Acórdão nº 1628/19.0TELSB-I.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-10-18

Data de Julgamento18 Outubro 2023
Número Acordão1628/19.0TELSB-I.P1
Ano2023
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Recurso PENAL n.º 1628/19.0TELSB-I.P1
2ª Secção Criminal

Conferência/Reclamação
[Arresto/Urgente]

Relatora: Maria Deolinda Dionísio
Adjuntos: Maria dos Prazeres Silva
Moreira Ramos

Comarca: Porto - Tribunal: Porto/Juízo de Instrução Criminal-J4
Processo: Arresto n.º 1628/0TELSB-A
[apenso ao Inquérito da Procuradoria Europeia da Delegação do Porto n.º 1628/0TELSB]
*
Requerente: Ministério Público
Requerida/Recorrente/Reclamante: AA

***



Acordam os Juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto:

I - RELATÓRIO
a) Inconformada com a decisão sumária que não conheceu o recurso por si interposto, por intempestivo e ilegal, veio a recorrente AA, com os demais sinais dos autos, reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no art. 417º, n.º 8, do Cód. Proc. Penal, invocando, para o efeito, as seguintes razões: (transcrição)
(…)
Na sequência de arresto preventivo decretado em 28/11/22, a reclamante por requerimento autónomo invocou a nulidade da decisão de arresto e posteriormente recorreu da mesma.
Baseou aquele primeiro requerimento de nulidade no que segue:
a) O Ministério Público (doravante MP) não deduziu previamente liquidação;
b) O Ministério Público apurou estimativamente o valor da vantagem do crime e não alegou qual o valor do património incongruente da requerente AA aqui recorrente;
c) Havia falta de verificação dos pressupostos do arresto, pois que o MP não alegou ou provou qual o valor dos bens cujo arresto pretendia com violação do princípio da proporcionalidade e da subsidiariedade, não se alegando valores depositados ou a depositar ou oneração de bens a arrestar.
d) Ocorria inexistência de alegação ou prova de factos que levassem a concluir que a providência de arresto pedida era única que salvaguardava os interesses do Estado, quanto a uma possível decisão final de perdimento, assim afastando a aplicação de qualquer outra medida de garantia patrimonial, fosse a caução económica, o arresto clássico ou mesmo a medida de controlo das contas bancárias,
e) A decisão proferida não alinhava qualquer facto de onde extraísse que a aplicação de qualquer das outras medidas cautelares fosse insuficiente que não fossem os factos que decorrem da aplicação de qualquer outra medida de garantia patrimonial;
f) Quer na petição de arresto, quer na decisão a factualidade dada como provada ainda que indiciariamente era conclusiva, e, como tal, devendo ser considerada como não escrita (podendo ser apta à aplicação de qualquer outra das medidas cautelares previstas).
g) A remessa, na decisão de arresto, para os meios de prova indicados no Ministério Público, que não foram notificados dos documentos que lhe dizia respeito, nem na decisão, sendo ainda que na petição não se individualizam documentos ou se diz que folhas do processo se encontram.
h) Quanto a esta parte da decisão nenhuma fundamentação se apresentava, sendo certo que nenhum facto era alegado de suporte a tal pretensão do Ministério Público ou indício de que a requerente AA e outros requerentes podiam continuar a actividade criminosa, pois que se assim fosse, com certeza estaria submetido a uma medida de coacção, o que não aconteceu.
i) Depois, a decisão proferida determinou ainda que não ficasse impedido o lançamento a crédito de novas verbas nas contas arrestadas, mas estas ficaram contempladas pelo arresto, sendo que nenhuma fundamentação foi apresentada.
j) Depois, considerou-se que os meios de prova não foram identificados, não foram dados como provados ou não provados os factos alegados pelo MP pelo que a decisão sempre seria nula por falta de fundamentação, sendo que se referiu ainda que tal nulidade seria cognoscível em sede de recurso, mas que, sempre se deixava naquele requerimento alegada e invocada.
Por decisão de datada de 28/07/2023, o Mmo Juiz de Instrução Criminal, veio a dar sem efeito o despacho judicial de fls. 944, na parte em que admitiu o recurso interposto entre outros pela aqui Reclamante AA, rejeitando o recurso apresentado.
A arguida recorrente não se conformando com tal decisão apresentou reclamação junto do Venerando Presidente desta Relação que acabou por obter vencimento, ordenando-se o prosseguimento do recurso.
Posteriormente, e na sequência de apresentada reclamação veio o Venerando Tribunal da Relação do Porto, por intermédio da Veneranda Desembargadora Relatora, pronunciar-se através da presente decisão sumária decidindo não conhecer o recurso.
(…)
O requerimento que a decisão reclamada apelida como inominado não pode, de forma alguma, ser encarado como oposição ao arresto. Na verdade, a decisão reclamada aceitou, do ponto de vista da reclamante acriticamente, que o requerimento apresentado pela mesma constituía um articulado de oposição ao arresto.
