Acórdão nº 1708/20.0T8SNT.L1-1 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2024-03-19

Data de Julgamento19 Março 2024
Ano2024
Número Acordão1708/20.0T8SNT.L1-1
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam as Juízas da Secção de Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa

1. Relatório
M, RI, apresentou impugnação judicial, dirigida ao Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, do ato administrativo da Sra. Conservadora do IRN, de 20/06/2014, que determinou a perda do uso do NIPC …., nos termos do disposto nos arts. 63º nº1, al. b), 67º nº1 e 70º do Decreto Lei nº 129/98 de 13/05, pedindo a anulação do ato impugnado e a condenação do IRN à adoção dos atos necessários para reconstituir a situação que existiria se não tivesse sido praticado.
Citado o Instituto dos Registos e Notariado IP contestou, excecionando a incompetência em razão da matéria dos tribunais administrativos e a competência dos tribunais comuns e nestes das secções de comércio, dado o Registo Nacional de Pessoas Coletivas ser uma conservatória do registo comercial.
No mais defendeu-se por impugnação e de direito, pedindo seja a ação julgada improcedente por inimpugnabilidade do ato impugnado.
A A, respondeu, pedindo a improcedência da exceção.
Foi proferida em 04/11/19, sentença declarando a incompetência do tribunal em razão da matéria.
A requerimento do A. foram os autos remetidos ao Tribunal Judicial de Comarca de Lisboa Oeste, Juízo de Comércio de Sintra, nos termos dos arts. 14º nº2 do CPTA e 632º nº3 do CPC.
Por decisão de 15/05/2020 o Juízo de Comércio de Sintra declarou-se incompetente em razão do território, ordenando a remessa dos autos, após trânsito, ao Juízo de Comércio de Lisboa.
Remetidos os autos o Ministério Público teve vista e emitiu parecer nos termos do art. 105º do Código do Registo Comercial, aplicável ex vi art. 92º do Regime do RNPC, dando por reproduzido parecer[1] no sentido de que, estando a A. obrigada a inscrever-se no Ficheiro Central de Pessoas Coletivas e não o tendo feito no prazo de validade do certificado de admissibilidade, deveria o RNPC ter procedido à inscrição oficiosamente, nos termos do art. 12º do RRNPC, sendo que o mero decurso do prazo não extingue a tutela conferida às pessoas coletivas não sujeitas ao registo comercial, mas apenas após declaração oficiosa ou a requerimento de qualquer interessado e promovendo a anulação do despacho que declara a perda do direito ao uso da firma ou denominação da recorrente e determinado ao RNPC que proceda à notificação do Requerente para proceder à regularização da situação e efetuar a inscrição no Ficheiro Central de Pessoas Coletivas no prazo previsto no nº 2 do artigo 61º do RNPC.
Tendo sido determinado o contraditório quanto ao parecer emitido pelo Ministério Público veio a Presidente do Conselho Diretivo do IRN, IP pronunciar-se no sentido da sua improcedência.
A A. veio exercer, por sua vez o contraditório e ainda, novamente, por ordem do tribunal, o IRN, IP.
Em 19/06/2023 foi proferida a seguinte sentença:
“Nestes termos e com estes fundamentos, julga-se o presente recurso procedente, e em consequência, revoga-se a decisão recorrida que determinou a perda do direito ao uso do NIPC (em virtude da perda do direito ao uso de firma ou denominação e determina-se que o RNPC proceda, subsequentemente, à notificação do Recorrente para proceder à regularização da situação e efectuar a inscrição no Ficheiro Central de Pessoas Colectivas no prazo previsto no nº 2 do artigo 61º do RNPC.”
Inconformada, a Presidente do Instituto de Registos e Notariado, IP interpôs o presente recurso de apelação, pedindo a revogação da sentença recorrida e formulando as seguintes conclusões:
1ª - O FCPC é constituído por uma base de dados informatizados onde se organiza informação atualizada sobre as pessoas coletivas necessária aos serviços da Administração Pública para o exercício das suas atribuições (cfr. n° 1 do artigo 2º do Regime do Registo Nacional de Pessoas Colectivas - RRNPC).
2ª - Nos termos da alínea a) do n° 1 do artigo 4º do RRNPC, o FCPC integra informação relativa, entre outras entidades, a sociedades civis. Consubstanciando as sociedades de advogados sociedades civis, estão as mesmas sujeitas a inscrição no FCPC.
3ª - Por força do disposto na alínea b) do n° 1 do artigo 56° do RRNPC, está sujeita à verificação da disponibilização de certificado de admissibilidade da respetiva firma ou denominação, a inscrição no FCPC do correspondente contrato de sociedade. Nos termos do n° 3 do citado artigo, o certificado de admissibilidade deve estar dentro do seu prazo de validade à data do pedido de inscrição no FCPC.
4ª - Estipula igualmente o n° 2 do artigo 11° do RRNPC, que as demais entidades, isto é, as entidades não sujeitas a registo comercial, devem promover a inscrição no FCPC no prazo de validade do certificado de admissibilidade, que é de três meses (cfr. n° 1 do artigo 53° do citado Regime).
