Acórdão nº 175/19.5GCSCD.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2023-03-08

Ano2023
Número Acordão175/19.5GCSCD.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – JUÍZO DE INSTRUÇÃO CRIMINAL DE VISEU – JUIZ 2)

Relatora: Alcina Ribeiro
1.º Adjunta: Cristina Pego Branco
2.º Adjunta: Maria Alexandra Guiné

Acordam, em Conferência na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I. RELATÓRIO

1. Por despacho proferido em 6 de setembro de 2022, o Senhor Juiz de Instrução decidiu declarar a nulidade a acusação particular deduzida pelo assistente AA na parte em que imputa à arguida BB a prática de dois crimes de abuso de confiança, na sua forma agravada, previsto e punido pelo o artigo 205.º n.ºs 1 e 4 al. a) do Código Penal.

2. Inconformado recorre o Assistente, formulando as seguintes conclusões:

1. Nos presentes autos estão em causa diversos crimes imputados pelo assistente, ora recorrente, à arguida …

3. Em 14 de abril de 2022 foi, pelo Digno Magistrado do Ministério Publico proferido despacho no sentido de arquivar os autos relativamente aos crimes de injúrias, de ameaça agravada; de falsificação de documentos; e de furto/abuso de confiança, estes últimos apenas na parte imputada aos arguidos CC e B..., Unipessoal, Lda.

f) E foi o assistente notificado para deduzir acusação particular …

g) … requereu abertura de instrução relativamente ao arquivamento quanto ao crime de falsificação de documentos e deduziu acusação particular relativamente aos crimes de furto e abuso de confiança.

h) Acusação não acompanhada pelo Digno Magistrado do Ministério Público …

i) Apresentado o requerimento de abertura de Instrução junto do Digno Magistrado do Juízo de Instrução, foi pelo mesmo decidido, como “questão prévia” declarar nula a acusação particular na parte em que imputa à arguida dois crimes de abuso de confiança.

j) Relativamente aos crimes de furto e abuso de confiança imputados à arguida BB, o Ministério Publico não proferiu despacho de arquivamento, notificou o assistente para deduzir acusação particular;

k) Terminado o inquérito, ao MP caberia tomar a decisão de arquivar ou deduzir acusação.

m) Pelo que houve assim absoluta omissão do Ministério Público relativamente a dois crimes de natureza semipública.

n) A falta de promoção do processo penal pelo Ministério Público constitui uma nulidade insanável, conforme previsto na alínea b) do artigo 119º do CPP.

o) Nulidade que deveria ter sido declarada pelo Meritíssimo Juiz de Instrução;

p) Nulidade que expressamente se invoca e que afeta todo o encerramento do inquérito, bem como todos os atos subsequentes, conforme decorre do disposto no artigo 122º do CPP.

q) A decisão recorrida violou assim o disposto nos artigos 119º alínea b), 276º n.º 1 e 277º, 283º, 285º, 311º do Código de Processo Penal.

II. DESPACHO RECORRIDO

A.

… o Ministério Público proferiu despacho de arquivamento nos termos do disposto no art. 277.º n.º 2 do Código de Processo Penal, relativamente aos hipotéticos crimes de falsificação de documentos e de furto/abuso de confiança perpetrados pela arguida BB (fls. 316-321).

Mais exarou o seguinte despacho:

No pressuposto de que o assistente entenda, ao contrário do que o Ministério Público sustenta, que a arguida BB cometeu o crime de furto, previsto e punido, pelo artigo 203º, nº 1 do Código Penal e/ou o crime de abuso de confiança, previsto e punido pelo artigo 205º, nº 1 do Código Penal, deverá, nos termos previstos no artigo 285º, nº 1 do Código de Processo Penal, deduzir acusação particular.”

Na sequência desta notificação, veio o assistente AA deduzir acusação particular contra a arguida BB, imputando-lhe a prática de:

– um crime de furto, p. e p. pelo art. 203.º n.º 1 do Código Penal; e

– dois crimes de abuso de confiança, na sua forma agravada, p. e p. pelo art. 205.º n.ºs 1 e 4 al. a) do Código Penal.