Ora, tal requerimento nem formal, nem substancialmente é uma oposição ao arresto, nem poderia ser, como a seguir se verá.
Em primeiro lugar, apesar de “inominado”, no requerimento que se apresentou fez-se um pedido – o do decretamento da nulidade do despacho que decretou o arresto por falta de fundamentação, pelo que, desde logo tal requerimento não constitui ou constituía uma oposição ao arresto.
Em segundo lugar, dispõe o artº 372º do CPC que:
1 - Quando o requerido não tiver sido ouvido antes do decretamento da providência, é-lhe lícito, em alternativa, na sequência da notificação prevista no n.º 6 do artigo 366.º:
a) Recorrer, nos termos gerais, do despacho que a decretou, quando entenda que, face aos elementos apurados, ela não devia ter sido deferida;
b) Deduzir oposição, quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinem a sua redução, aplicando-se, com as adaptações necessárias, o disposto nos artigos 367.º e 368.º.
2 – (…)
3 - No caso a que se refere a alínea b) do n.º 1, o juiz decide da manutenção, redução ou revogação da providência anteriormente decretada, cabendo recurso desta decisão, e, se for o caso, da manutenção ou revogação da inversão do contencioso; qualquer das decisões constitui complemento e parte integrante da inicialmente proferida.
O que venha a ser oposição ao arresto encontra-se taxativamente definido na al. b) do nº1 da referida norma.
Para que se considere oposição, o Oponente deve alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinem a sua redução.
Ora, no seu requerimento a reclamante não alegou factos (que aqui devem ser entendidos como factos novos relativamente à petição de arresto), nem os do arresto, nem factos novos, nem requereu a produção de meios de prova.
Daí que, não podendo ser considerado como oposição, o requerimento em causa nunca poderia fazer funcionar o nº3 da supra transcrita norma que determina que a decisão proferida sobre a oposição faz parte integrante desta.
Aliás, se o requerimento fosse entendido pelo Tribunal como oposição ao arresto – e não foi como a seguir se verá – este teria que ser liminarmente indeferido, precisamente por não alegar factos ou pretender a produção de meios de prova.
Daí que, não se pode afirmar (como o faz a decisão sumária) que o deduzido “requerimento (de invocação de nulidade) (…) invocou factos e discorreu longamente sobre as razões que, em seu entender, contrariavam os fundamentos da providência.”
Na verdade, naquele requerimento de invocação de nulidade não foram invocados factos “não tidos em conta pelo tribunal” (artº 372º nº 1 al, b).
O que se disse naquele requerimento foi que inexistiam os pressupostos do arresto, porquanto os factos dados como provados eram conclusivos e como tal deveriam ser considerados como não escritos e que a decisão padecia de nulidade por falta de fundamentação de facto.
Por outro lado, também não se pode afirmar igualmente que o Tribunal tenha levado em conta tal requerimento como sendo uma oposição.
Isto porque, desde logo resultaria incompreensível que o arresto tivesse sido decretado em Novembro de 2022 e a oposição julgada em Julho de 2023 – quase um ano depois.
Por outro lado, se o Tribunal entendesse que o requerimento constituía uma oposição, não deixaria de aplicar o Regulamento das Custas Processuais que imporia o pagamento de taxa de justiça inicial, ou a notificação da reclamante para efectuar tal pagamento.
Acresce que, o Tribunal a quo não procedeu à designação de audiência final nos termos do artº 367º do Código de Processo Civil, para produção de prova que, em face do alegado, determinasse oficiosamente ou que pudesse a “oponente” exercer contraditório em relação à “prova” do arresto ou sequer para alegações orais.
O que sucede (ou melhor, tem sucedido) é que o Tribunal e o MP em 1ª instância (e ao que parece junto desta Relação) alterna a aplicação do processo civil e do processo penal, conforme as posições dos arguidos.
A verdade é que as normas de processo civil aplicam-se ao arresto preventivo como àquele previsto na Lei 5/02 com as necessárias adaptações.
Com efeito, a aplicação do processo civil apenas se pode dar nos casos omissos – artº 4º do CPP – e, apesar da aplicação da norma do artº 372º do CPC dever ser aplicável ao arresto penal, certo é que já não se aplicam as normas do processo civil, porque nenhuma lacuna existe para integrar, quanto à arguição de nulidades.
E quanto à arguição de nulidade por falta de fundamentação do despacho que decreta o arresto preventivo, este Tribunal da Relação do Porto foi taxativo, designadamente no acórdão de 29/3/17, publicado in www.dgsi.pt e relatado por Lígia Figueiredo, no qual se disse em sumário:
I – O arresto previsto no artº 10º 1 da Lei nº 5/2002 é uma medida de garantia patrimonial, a que é aplicável o CPP, sendo decretado por despacho.
II – A falta de fundamentação de tal despacho constitui nulidade, devendo ser arguida no prazo de 10 dias perante o tribunal
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