Acórdão nº 1675/20.0T8CLD.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 12-04-2023

Data de Julgamento12 Abril 2023
Ano2023
Número Acordão1675/20.0T8CLD.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO LOCAL CÍVEL DAS CALDAS DA RAINHA)
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:


***
I – Relatório

P..., Unipessoal Ld.ª”, com os sinais dos autos,

intentou ação declarativa de condenação com processo comum contra

1.ª - “G..., S. A.”,

2.º - AA e

3.º - BB,

todos também com os sinais dos autos,

pedindo a condenação dos RR., solidariamente, a pagar-lhe a quantia indemnizatória de € 22.157,05.

Para tanto, alegou, em síntese:

- a existência de um acidente de viação, em que foram intervenientes um veículo motociclo, propriedade de CC, trabalhador ao serviço da A., e o veículo automóvel de matrícula «..-BJ-..», segurado na Ré «G...», conduzido pelo R. AA e propriedade do R. BB, de que resultaram danos para aquele seu trabalhador;

- tratando-se de acidente simultaneamente de viação e de trabalho, procedeu a A. à indemnização do seu trabalhador, no âmbito de decisão proferida pelo Tribunal de Trabalho;

- todavia, a responsabilidade culposa pelo acidente é exclusivamente imputável ao condutor do veículo seguro na 1.ª R., com a consequente responsabilidade indemnizatória pelos danos causados a impender sobre aquela (e demais RR.), para a qual se encontrava transferida por via de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel;

- assim, a A. pretende exercer um seu «direito de regresso» sobre (todos) os RR., relativamente aos valores pagos ao seu trabalhador, que ascendem ao montante peticionado.

Na sua contestação, a R. seguradora, impugnando os factos alegados quanto ao desenrolar do acidente, concluiu pela improcedência da ação.

Também os demais RR. apresentaram a respetiva contestação, alegando – tal como a 1.ª R. – que o embate é imputável exclusivamente ao condutor do motociclo e impugnando a factualidade alegada pela A., assim concluindo pela respetiva absolvição do pedido.

Dispensada a audiência prévia, foi elaborado despacho saneador, com identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas de prova.

Procedeu-se à realização da audiência final, após o que foi proferida sentença ([1]), na qual, depois de se declarar a «ilegitimidade do[s] Réus AA e BB», com consequente absolvição dos «mesmos da instância», conhecendo-se em matéria de facto e de direito e considerando-se totalmente improcedente a ação, foi a R. seguradora, por sua vez, absolvida «de todo o peticionado».

Inconformada, recorre a A., apresentando alegação, culminada com as seguintes

Conclusões ([2]):

«1. O tribunal errou na apreciação da prova, ao não dar como provado:

a) - Que o entroncamento de onde provinha o veiculo ligeiro, na Rua ... tem má visibilidade obrigando a parar para se conseguir ter visibilidade sobre que vem da esquerda;

2. Resulta da prova gravada, quer do depoimento da testemunha DD, quer da testemunha EE, agente da PSP, que o cruzamento de onde saía o veículo automóvel BJ tinha má visibilidade, sendo necessário parar a marcha para ter visibilidade sobre quem vinha da esquerda;

3. Também errou do tribunal “a quo” ao dar como provado o ponto 16) da Forma como o fez.

4. Resulta não só do depoimento claro da Testemunha EE, agente da PSP, que o ponto de embate do motociclo BF com o veículo automóvel BJ, ocorre na parte lateral esquerda, no guarda lamas e do espelho retrovisor para a frente e não para o lado da porta.

5. Ao invés o tribunal “a quo” devia ter dado como provado que

- 16) O motociclo BF embateu com a parte da frente na parte lateral esquerda do veículo BJ, do espelho retrovisor para a frente, sobre o guarda lamas (art.18º da petição inicial e art. 29º da contestação da Ré G...);

6. Facto este relevante para se perceber que a hemifaixa de rodagem por onde circulava o motociclo BF, tinha 3,56metros, se o o embate ocorreu a 2,10metros ou 2.15metros dessa faixa de rodagem, tendo o embate ocorrido na parte anterior lateral esquerda do veículo automóvel BJ, ou seja na zona do guarda lamas dianteiro, é forçoso concluir que este tinha iniciado a manobra frações de segundo antes do motociclo atingir o ponto de embate;

7. Ao que acresce que o Tribunal “a quo”, também decidiu em contradição com a matéria da facto provada, senão vejamos:

8. Resultou provado: 14) O veículo BJ, após o separador referido em 11), mudou de direcção à esquerda e, direccionando-se, na diagonal, no sentido Sul-Norte, atravessou a hemi-faixa de rodagem por onde circulava o motociclo de matricula BF, não fazendo a perpendicular para entrar na via referida em 13) (art.16º, 17º, 18º e 20º da petição inicial);

9. Mas conclui o tribunal “a quo” , que tal manobra, que constitui uma infração estradal, não teve influência na ocorrência do acidente.

