Acórdão nº 16/20.0T9STS.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2024-01-10

Ano2024
Número Acordão16/20.0T9STS.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. nº 16/20.0T9STS.P1

Tribunal de origem: Juízo Local Central de Santo Tirso, Juiz 1 – Tribunal Judicial da Comarca do Porto

Acordam em conferência os Juízes da 1ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO

No âmbito do processo comum (tribunal singular) nº 16/20.0T9STS que corre termos no Juízo Local Criminal de Santo Tirso – Juiz 1, em 27/10/2022 foi proferida Sentença, cujo dispositivo é do seguinte teor:
«V. DECISÃO
Pelo exposto, julga-se improcedente a acusação deduzida, em função do que se decide:
a) Absolver o arguido AA da prática, como autor material, na forma consumada e continuada, de um crime de violação da obrigação de alimentos, p. e p. nos termos do art. 250.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal.
b) Sem custas, conforme art. 522.º do Código de Processo Penal.
E,
c) Quanto ao pedido de indemnização civil formulado pela demandante BB, por si e na representação do menor CC, julga-se o mesmo totalmente improcedente, e, em consequência decide-se:
Absolver o demandado AA do pedido de indemnização civil contra si formulado;
- Sem custas, atenta a isenção legal prevista no art. 4.º, n.º 1, al. n), do R.C.P...»