Ora, como se retira do disposto no n.º 1 do art. 207.º do Código Penal, conjugado com o n.º 1 do art. 50.º do Código de Processo Penal, o assistente apenas tem legitimidade para deduzir acusação particular pelos crimes de furto e abuso de confiança, na sua forma simples, o que significa que não tem legitimidade para deduzir acusação particular pela prática de um crime de abuso de confiança, na sua forma agravada (como não teria no caso de um crime de furto qualificado) – aliás, o Ministério Público foi bem claro quando se reportou aos arts. 203.º n.º 1 e 205.º n.º 1 do Código Penal.

Assim, se discordava da opção do Ministério Público em arquivar o inquérito relativamente aos crimes de abuso de confiança agravado (por causa do valor dos bens), deveria sim ter requerido a abertura de instrução.

Pelo exposto, por falta de legitimidade processual, declaro nula a acusação particular deduzida pelo assistente AA na parte em que imputa à arguida BB a prática de dois crimes de abuso de confiança, na sua forma agravada, p. e p. pelo art. 205.º n.ºs 1 e 4 al. a) do Código Penal (falamos essencialmente dos pontos 1º a 33º, 43º e 50º a 54º da acusação particular).

Neste contexto, a instrução requerida pela arguida circunscrever-se-á ao crime de furto simples que lhe foi igualmente imputado pelo assistente …

III. QUESTÕES A DECIDIR

… são as seguintes as conclusões a decidir …

- Existe a nulidade insanável prevista na alínea b) do artigo 119.º, do Código de Processo Penal;

- O juiz de instrução pode alterar a qualificação jurídico-penal dada pelo assistente na acusação particular.

IV. ACTOS PROCESSUAIS RELEVANTES

1. O assistente participou criminalmente contra a arguida pela prática de um crime de abuso de confiança agravada prevista e punida pelo artigo 205.º, n.º 1 e 4, alínea a) e um crime de falsificação de documento previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º 1, ambos do Código Penal

Mais participou criminalmente contra a arguida e outros, imputando-lhes a prática de crimes de furto/abuso de confiança.

2. Findo o inquérito, o Ministério Público proferiu o seguinte despacho:

B. AA apresentou queixa contra a sua irmã BB, por factos, em abstrato, suscetíveis de configurar a prática dos crimes de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256º, nº 1, al. c) do Código Penal e de abuso de confiança, previsto e punido pelos artigos 205º, nos 1 e 4, al. a) do Código Penal.

Quanto ao crime de falsificação de documentos, está em causa a alegada falsificação da assinatura (melhor dizendo, a abreviatura) do pai de ambos, DD …

A arguida BB, interrogada (fls. 222-224) limitou-se a dizer que os bens da herança do seu falecido pai estão devidamente relacionados no processo de inventário …

Analisado o documento, alegadamente falsificado, verificamos que o mesmo foi apresentado, para o registo de respetiva propriedade, em nome do referido EE, em 22-01-2018, data posterior à morte do seu anterior proprietário registral, o referido DD, pai do assistente e da arguida.

Todavia, tal facto não é determinante para a prova de que não terá sido o falecido DD a apor a sua assinatura no campo do “sujeito passivo” …

É certo que seria possível obter outras assinaturas do falecido DD e fazer a sua comparação com a assinatura que o assistente diz ser falsa.

Contudo, assumimos aqui que tal comparação, em virtude de não estar em causa a comparação de carateres (letras do alfabeto latino), mas antes de uma mera abreviatura …

Por tudo o exposto, entendemos que não se reuniram, nem se mostra possível reunir, indícios suficientes de que a arguida BB tenha praticado o crime de falsificação de documentos que lhe é imputado … razão pela qual, ao abrigo do disposto no artigo 277º, nº 2 do Código de Processo Penal, determino o arquivamento do inquérito, na parte respeitante.

B.2. Crime de furto/abuso de confiança:

O Ministério Público entende que, face aos elementos probatórios carreados para os autos, não se reuniram indícios suficientes de que a arguida BB tenha cometido qualquer crime, nomeadamente o crime de furto …

- encontra-se aberta a herança jacente por óbito de DD, pai do assistente e da arguida …

- a relação de bens inicialmente apresentada pela arguida foi já objeto de alteração, por relação adicional e objeto de reclamação, não havendo prova cabal que demonstre que tal adicionamento de bens pretendesse encobrir uma apropriação de bens;

- … se...

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