Acórdão nº 1738/20.1T8VNG.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-01-25

Ano2022
Número Acordão1738/20.1T8VNG.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
PROCESSO N.º 1738/20.1T8VNG-P1
[Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia - Juiz 5]

Relator: Fernando Vilares Ferreira
Adjunta: Maria Eiró
Adjunto: João Proença

SUMÁRIO:
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ACORDAM os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:

I.
RELATÓRIO
1.
AA, em nome próprio, enquanto herdeiro de BB, e na qualidade de cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de BB, CC, DD, representado pela sua mãe, EE, FF e EE, intentaram a presente ação sob a forma de processo comum, contra P..., LDA., com sede na Rua ..., freguesia ... e ..., concelho ....
Alegaram, em síntese:
- Os Autores e herdeiros do sócio BB, falecido a 23 de novembro de 2019, com exceção do primeiro Autor, foram impedidos de participar em assembleia geral, na qual participou e votou uma pessoa que não é sócia, GG;
- A convocatória é ilegal, uma vez que a assembleia geral foi convocada por alguém que se autonomeou gerente em assembleia geral ilegal (onde foi impedida a participação dos demais herdeiros de BB);
- Os Autores têm o direito de participar nas deliberações sociais, em especial, o primeiro Autor, tem ainda o direito de participar na qualidade de representante comum da quota do falecido, por ser o cabeça-de-casal, sendo a deliberação também anulável por não terem sido fornecidos os elementos mínimos de informação;
- A assembleia geral teve início após a hora marcada sem fundamento, o que constituiu uma vantagem indevida do sócio HH e é vedado pelo Código das Sociedades Comerciais, não se compreendendo a necessidade de aumentar o capital social da ré.
Concluíram, pedindo:
A) Que sejam declaradas nulas as deliberações tomadas na assembleia geral realizada a 27 de janeiro de 2020 [o autor, a 5 de Maio de 2020, requereu a retificação do pedido, o que foi admitido], por ilegitimidade do órgão que convocou a assembleia, por violação do direito de participação dos sócios, por violação da obrigação de informação prévia e por participação de terceiros sem quota social; e
B) Que seja ordenado o cancelamento da inscrição do aumento de capital e alteração do pacto social na certidão comercial, caso o mesmo já tenha ocorrido ou venha a ocorrer no decurso dos presentes autos.