Inconformada com a decisão, dela recorreu, em 01/12/2022, a assistente BB, extraindo da motivação as seguintes conclusões:
A-) A Recorrente discorda da decisão que absolveu o arguido AA da acusação como autor material, na forma consumada e continuada, de um crime de violação da obrigação de alimentos, previsto e punido pelo art. 250º, nºs 1 e 2, e 30º, nº 2, ambos do CPenal (e, concomitantemente, do pedido de indemnização civil deduzido) aplicada pela sentença absolutória proferida pelo Tribunal a quo;
B-) A Recorrente não pode concordar e conformar-se com a decisão que absolveu o arguido AA da acusação como autor material, na forma consumada e continuada, de um crime de violação da obrigação de alimentos, previsto e punido pelo art. 250º, nºs 1 e 2, e 30º, nº 2, ambos do CPenal (e, concomitantemente, do pedido de indemnização civil deduzido) aplicada pela sentença absolutória proferida pelo Tribunal a quo,
C -) Salvo melhor opinião, o tribunal a quo, não decidiu da melhor forma quando absolveu o arguido AA da acusação como autor material, na forma consumada e continuada, de um crime de violação da obrigação de alimentos, previsto e punido pelo art. 250º, nºs 1 e 2, e 30º, nº 2, ambos do CPenal (e, concomitantemente, do pedido de indemnização civil deduzido);
D-) Desde logo, não devia o Tribunal Recorrido ter dado como provado a matéria dada como provada nos pontos 12, 13 e 14 da mesma:
“12. A esposa do arguido é doméstica, não beneficiando de qualquer rendimento.
13. Nos anos de 2020 e 2021, por períodos de tempo não concretamente apurados, o arguido esteve impossibilitado de trabalhar devido a uma intervenção cirúrgica a uma hérnia e a um internamento por distúrbios psiquiátricos.
14. Nos anos de 2020 e 2021, em meses não concretamente apurados, o arguido, por incapacidade financeira, chegou a incorrer no incumprimento do pagamento da renda da habitação onde reside, teve cortes de eletricidade e viu-se impossibilitado de colocar a sua filha no infantário.”
E-) Através do presente Recurso, pretende a Recorrente que tais factos passem a constituir matéria de facto dada como não provada, pois considera que o douto Tribunal Recorrido fez uma incorrecta apreciação da valoração da prova produzida quanto a estes factos.
F-) Relativamente ao ponto “12. A esposa do arguido é doméstica, não beneficiando de qualquer rendimento.”, a prova produzida, e tida em conta pelo Tribunal Recorrido para dar como provado o mesmo, é insuficiente para poder dado como provado que a esposa do Arguido não beneficia de qualquer rendimento;
G-) Na fundamentação constante da sentença relativamente à formação da sua convicção quanto a este ponto, o Tribunal recorrido suporta-se apenas no depoimento das testemunhas DD e EE, amigos de longa data do Arguido, depoimentos por natureza parciais, em acréscimo à falibilidade da prova testemunhal;
H-) Em nenhum momento, o Tribunal recorrido retirou do depoimento daquelas duas testemunhas que a esposa do Arguido não beneficiasse de qualquer outro rendimento, e nem é, sequer, necessário recorrer ao senso e à experiência comum, a verdade é que, com base apenas no depoimento dessas duas testemunhas (DD e EE), apenas se poderá retirar, quando muito, que a esposa do Arguido é doméstica e que não trabalha;
I-) Razões pelas quais deve ser expurgado do ponto 12 da matéria dada como provada a parte “não beneficiando de qualquer rendimento.”.
J-) Já quanto ao ponto 13 da matéria dada como provada, a prova produzida, e tida em conta pelo Tribunal Recorrido para dar como provado o mesmo, é insuficiente para poder dado como provado que “Nos anos de 2020 e 2021, por períodos de tempo não concretamente apurados, o arguido esteve impossibilitado de trabalhar devido a uma intervenção cirúrgica a uma hérnia e a um internamento por distúrbios psiquiátricos.”,
K-) Na fundamentação constante da sentença relativamente à formação da sua convicção quanto a este ponto, o Tribunal recorrido volta a suportar-se unicamente no depoimento das mesmas testemunhas DD e EE, desprovido de qualquer outro meio de prova documental que corrobore a referida intervenção cirúrgica e o internamento por distúrbios psiquiátricos, sendo nada verosímil que, o Arguido nunca tivesse vindo a alegar nos presentes Autos esses factos em sua defesa, nem tenha apresentado documentos comprovativos de tal intervenção cirúrgica e de tal internamento, emitidos pelas respectivas entidades de saúde que prestaram tais serviços ao mesmo, ou de documentos que atestassem a incapacidade para trabalhar daí decorrente e o período efectivo que duraram as mesmas (nomeadamente as vulgarmente conhecidas por baixas médicas);
L-) Por isso, mal andou o Tribunal Recorrido ao valorar o depoimento de testemunhas para prova de um facto favorável ao Arguido que este podia (e devia, sendo verdade e querendo usar isto a seu favor) ter facilmente alegado e provado através de documentos emitidos pelas entidades de saúde competentes;
M-) Por último, igualmente, a prova produzida e tida em conta pelo Tribunal Recorrido para dar como provado o mesmo, é insuficiente para poder dado como provado que “14. Nos anos de 2020 e 2021, em meses não concretamente apurados, o arguido, por incapacidade financeira, chegou a incorrer no incumprimento do pagamento da renda da habitação onde reside, teve cortes de eletricidade e viu-se impossibilitado de colocar a sua filha no infantário.”,
N-) Na fundamentação constante da sentença relativamente à formação da sua convicção quanto a este ponto, o Tribunal recorrido, mais uma vez, a suportar-se unicamente no depoimento das mesmas testemunhas DD e EE, desprovido de qualquer outro meio de prova documental que corrobore tais depoimentos, designadamente quanto às quantias por si auferidas nos demais meses (designadamente entre Agosto e Dezembro de 2019), aos pagamentos efectuados alegadamente fora de prazo referentes à electricidade e renda da habitação,
O-) Pelo que, o Tribunal Recorrido, fazendo uso a essas mesmas regras da experiência comum, conjugadas com os factos que deu como provados nos outros pontos da matéria da como provada, deveria ter desvalorizado a prova produzida com base unicamente nesses depoimentos, sem qualquer suporte documental que os infirmasse, para mais pelo modo e momento em que os mesmos chegaram aos Autos, e que acima se referiu;
P-) Entende a Recorrente que existiu erro notório da apreciação da prova por parte do Tribunal Recorrido, na apreciação da matéria dada como não provada, uma vez que, salvo melhor opinião, entende que a motivação para não dar como provada factualidade contraria à lógica e às regras da experiência comum, detectável por qualquer cidadão de formação cultural média, bem como uma errada aplicação do princípio in dubio pro reo por parte do Tribunal Recorrido, com que este justificou a decisão de dar como não provada a matéria por si assim designada;
Q-) Não compreende a Recorrente como podem ter sido dados como não provados os seguintes factos e que, no seu entender, deveriam ter sido dado como provados:
“b) (…) apesar de ter possibilidades económicas para efetuar o pagamento da pensão de alimentos devida ao seu filho CC, decidiu, logo após terem sido reguladas as responsabilidades parentais nos termos acima descritos, não proceder ao pagamento de qualquer quantia.
c) O arguido agiu de forma livre, consciente e deliberada, pois apesar de saber que estava obrigado mensalmente a pagar ao seu filho a pensão de alimentos que tinha sido fixada no processo de regulação das responsabilidades parentais, decidiu não proceder ao pagamento de qualquer quantia, pese embora soubesse que tinha condições económicas suficientes para efetuar esse pagamento, nem que fosse parcialmente.
d) O arguido sabia que a sua conduta era prevista e punida por lei penal.”
R-) Quando da matéria de facto dada como provada, em conjugação com as regras da experiência comum e do conhecimento da vida, deveria ter dado como provados os factos constantes das alíneas b), c) e d) dos factos dados como não provados.
S-) Entende a Recorrente que resulta do teor dos supra identificados factos dados [als. b), c) e d)] como não provados pela sentença recorrida, que se está perante factos que, pela sua natureza intrínseca devido a constituírem decisões interiores do seu autor, só podem ser provados através da confissão do Arguido;
T-) Pelo que, relativamente às alíneas b), c) e d) dos factos dados como não provados, decidiu mal o Tribunal Recorrido ao, valorar erradamente a prova produzida, e não integrar estes factos nos factos dados como provados, uma vez que o Tribunal Recorrido deu como provado que o Arguido, durante todo o período temporal em que é acusado de não efectuar o pagamento de quaisquer
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