo a videovigilância em causa impassível de quaisquer efeitos, mormente de âmbito disciplinar, devendo – desde logo por esse motivo – ordenar-se o desentranhamento dos suportes de DVD juntos pela R. (sem prejuízo da sua intempestividade e invalidade)
10. Acresce que, o próprio ponto 6. das Conclusões da mencionada autorização prevê, expressamente, que:
6. As imagens não podem servir para controlo do desempenho profissional dos trabalhadores nem as câmaras estar dirigidas regularmente sobre estes durante a actividade laboral segundo o art.º 20.º do Código do Trabalho.
11. Face a esta previsão, aquele meio de prova é nulo (o que foi absoluta e indevidamente ignorado pelo Tribunal a quo, por omissão de pronúncia no despacho saneador, pese embora a correspondente invocação na contestação), com base no qual se encontra sustentada toda a nota de culpa, os autos de declarações e a decisão (quer quanto ao alegado evento de 12.01.2022, quer quanto ao legado evento de 17.02.2022, datas em que, alegadamente, ocorreram os factos presentemente ilícitos em apreço).
12. Pelo exposto, o Tribunal a quo admitiu no despacho saneador um meio de prova inadmissível e nulo: sistema de recolha de imagens vídeo pela CNPD, sendo assim recorrível a referida decisão (Cfr. al. d) do n.º 2 do art.º 79º-A do CPT) impondo-se deste modo que o Tribunal ad quem reconheça a inadmissibilidade daquele meio de prova.
13. Acresce que, a R. não procedeu no prazo de 15 dias (perentório), à junção integral sequencial e cronológica do procedimento disciplinar, composto por todos os actos que hajam sido levados a cabo, não estando na disponibilidade do empregador escolher as peças que o integram, aquelas que pretende ou não juntar, produziu-se o efeito cominatório pleno previsto no art.º 98.º-J, n.º 3, alíneas a) e b) do CPT.
14. Esta formalidade procedimental obrigatória não se destina apenas a dar conhecimento ao trabalhador da prova recolhida, das diligências efetuadas e demais atos processuais, sendo sobretudo é um elemento de prova do Tribunal no sentido aferir se foram cumpridos, ou não, todos os requisitos legais com vista à decisão tomada.
15. Assim sendo, a alegação dos factos que consubstanciam o
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