5ª - Ultrapassado o prazo de validade previamente fixado no certificado de admissibilidade de firma ou denominação, o direito extingue-se, cessando a presunção de exclusividade para o uso daquela firma e daquele NIPC.
6ª - Não se encontrando feita a necessária inscrição no FCPC naquele prazo de validade, a entidade, que é provisória, e o NIPC que lhe está associado, são naturalmente eliminados, de forma automática, do Ficheiro, ficando a firma sem qualquer proteção.
7ª - A eliminação de NIPC constitui uma consequência legal da não inscrição da entidade no FCPC.
8ª - Em matéria de inscrição no FCPC vigora o chamado princípio da instância, competindo a iniciativa e promoção da inscrição no FCPC, a que alude o art. 4° do RRNPC, aos interessados - artigo 11°, n° 2 do RRNPC -, constituindo a oficiosidade, prevista no artigo 12° n° 1 do mesmo Regime, uma exceção que só ocorre nos casos expressamente previstos na lei, nomeadamente nas situações previstas no n°l do art. 11º do RRNPC, relativo às entidades sujeitas a registo comercial e nas situações em que a Autoridade Tributária (AT) solicita ao RNPC a inscrição oficiosa para efeitos de atribuição de NIPC, de determinada entidade sujeita ao Regime Jurídico do RNPC e que não cumpriu as formalidades legais de inscrição, mas cuja identificação esteja naturalmente estabelecida - cfr. art.° 27°, n° 1 al. c) do Decreto-Lei n° 14/2013, de 28 de janeiro.
9ª - Assim, no caso, e sem embargo de a sociedade civil se ter constituído e registado na respetiva Ordem dos Advogados, esta já não é detentora do referido NIPC.
10ª - A perpetuação no FCPC da firma admitida a que estava associado o NIPC …, significaria uma clara violação dos princípios da legalidade, da igualdade e da prioridade, porquanto decorre expressamente da lei, nomeadamente do n°3 do art.° 15° RRNPC, que o NIPC provisório tem o mesmo prazo de validade do certificado que lhe deu origem.
11ª - Mais, a sua manutenção no FCPC, para além do prazo previsto, inviabilizaria a eventual aprovação de firma idêntica a favor de outrem, em clara violação do princípio da prioridade.
12ª - O RNPC não proferiu nem poderia proferir declaração de perda do direito ao uso de NIPC (figura que não existe), nem de denominação relativamente à entidade em questão, uma vez que nunca se consolidou na sua esfera jurídica o direito ao uso da denominação aprovada pelo certificado de admissibilidade n°750171, emitido em 30/07/2008, que aprovou a denominação "M, RI", exatamente por motivo de caducidade do mesmo.
13ª - A possibilidade de o RNPC poder declarar a perda do direito ao uso de firma e denominação por falta de inscrição no FCPC no prazo em que a mesma devia ter sido realizada, só poderá ser aplicada a casos em que a entidade obteve o direito ao uso exclusivo da denominação, ainda que não inscrita.
14ª - Razões pelas quais, deverá ser requerido novo certificado de admissibilidade de firma ou denominação, para efeitos de inscrição da sociedade no FCPC, à qual será atribuído inevitavelmente um novo NIPC.”
A A. contra-alegou, pedindo a manutenção da decisão recorrida formulando as seguintes conclusões:
“A. A Sentença recorrida e que anima o Recurso interposto, ao decidir no sentido em que o fez, enveredou por uma correta interpretação e aplicação do direito, considerando os factos que, também de modo isento de crítica, julgou provados e não demonstrados.
B. Neste contexto, nenhuma alteração se impõe quanto ao Julgamento da matéria de facto e, consequentemente, em sede de subsunção do direito aos factos com relevância para a boa decisão da causa, no que se reporta às soluções jurídicas pelas quais enveredou a Sentença sob escrutínio.
C. A par do correto enquadramento jurídico suscitado pelo Tribunal a quo, chama a Recorrida à colação a violação pela Recorrente do direito de “Audiência Prévia", plasmado no artigo 121.º do CPA, enquanto direito fundamental e corolário do princípio do procedimento equitativo,
D. impondo este um direito ao contraditório dos particulares caso a tomada de decisão seja por este considerada como inadequada.
E. A falta de audiência prévia determina a preterição de formalidade essencial, gerando, necessariamente, uma atuação ilícita da administração, por desconforme com o direito vigente.
F. A conduta omissiva do Recorrente, identificada na Sentença sob crítica, determina a aplicação do regime da anulabilidade.
G. Julgando como julgou o Tribunal a quo, de modo isento de crítica e bem fundamentado, a factualidade que lhe foi presente pelos sujeitos processuais, impõe-se e requer-se, atento aos fundamentos aduzidos, a improcedência do Recurso interposto.”
O recurso foi admitido por despacho de 29/11/2023 (refª 430706006).
Foram colhidos os vistos.
Cumpre apreciar.
*
2. Objeto do recurso
Como resulta do disposto nos arts. 608º, n.º 2, aplicável ex vi art. 663º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4, 639.º n.ºs 1 a 3 e 641.º n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio e daquelas cuja solução fique prejudicada pela solução dada a outras, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas
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