2.
A Ré contestou, invocando a ineptidão da petição inicial, a ilegitimidade dos Autores [com fundamento no facto de os Autores não serem sócios e de o Autor AA não ser o cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de BB, funções que cabem ao sócio HH] e a caducidade do direito de propor a presente ação; impugnou, ainda, a essencialidade da factualidade alegada na petição inicial; concluiu, pugnando pela improcedência da ação.
3.
Apenas os Autores EE e DD responderam às exceções invocadas pela Ré, pugnando pela sua improcedência.
4.
Foi prolatado saneador-sentença que, após julgar improcedentes as exceções de ineptidão da petição inicial e de caducidade da ação, e parcialmente procedente a exceção de ilegitimidade ativa, afirmando neste particular o prosseguimento da ação apenas, do lado ativo, com o Autor AA, conheceu do pedido, concluindo no DISPOSITIVO:
[Pelo exposto, julgo a presente acção procedente e, em consequência, declaro nulas e anuláveis as deliberações tomadas na assembleia geral de 27 de Janeiro de 2020 e, em consequência, determino o cancelamento do registo com a inscrição ap. ...7, de 27 de Março de 2020.
Custas a cargo da ré.]
5.
Não se conformando com aquela decisão, veio a Ré interpor o presente recurso de apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo.
6.
Com o requerimento de interposição do recurso, a Apelante apresentou alegações e formulou CONCLUSÕES que, tendo sido objeto de aperfeiçoamento, no seguimento de convite dirigido por este Tribunal da Relação, passaram assim a constar:
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Concluiu, pedindo a revogação do saneador-sentença, devendo ser substituído por decisão que mande realizar julgamento, para prova do representante comum da quota, ou, quando assim não se entenda, que se declare que as deliberações realizadas na Assembleia Geral em questão não padecem de qualquer vício.
8.
O Autor AA contra-alegou, formulando as seguintes CONCLUSÕES (completadas no seguimento do aperfeiçoamento das conclusões da Recorrente):
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II.
OBJETO DO RECURSO
Considerando as conclusões das alegações apresentadas pela Apelante, e visto o preceituado nos artigos 635.º, n.º 4, 637.º, n.º 2, 1.ª parte, e 639.º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPCivil), o thema decidendum passa por saber se ocorrem ou não vícios de nulidade e anulabilidade de deliberações sociais, seja por falta de participação na respetiva assembleia geral de representante comum de quota que integra a herança por óbito de sócio falecido, seja por ter participado e votado pessoa estranha à composição societária.
Embora a Recorrente, sob a conclusão L) das suas alegações, qualifique a sentença como nula, certo é que não invoca, enquanto fundamento, qualquer norma jurídica violada.
E sendo assim, não conhecemos do recurso nesta parte (art. 639.º, n.º 3, do CPCivil).
III.
FUNDAMENTAÇÃO
1.
OS FACTOS
Com relevância para a decisão, o Tribunal de que vem o recurso julgou provados os seguintes factos:
A) A sociedade comercial “P..., LDA.” está registada na Conservatória do Registo Comercial com o NIPC ..., com sede na Rua ..., freguesia ... e ..., concelho ..., com o capital de 40.000,00 euros, tendo como objeto a compra, venda, construção e administração de imóveis e realização de investimentos imobiliários.
B) Foi constituída a 5 de novembro de 1996, com o capital de 20.000,00 euros, dividido em quatro quotas, uma no valor nominal de 12.000,00 euros, titulado por BB, uma no valor nominal de 4.000,00 euros, titulada por GG, uma no valor nominal de 2.000,00 euros, titulada por II e uma no valor nominal de 2.000,00 euros, titulada por AA.
C) O sócio BB foi designado gerente no ato de constituição da sociedade comercial ré.
D) Através de escritura pública outorgada a 5 de maio de 2009, cuja certidão se encontra junta a fls. 31 e seguintes e cujo teor se dá aqui por reproduzido, BB, por si e em nome e representação respetivamente na qualidade de procurador de GG e de representante legal do seu filho II, declarou que “ele, a sua representada GG, o representado menor, HH, e o segundo outorgante [AA], são os únicos sócios da sociedade comercial por quotas com a firma “P..., Lda.” (…)
Que no uso dos poderes representativos que lhe foram conferidos pela sua constituinte GG, (…) faz as seguintes cessões:
Adquire para si uma quota no valor nominal de dois mil e novecentos euros;
Cede uma quota no valor nominal de quinhentos e cinquenta euros ao único descente da cedente e consócio II;
Cede uma quota no valor nominal de quinhentos e cinquenta euros ao segundo outorgante e consócio, AA, resultantes da divisão da indicada quota de quatro mil euros (…)
Aceitar para si e para o seu representado estas cessões nos termos exarados e
Que unifica a quota por si adquirida com aquela de que é titular (…) numa única no valor nominal de catorze mil e novecentos euros e unifica a quota adquirida pelo seu representado HH, com aquela de que ele é titular (…) numa única do montante de dois mil e quinhentos e cinquenta euros (…)”.
E) No mesmo ato, o sócio AA declarou aceitar a cessão e unificar a quota adquirida com aquela de que era titular numa única, no valor nominal de 2.550,00 euros.
F) A cessão referida na alínea d) a favor do sócio BB foi registada a 9 de janeiro de 2014.
G) A cessão referida nas alíneas d) e e) a favor do sócio AA foi registada a 27 de janeiro de 2020 (10:59:21).
H) A cessão referida na alínea d) a favor do sócio II foi registada a 14 de julho de 2020.
I) Através de documento particular datado de 23 de outubro de 2012, cuja cópia se encontra junta a fls. 33 verso a 34, AA e mulher, JJ, declararam ceder a BB (“ou a pessoa individual ou coletiva que este venha a indicar ou designar”) a quota titulada pelo primeiro no capital social da ré, no valor nominal de 2.550,00 euros, pelo respetivo valor nominal, nos termos e condições que aqui damos por reproduzidas.
J) A transmissão referida na alínea anterior foi objeto de registo a 27 de janeiro de 2020 (11:03:15).
K) A 6 de novembro de 2019, no Cartório sito na Rua ..., no ..., BB declarou que, por testamento:
“Lega a KK (…) a quantia de cem mil euros (…) e Lega a LL (…) uma quota correspondente a 5% do capital social da sociedade “W..., Lda.” (…)
Que institui herdeiros, em comum e partes iguais, do remanescente da sua quota disponível, o seu filho DD e ainda a mãe deste, EE (…)”.
L) O sócio BB, por documento datado de 29 de outubro de 2019, cuja certidão se encontra junta a fls. 98 verso a 99 verso e cujo teor se dá aqui por reproduzido, denominado “Contrato de Doação de Quotas”, declarou, para além do mais, dar ao primeiro outorgante, II, a título gratuito, as duas quotas de que era titular no capital social da ré, uma no valor nominal de 12.000,00 euros e outra no valor nominal de 2.900,00 euros.
M) As transmissões referidas na alínea anterior foram objeto de registo a 27 de dezembro de 2019 (registos retificados a 14 de Julho de 2020).
N) O sócio BB faleceu a 24 de novembro de 2019, no estado de casado com a sócia GG.
O) Por escritura de habilitação outorgada a 26 de novembro de 2019, no Cartório Notarial do ..., sito na Rua ..., II declarou:
“Que foi nomeado cabeça de casal por acordo de todos os interessados, nos termos do artigo 2084.º do Código Civil, e nessa qualidade, declara:
Que no dia vinte e quatro de Novembro de dois mil e dezanove (…) faleceu, sem testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, BB (…), no estado de casado com GG, em primeiras núpcias dela e segundas núpcias dele, sob o regime imperativo da separação de bens (…).
Como herdeiros
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