10. A mudança de direção à esquerda, pelo perigo que potencia, exige especiais cuidados de quem a empreender. Daí a exigência de que os condutores que pretendam mudar de direcção para a esquerda se devem aproximar-se, com a necessária antecedência do eixo desta, quando a via esteja afecta ambos os sentidos de trânsito, e efectuarem a manobra de modo a entrarem na via que pretende tomar pelo destinado ao seu sentido de circulação (artigo 44º, nº 1, do Código da Estrada).

11. O que resultou provado, designadamente do depoimento das testemunhas regeridas e do documento 6 junto à Contestação pela R. Seguradora, é que atenta a configuração do local se o condutor do veículo automóvel BJ, tivesse parado o carro, tomados as precauções necessárias, face à má visibilidade do entroncamento de onde provinha e

12. ao invés de encostar à esquerda a seguir ao separador e virar na diagonal como fez, tivesse tomado o eixo da via, cerca de 8 metros à frente do separador e realizasse a perpendicular na manobra de viragem à esquerda, a distância entre o motociclo e o veiculo ligeiro aumentava exponencialmente,

13. Permitindo ao motociclo maior tempo de reação e mais espaço para se desviar do veiculo ligeiro, o que só não aconteceu porque o veiculo ligeiro entrou de forma inesperada e na diagonal na hemifaixa por onde circulava o motociclo, cortando a faixa de rodagem destinada ao motociclo, daí a necessidade da existência da previsão legal contida no artigo 44º, n.ºs 1 e 2 do Código da Estrada.

14. Mais, dispõe o artigo 35º do Código da Estrada: - O condutor só pode efetuar as manobras de ultrapassagem, mudança de direção ou de via de trânsito, inversão do sentido de marcha e marcha atrás em local e por forma que da sua realização não resulte perigo ou embaraço para o trânsito.

15. É assim forçoso concluir, que: - quer pela configuração e má visibilidade do entrocamento de onde provinha o condutor do veículo ligeiro,

16. - quer pelo perigo que representa o tipo de manobra que efetuou, sendo que a efetuou desrespeitando as regras estradais quanto à forma como se faz a mudança de direção à esquerda e à especial cautela que este tipo de manobra implica,

17. - quer pelas medidas da hemifaixa onde ocorreu o embate e ponto de embate, no guarda lamas dianteiro do veículo ligeiro e atento também o comprimento do veiculo ligeiro,

18. O Condutor do veículo ligeiro BJ, contribuiu de forma determinante para que o acidente ocorresse como ocorreu, havendo também culpa do seu lado da produção do acidente.

19. Ao decidir como decidiu o tribunal “ a quo” violou, os artigos 35º e 44º, n.ºs 1 e 2 do Código da Estrada.

20. À cautela e aderindo na integra ao raciocínio feito na sentença, pelo Tribunal “ a quo” – mas não à conclusão que chega - e ao circunstancialismo do acidente sub judice, será sempre de aplicar ao caso a solução da concorrência entre o risco da actividade do agente e um facto culposo do lesado, com base na nova interpretação, conjugada, do disposto nos artigos 505º e 570º nº 1 do Código Civil, como perfilhado pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça referido na sentença recorrida.

21. Ao concluir pela inaplicabilidade do regime da responsabilidade pelo risco o Tribunal “a quo”, violou os artigos 505º e 570º, n.º 1 do Código Civil;

Nestes termos deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser revogada a sentença proferida pelo Tribunal “a quo” substituindo-se por outra, que:

- Conclua pela existência de culpa do condutor do veículo ligeiro BJ, na produção do acidente e condene a R. seguradora ao pagamento dos valores peticionados;

Se assim não se entender:

- Decida pela aplicação ao caso sub judice do regime da responsabilidade pelo risco, devendo a Ré seguradora ser condenada ao pagamento do[s] valores peticionados.

Com o que se fará JUSTIÇA!».

A R. (seguradora) apresentou contra-alegação, pugnando pela rejeição da impugnação da decisão de facto – por inobservância do ónus de indicação exata das passagens da gravação da prova pessoal convocada – e pela improcedência do recurso.


***

Tal recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo então sido ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, onde foram mantidos o regime e o efeito fixados.

Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.


***

II – Âmbito do recurso

Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso ([3]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil em vigor (doravante, NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 –, importa decidir, em matéria de facto e de direito, no essencial, sobre as seguintes questões ([4]):

a) Admissibilidade de junção de prova documental na fase de recurso (questão prévia);

b) Impugnação da decisão relativa à matéria de facto: admissibilidade e procedibilidade;

c) Culpa (exclusiva ou concorrente) do condutor do veículo seguro na R. – em termos de reapreciação da dinâmica e causas do acidente –, determinando a responsabilidade da Apelada (ou a repartição de responsabilidades);

d) Concorrência entre o risco (do lesante) e a...

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