Acórdão nº 154/23.8T9OLH.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2024-02-05

Ano2024
Número Acordão154/23.8T9OLH.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora
Decisão sumária
Constata-se que a questão a decidir no presente recurso – atinente à competência material para a execução de coima e custas – tem vindo a ser judicialmente apreciada de modo uniforme e reiterado nesta Relação (1), pelo que, nos termos do disposto no artigo 417º, nº 6, alínea d) do CPP, encontra-se legitimada a prolação de decisão sumária

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I - Relatório.

Nos autos de execução de coima e custas que correm termos no Juízo de Competência Genérica de … - J… do Tribunal Judicial da Comarca de …, com o n.º 154/23.8T9OLH, foi proferida decisão de declaração de incompetência material para a sua tramitação.

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Inconformado com tal decisão, veio o Ministério Público interpor recurso da mesma, tendo apresentado, após a motivação, as conclusões que passamos a transcrever:

“1) O Ministério Público promoveu a execução da coima e custas da entidade administrativa, por não terem sido voluntariamente liquidados os valores em dívida por parte do executado.

2) Para o efeito, o Ministério Público submeteu requerimento executivo que deu origem aos presentes autos.

3) Pelo despacho recorrido, o Tribunal a quo decidiu que é absolutamente incompetente em razão da matéria para apreciar a presente acção executiva, considerando que tal competência recai sobre a AT.

4) O legislador não alterou o disposto nos artigos 61.°, 88.° e 89.°, do RCP, mantendo- se a competência para a execução da coima administrativa não paga junto dos Tribunais.

5) Perante a actual redação do artigo 35.°, do RCP, apenas se considera admissível que a AT tenha competência para a execução das custas da entidade administrativa. No que respeita à coima, o legislador não atribuiu essa competência à Autoridade Tributária.

6) Ao julgar que é absolutamente incompetente em razão da matéria para apreciar a acção executiva que deu origem aos presentes autos, com o devido respeito por opinião contrária, o tribunal a quo violou o disposto nos artigos 61.°, 88.°, e 89.°, do RGCO, 35.°, do RCP, e 64.°, do CPC, por força do disposto no artigo 4.°, do CPP.

7) Numa interpretação conforme com o disposto nos artigos antecedentes e demais disposições legais aplicáveis, consideramos que o tribunal recorrido nunca se poderia declarar materialmente incompetente para proceder à execução da coima, por se verificar que o Juízo de Competência Genérica de …, do Tribunal Judicial da Comarca de …, é territorialmente e materialmente para apreciar a presente acção executiva, devendo os autos prosseguir os seus ulteriores termos.

8) Deve, assim, ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, determinando-se, consequentemente, que prossiga a presente execução relativamente à coima aplicada pela entidade administrativa e, eventualmente, relativamente às custas aplicadas pela entidade administrativa, caso se entenda que o Tribunal recorrido é igualmente competente para a sua execução.”

Termina pedindo a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que que receba o requerimento executivo.

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O recurso foi admitido, tendo no despacho de admissão o tribunal recorrido consignado que: “(…) Nos termos do disposto no artº 641º do CPC ex vi do art.º 414º, nº4º do C.P.P., procede-se a despacho de apreciação da nulidade invocada nos seguintes termos (…)”. Ora, não tendo sido arguida no recurso qualquer nulidade relativamente à decisão recorrida, inexiste fundamento de ordem processual para conhecimento de tal vício nos termos das invocadas normas, pelo que se terá como não escrita tal parte do aludido despacho.

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A Exmª. Procuradora Geral Adjunta neste Tribunal da Relação emitiu parecer, tendo-se pronunciado pela procedência do recurso e tendo concluído da seguinte forma:

“(…) ponderados os termos da motivação do recurso interposto pelo Ministério Público, manifestamos a nossa concordância com os seus termos, na parte relativa à execução relativa à coima.

Na verdade, tal como constitui entendimento do Ministério Público, nomeadamente, junto deste Tribunal de Recurso, é aos Tribunais que assiste competência para processar e decidir o processo de execução relativo à cobrança de coima resultante de decisão de autoridade administrativa. Sucede até que, em resultado de oposição de julgados sobre este mesmo tema, interpôs já o Ministério Público recurso extraordinário para fixação de jurisprudência.

