Acórdão nº 153/19.4GBVRS.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2023-02-07

Data de Julgamento07 Fevereiro 2023
Ano2023
Número Acordão153/19.4GBVRS.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora


Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I. RELATÓRIO
1. Da decisão
No Processo Comum Singular n.º 153/19.4GBVRS, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro Juízo de Competência Genérica de Vila Real de Santo António - Juiz 1, submetido a julgamento por acusação do MP, foi o arguido AA[1], absolvido do crime imputado na acusação pública de condução de veículo sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, previsto e punível pelos artigos 292.º, n.º 2 e 69.º, n.º 1, alínea a) do CP.

2. Do recurso
2.1. Das conclusões do Ministério Público
Inconformado com a decisão o MP interpôs recurso extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição):
“1.ª – O presente recurso vem interposto da douta sentença que absolveu o arguido AA da prática do crime de Condução de veículo sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, p. e p. pelos arts. 292.º, n.º 2 e 69.º, n.º 1, al. a) do Código Penal.
2.ª – Crê-se, que o douto Tribunal «a quo» julgou erradamente os factos descritos nos pontos 10- e 11- do elenco dos factos não provados da fundamentação da sentença em crise, os quais, caso não tivesse incorrido, designadamente, no vício de julgamento traduzido no erro notório na apreciação da prova que se descreverá, deveriam constar do elenco dos factos provados.
3.ª – Nos presentes autos foi produzida prova pericial realizada pelo Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I.P. – Delegação do Sul [doravante INMLCF, I.P.] traduzida na elaboração de três relatórios periciais, a saber:
1 - Relatório do exame de sangue do arguido colhido no dia 06-08-2019, às 21h55, após o despiste que sofreu nesse dia, pelas 19h00, quando conduzia um motociclo – cfr. fls. 7 e 8 – no qual, e para o que ora releva, aquele INMLCF, I.P. constatou a presença no sangue do arguido de Benzoilecgonina (metabolito da cocaína) numa concentração de <25 ng/ml de sangue;
2 – Relatório com a resposta a quesitos que lhe foram formulados para saber se presença de tal substância estupefaciente em tal concentração no sangue do arguido no momento da condução, teve como consequência que não estivesse em condições de conduzir veículo a motor na via pública com segurança por se encontrar sob a influência de estupefacientes – cfr. fls. 22 e 23 -, no qual aquele INMLCF, I.P. concluiu o seguinte (al. f) do Relatório pericial): «(…) consideramos que o condutor não estaria em condições de conduzir um veículo automóvel na via pública em condições de segurança»;
3 - Relatório com a resposta a quesito complementar que lhe foi formulado para saber se a conclusão do Relatório pericial anterior se manteria mesmo que o arguido não tivesse consumido álcool (como consumiu) – cfr. referência (Citius) n.º ...09 de entrada no processo electrónico, de 13.04.2022 (não paginado) -, no qual aquele INMLCF, I.P. não invalidou a conclusão final do 1.º Relatório pericial e concluiu que (al. b) do Relatório pericial) «(…) No caso da cocaína um risco de acidente grave em condutores que consumiram é 3 vezes superior comparativamente a condutores que não consumiram».
4.ª – Apesar das conclusões periciais apresentadas pelo Sr.º Perito do Serviço de Química e Toxicologia Forense do INMLCF, I.P., retira-se da fundamentação da matéria de facto da douta sentença que o Tribunal «a quo» não aceitou o valor da prova pericial fixado no art.º 163.º, n.º 1 do Código de Processo Penal relativamente às duas últimas perícias daquele INMLCF, I.P. que constam dos Relatórios Periciais de fls. 22 e 23 e no processo electrónico com a referência (Citius) n.º ...09, de 13.04.2022 (não paginado), porque não reconheceu validade às conclusões formuladas pelo Perito as quais, no entendimento do Tribunal recorrido, são insuficientes, por não conterem os conhecimentos e as informações necessárias para poder afirmar – como afirmou - que, no momento do acidente de viação que o arguido sofreu como condutor do motociclo de matrícula ....GZB e da acção de fiscalização policial com recolha de sangue que se seguiu, o arguido não estava em condições de conduzir com segurança por se encontrar sob a influência de estupefacientes, já que não fez constar das respectivas conclusões periciais que (1.º) o acidente de viação do arguido se deu devido à diminuição de tais condições de segurança por se encontrar sob a influência de estupefacientes; (2.º) não discutiu, mormente, o lapso temporal entre o momento do consumo e o momento da produção do acidente.
