Acórdão nº 154/21.2GAMNC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2023-05-02

Ano2023
Número Acordão154/21.2GAMNC.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes desta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I – RELATÓRIO:

I.1 No âmbito do Processo Comum (Tribunal Singular) nº 154/21...., do Tribunal Judicial da Comarca ... – Juízo de Competência Genérica ..., no dia 26.09.2022, foi proferida e depositada sentença com o seguinte dispositivo (referências ...63 e ...94, respetivamente):

“Nestes termos, o Tribunal decide:
▪ Condenar o arguido AA, em autoria material e na forma consumada de 1 (um) crime de ofensa à integridade física simples (p. e p. pelo artigo 143º, nº 1, do Código Penal) na pena de 240 (duzentos e quarenta) dias de prisão;
▪ Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada de 1 (um) crime de injúria (p. e p. pelo artigo 183º, nº 1, do Código Penal) na pena de 60 (sessenta) dias de prisão;
Em cúmulo jurídico condenar o arguido AA na pena única de 280 (duzentos e oitenta) dias de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo com regime de prova e subordinada à condição de pagar a indemnização infra fixada à ofendida;
▪ Julgar parcialmente procedente, por parcialmente provado, o pedido de indemnização civil e, consequentemente, condenar o arguido AA no pagamento à demandante (assistente) de compensação no valor de 500,00€ (quinhentos euros) acrescido de juros de mora à taxa legal desde a prolação da presente sentença até efectivo e integral pagamento;
▪ Condenar o arguido AA no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 U.C. (duas unidades de conta);”

I.2 Inconformado com tal decisão, dela veio o arguido AA interpor o presente recurso, que na sua motivação culmina com as seguintes conclusões e petitório (referência ...16):

“A- O tribunal “a quo” condenou o arguido pelos crimes de que vem acusado, fundamentando a sua sentença na matéria de facto dado como provada;
B- A audiência de julgamento decorreu na ausência do arguido, tendo o tribunal “a quo” determinado a elaboração de relatório social às condições sócio económicas do arguido, nos termos do artº 370º do C.P.P.
C- Ora, o relatório social nunca chegou a ser remetido para o tribunal, não tendo sido possível proceder a sua elaboração por parte da entidade competente para o efeito, a D.G.R.S.P – ....
D- Impossibilidade devida, num primeiro tempo, a falta de comparência do arguido e, numa segunda tentativa, por falta de notificação do arguido, impossibilitando a sua comparência e elaboração do relatório social.
E- Nada mais tendo sido feito e solicitado pelo tribunal no sentido de averiguar das condições socioeconómicas e familiares do arguido, apesar de diversas diligências legalmente previstas para a realização do mesmo.
F- No ponto E) da motivação da sentença do Tribunal, no que diz respeito a escolha e determinação da medida da pena, é feita referência ao artigo 71°, n.°2 do Código Penal onde às condições pessoais do arguido e à sua situação económica são elencadas como pressupostos importantes quanto a escolha e determinação da medida da pena;
G- Assim como, em aplicação do artigo 77°, n.°1 do C.P, o tribunal “a quo” atendeu à personalidade do arguido somente com a consulta do Certificado de registo criminal, por não ter a sua disposição o relatório social que nunca foi elaborado e junto aos autos.
H- Ora, a matéria sobre as condições pessoais do arguido e sua situação económica – [cf. al. d), do n.º 2, do artigo 71º do Código Penal], é essencial para as próprias opções, em sede de penas, tomadas pelo tribunal.
I- Esse relatório não é obrigatório, mas é peça essencial para a operação da determinação da medida da pena, sobretudo em casos em que se cogita a aplicação de penas privativas de liberdade relativamente a um arguido não presente em audiência e estando ele à completa revelia do processo.
J- Condenando o Arguido sem que tivesse sido elaborado Relatório Social, decidiu o douto tribunal "a quo" sem matéria de facto bastante, e sem conhecer a personalidade do agente e suas condições de vida.
K- Ora neste caso, apesar de ser referido na sentença a necessidade e importância de ter em consideração na escolha e determinação da medida da pena, os pressupostos enumerados no artigo 71.º, n.º2 do Código Penal, nomeadamente, às condições pessoais do agente e à sua situação económica, à conduta posterior e anterior ao facto e à falta de preparação, revelada através dos factos, para manter uma conduta conforme às prescrições ético-jurídicas, o Tribunal só e unicamente considerou o certificado de registo criminal no ponto 11 dos factos provados.
L- A falta de elementos probatórios bastantes, que pudessem ser veiculados através do relatório social aos autos, por forma a poderem vir ancorar a espécie e medida da pena a aplicar, constitui, a nosso ver, o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos do artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do CPP.
M- Significa isto que a decisão se mostra «amputada» de aspetos relevantes para a ponderação da Questão da determinação da sanção [artigo 369º do CPP], o que encontra eco na exiguidade dos fatores considerados em sede de determinação da pena, os quais - para além daqueles que já fazem parte do tipo e por isso insuscetíveis de ser de novo valorados -, no essencial, se quedaram pelos antecedentes criminais do arguido.
N- Deste modo, enferma a sentença recorrida do vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão, isto é, para uma decisão jurídica criteriosa nos termos do artigo 410º, n.º 2, al. a) do CPP.
O- Concluindo-se pelo provimento do presente recurso e, em consequência, pela anulação da sentença e o reenvio do processo para novo julgamento nos termos do artigo 426° do C.P.P.

Termos em que, decidindo-se em conformidade com as conclusões que antecedem se fará JUSTIÇA!”

Na primeira instância, a Digna Magistrada do Ministério Público, notificada do despacho de admissão do recurso formulado pelo arguido, nos termos e para os efeitos do artigo 413.º, n.º 1 do CPP, apresentou a sua douta resposta, invocando pertinente jurisprudência e pugnando a improcedência do recurso e consequente manutenção da decisão recorrida (referência ...37).

I.3 Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer em que, perfilhando a posição assumida pelo MP em primeira instância, aduz outra jurisprudência e sustenta a improcedência do recurso (referência ...29).
Cumprido o disposto no art. 417º, nº2 do CPP, não foi deduzida resposta ao sobredito parecer.
Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, cumprindo, pois, conhecer e decidir.
*

II – ÂMBITO OBJETIVO DO RECURSO (thema decidendum):

É hoje pacífico o entendimento doutrinário e jurisprudencial de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí inventariadas (elencadas/sumariadas) as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente dos vícios indicados no Artº 410º, nº 2, do Código de Processo Penal (ulteriormente designado, abreviadamente, CPP).[1]
Assim sendo, no caso vertente, a questão que importa dilucidar é a de saber se a sentença recorrida enferma de vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (cf. art. 410º, nº2, al. b), do CPP), por falta de elaboração de relatório social relativo às condições pessoais e sociais do arguido.
*
III – APRECIAÇÃO:

Sustenta o arguido/recorrente, em síntese, que não foi elaborado relatório social concernente às suas condições socio-económicas, nos termos do art. 370º do CPP, pelo que, sendo tais condições relevantes para a escolha do tipo e medida da pena a aplicar (cf. arts. 71º, nº2, al. d) e 77º, do CP, e art. 369º do CPP), o Tribunal a quo decidiu sem matéria de facto bastante e sem conhecer a personalidade do agente e suas condições de vida, verificando-se assim o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (cf. art. 410º,...

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