É, pois, assim, que neste caso se adere à motivação do Ministério Público recorrente, com a delimitação que dela deve ser feita ao caso da coima, como suprarreferido, sendo, portanto, o nosso parecer de que deve o presente recurso obter provimento.”

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Cumpre apreciar e decidir.

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II – Fundamentação.

II.I Delimitação do objeto do recurso.

Nos termos consignados no artigo 412º nº 1 do CPP, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente na sua motivação, as quais definem os poderes cognitivos do tribunal ad quem, sem prejuízo de poderem ser apreciadas as questões de conhecimento oficioso.

Em obediência a tal preceito legal, a motivação do recurso deverá enunciar especificamente os fundamentos do mesmo e deverá terminar pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, nas quais o recorrente resume as razões do seu pedido, de forma a permitir que o tribunal superior apreenda e conheça das razões da sua discordância em relação à decisão recorrida.

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Assim, considerando as conclusões apresentadas pelo recorrente – e sem prejuízo de primeiramente analisarmos a questão da recorribilidade da decisão recorrida – é apenas uma a questão a apreciar e a decidir quanto ao mérito do recurso, a saber:

- Determinar se a decisão recorrida, ao declarar a sua incompetência material para tramitar a presente execução por coima e custas violou os critérios de atribuição de competência legalmente previstos.

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II.II - A decisão recorrida.

A apresentação pelo Ministério Público do requerimento executivo mereceu por parte do Tribunal a quo a seguinte decisão:

“Iniciaram-se os presentes autos executivos com requerimento executivo apresentado pelo Ministério Publico, para cobrança de coima, devida ao Município de ….

Estabelece o actual art.° 35° do Regulamento das custas processuais (após - Lei n.° 27/2019, de 28/03) o seguinte:

1 - Compete à administração tributária, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, promover em execução fiscal a cobrança coerciva das custas, multas não penais e outras sanções pecuniárias fixadas em processo judicial.

2 - Cabe à secretaria do tribunal promover a entrega à administração tributária da certidão de liquidação, por via eletrónica, nos termos a definir por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, juntamente com a decisão transitada em julgado que constitui título executivo quanto às quantias aí discriminadas.

3 - Compete ao Ministério Público promover a execução por custas face a devedores sediados no estrangeiro, nos termos das disposições de direito europeu aplicáveis, mediante a obtenção de título executivo europeu.

4 - A execução por custas de parte processa-se nos termos previstos nos números anteriores quando a parte vencedora seja a Administração Pública, ou quando lhe tiver sido concedido apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo.

5 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, a execução por custas de parte rege-se pelas disposições previstas no artigo 626.° do Código de Processo Civil.

Com a actual redacção da sobredita norma, o Ministério Publico no âmbito da jurisdição criminal junto dos Juizos Locais criminais tem competência unicamente para instaurar execução por multa devida nos processos e indemnizações arbitradas aos ofendidos/vitimas dos processos criminais.

Todos os demais valores são cobrados pela A.T. após emissão da competente certidão de divida no processo.

É aliás este o entendimento vertido no parecer n.° 27/2020, de 04-10 do Ministério Publico. Fazendo, como se entende, todo o sentido que se o Ministério Publico junto do tribunal não tem competência para cobrar as custas devidas no próprio processo, não poderá executar custas ou coimas devidas em qualquer outro processo de natureza administrativa, junto de qualquer outra entidade.

Em face do exposto, e tendo em conta o objecto da presente execução, constatamos que este Tribunal é absolutamente incompetente, em razão da matéria, para apreciar e a presente acção executiva, a qual entendemos ser da Autoridade Tributária.

A incompetência absoluta em razão da matéria verificada constitui excepção dilatória, de conhecimento oficioso e a todo o tempo, e importa a absolvição do Executado da instância, nos termos do disposto nos artigos 65°, 97°, 98°, 99° e 577°, al. a) do Código de Processo Civil.

Registe e Notifique.

Após trânsito:

-Existindo alguma penhora nos autos proceda ao seu imediato cancelamento.

- Existindo valores pagos proceda notificação do executado com informação dos respectivos valores.

- Remeta os autos à...

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