Ou seja, retira-se daquela fundamentação que o Tribunal «a quo» divergiu do juízo científico e técnico contido nas conclusões da prova pericial plasmadas nos mencionados Relatórios periciais porque entendeu, em oposição com as conclusões afirmadas pelo Sr. Perito, que na análise aos resultados do exame de sangue do arguido após o acidente de viação, aquele Sr.º Perito não tendo afirmado os nexos de causalidade entre o consumo de cocaína e a produção do acidente de viação e não tendo discutido o lapso temporal entre o momento do consumo e o momento da produção do acidente, o Sr. Perito não podia ter formulado conclusões sobre o objecto do processo no sentido de afirmar, como afirmou, que nas condições que revelam os resultados do exame de sangue do arguido (constantes do 1.º Relatório pericial) e com os conhecimentos científicos actuais que possui:
•«(…) considera[mos] que o condutor não estaria em condições de conduzir um veículo automóvel na via pública em condições de segurança (cfr. al. f) do 1.º Relatório pericial - fls. 23); e que
•«No caso da cocaína um risco de acidente grave em condutores que consumiram é 3 vezes superior comparativamente a condutores que não consumiram» (cfr. al. b) do 2.º Relatório pericial).
5.ª – Afigura-se, porém, com o devido respeito e salvo melhor entendimento de V. Exas., que o Tribunal «a quo» não foi capaz de explicar o raciocínio lógico que percorreu para decidir que a não consideração pelo Sr. Perito do período temporal que mediou entre o momento do consumo da cocaína e a verificação do acidente de viação e recolha de sangue para análise que se seguiu, tinham que impedir o Sr. Perito de afirmar, como afirmou, com base na sua experiência e nos conhecimentos técnicos e científicos que possui, que o arguido não estava em condições de conduzir um veículo automóvel na via por estar sob a influência de estupefacientes.
E, por força desse erro de julgamento, julgou erradamente os factos descritos nos números 10- e 11- do elenco dos factos não provados da fundamentação da sentença, que devem ser considerados como factos provados, e o arguido condenado pelo crime de que foi acusado.
6.ª – Afigura-se ainda, e salvo melhor entendimento de V. Exas., que o Tribunal «a quo» incorreu também nos vícios de contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão, ao afirmar na fundamentação da sentença em crise que com base nas declarações do arguido a que deu credibilidade, deu como provado que o arguido consumiu a cocaína «durante a madrugada do dia do acidente» - cfr. facto provado n.º 3 – e, simultaneamente, e ainda com fundamento nas declarações do arguido, afirmou que se convenceu que o arguido consumiu cocaína «umas horas antes da condução», sendo certo que o acidente de viação ocorreu pelas 19h00 do dia 06-08-2019 e não se sabe quando é que o arguido iniciou a condução.
Ou seja, o Tribunal «a quo» não sabe quando é que o arguido consumiu a cocaína que lhe foi detectada no organismo quando se despistou e lhe foi recolhido sangue para análise, e absolveu-o por discordar das conclusões do Sr. Perito do INMLCF, IP que afirmam que o arguido não estava em condições de conduzir em segurança devido ao consumo da cocaína na quantidade que lhe foi detectada no sangue no momento do acidente de viação, sem fazer depender o sentido das suas conclusões periciais do conhecimento do momento temporal do consumo do estupefaciente e do nexo de causalidade entre o consumo e a produção do acidente de viação, mas tão só da quantidade e qualidade do estupefaciente que apresentava no sangue quando se despistou.
E, por não aceitar este conhecimento pericial, o Tribunal «a quo» absolveu o arguido, sem – contudo – apresentar, apreciar e valorar qualquer argumento científico que invalide as conclusões periciais apresentadas pelo Sr. Perito do Serviço de Química e Toxicologia Forenses do INMLCF, IP.
7.ª – Como se aludiu, os dois únicos fundamentos que o Tribunal «a quo» mencionou para divergir do juízo científico apresentado pelo Sr. Perito nas conclusões das perícias que fez nestes autos, foram (1.º) a circunstância deste não ter discutido sobre eventuais nexos de causalidade entre a origem do acidente de viação do arguido e a falta de condições para conduzir o veículo na via pública em condições de segurança por ter no sangue uma concentração <25 (inferior a vinte cinco) nanogramas de BENZOILECGONINA (metabolito da cocaína) por mililitro de sangue (ng/ml); e (2.º) não ter levado em consideração o hiato temporal entre o momento do consumo da cocaína e o acidente de viação.
8.ª – Ora, entende o Ministério Público que - para além do douto Tribunal «a quo» ter incorrido no vício da sentença traduzido na contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão relativamente à definição do momento do consumo da cocaína, sucessivamente identificado como tendo ocorrido durante a madrugada do dia 06-08-2019 e, como tendo ocorrido umas horas antes da condução, a qual não se sabe quando é que se iniciou, mas tão só que o acidente de viação ocorreu pelas 19h00 desse dia -, o Tribunal «a quo» não cumpriu de forma lógica o dever legal de fundamentar a divergência que assumiu com o juízo científico do Sr. Perito do INMLCF, IP, uma vez que não explicou a razão científica pela qual a não consideração nas perícias do lapso temporal
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