Acórdão nº 1528/22.7T8FAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2023-02-09

Ano2023
Número Acordão1528/22.7T8FAR.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]

I. Relatório
Algartalhos -Supermercados, S.A. veio interpor recurso da decisão proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo do Trabalho de Faro – Juiz 1, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial por si apresentada.
A 1.ª instância confirmou a decisão da Autoridade Para as Condições do Trabalho (ACT) que condenou a recorrente pela prática de uma contraordenação laboral (violação do teletrabalho obrigatório), mas reduziu o valor da coima inicial de € 12.240,00 para o montante de € 9.180,00.
No final das alegações do recurso, a recorrente apresentou as seguintes conclusões:
«1 – A Autoridade para as Condições do Trabalho, no caso em apreço e em sede de decisão, não indicou a disposição legal que determina que a recorrente tenha praticado uma contraordenação, ou seja, em momento algum da decisão administrativa se refere que o comportamento da arguida é subsumível à norma jurídica do artigo 4.º, n.º 1, do Decreto Lei 6-A/2021, de 14 de janeiro;
2 – A indicação das disposições legais aplicáveis constitui uma garantia do processo penal e a sua falta determina a nulidade da decisão, devendo, por isso, a Algartalhos Supermercados, Lda. ser absolvida da prática da contraordenação em que foi condenada.
3 – Existe na decisão da Autoridade para as Condições do Trabalho contradição entre a matéria factual dada como provada e a condenação da recorrente pela prática da violação do teletrabalho obrigatório. Concluindo os Senhores Inspetores da Autoridade para as Condições do Trabalho que as tarefas dos trabalhadores (AA, BB, CC, DD, EE e FF) exigiam presencialidade, não poderia a recorrente ser condenada por violação do teletrabalho obrigatório.
4 – Isto porque, ao abrigo do que dispunha o Decreto Lei 6-A/2021, de 14 de janeiro, o teletrabalho apenas seria obrigatório se as funções dos trabalhadores pudessem ser totalmente desempenhadas à distância. Se o trabalhador, à distância, não consegue realizar todas as tarefas que lhe estão atribuídas, a sua atividade não é compatível com teletrabalho uma vez que não as consegue exercer na íntegra.
5 – A decisão administrativa, por isso, encontra-se ferida de nulidade, devendo a recorrente ser absolvida da prática da contraordenação em que foi condenada.
6 – As funções atribuídas a AA, BB, CC, DD, EE, GG e FF não permitiam a adoção do regime de teletrabalho.
7 – Apesar das trabalhadoras AA, BB, CC, DD, EE e GG exercerem funções administrativas, cada uma tem a seu cargo tarefas específicas.
8 – Em síntese, têm as seguintes funções:
A GG, para além das tarefas supra referidas em 32.º, coordena o trabalho das colegas;
A AA trata da documentação referente ao talho, charcutaria e pão;
A BB trata das guias de remessa e dos documentos relativos às promoções e das alterações dos preços dos produtos;
A CC trata do economato e da devolução de mercadoria aos fornecedores;
A DD abre diariamente o correio, auxilia a abertura dos sacos das lojas e procede ao lançamento informático de faturas e notas de crédito;
A EE executa o trabalho de tesouraria.
9 – Todas as trabalhadoras executam tarefas administrativas, mas estas não são idênticas ou similares entre si quanto ao tipo de documento que por cada uma é tratado.
Todas estas funções têm que ser realizadas de forma diária e presencial uma vez que a execução das tarefas de cada dia de trabalho depende dos documentos que chegam ao escritório pelo correio, das lojas, dos armazéns, dos fornecedores.
Todos os dias são entregues à AA os documentos relativos ao talho, charcutaria e pão; à BB as guias de remessa e os documentos relativos às promoções e alterações dos preços dos produtos; à CC os documentos referentes ao economato e devolução de mercadoria aos fornecedores; à DD os documentos que chegam pelo correio e as notas de crédito e à EE a documentação relativa à tesouraria, ou seja, aos pagamentos.
10 – Do artigo 5.º, n.º 3, do Decreto 3-A/2021, de 14 de janeiro, resultava que o empregador deveria disponibilizar os equipamentos de trabalho (computador) e de comunicação (telemóvel) necessários à prestação de trabalho em regime de teletrabalho.
Desta disposição legal não resulta que fosse obrigação da entidade patronal proceder à entrega da documentação em casa dos funcionários, o que determina que, para além de tudo o supra exposto, as funções destas trabalhadoras não fossem compatíveis com a prestação de trabalho à distância. Uma vez que, não existindo esta entrega diária da documentação em casa das trabalhadoras, estas nunca poderiam exercer as suas funções à distância por não terem documentos com que trabalhar.
Para além disso, o regime legal em referência nos autos não determina a reorganização de tarefas entre os vários funcionários mas a execução à distância das tarefas que anteriormente lhes estavam atribuídas.
11 – No que se refere ao FF, com a categoria de diretor comercial, resulta que o mesmo tem as seguintes funções: aprovisionamento de mercadorias, controlo de stocks, negoceia preços com os fornecedores, efetua encomendas através do uso do programa informático Eticadata, e-mail ou telemóvel e verifica presencialmente as datas de validade dos produtos que se encontram armazenados.
Funções estas que determinam a presença física e diária, nomeadamente, para o controlo de stocks e verificação das datas de validade dos produtos armazenados.
12 – Assim, conclui-se que a recorrente não praticou o ilícito contraordenacional de violação do teletrabalho obrigatório, devendo, por isso, ser absolvida.
Nestes termos e nos mais de Direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso, declarando-se nula a decisão administrativa por falta de indicação das disposições legais aplicáveis, absolvendo-se a Algartalhos – Supermercados, Lda. da prática da contraordenação em que foi condenada.
Caso assim não se entenda, deve ainda a decisão administrativa ser declarada nula por contradição entre a matéria factual provada e a condenação da arguida pela prática do ilícito contraordenacional, absolvendo-se a recorrente da prática da contraordenação em que foi condenada.
Caso assim também não se entenda, deve a Algartalhos – Supermercados, Lda. ser absolvida da prática da contraordenação de Violação do Teletrabalho Obrigatório.»
Tendo o tribunal de 1.ª instância admitido o recurso, o Ministério Público veio oferecer resposta ao mesmo, propugnando pela sua improcedência.
Após a subida dos autos ao Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da confirmação da decisão recorrida.
Não foi oferecida resposta.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
*
II. Objeto do recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso – artigos 403.º e 412.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, ex vi do artigo 41.º, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro (RGCO) e artigos 50.º, n.º 4 e 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro.
Em função destas premissas, o objeto do recurso abrange as seguintes questões:
1.ª Nulidade da decisão administrativa por falta de indicação das disposições legais aplicáveis.
2.ª Nulidade da decisão administrativa por contradição entre os factos provados e a decisão.
3.ª Não cometimento do ilícito contraordenacional imputado.
*
III. Matéria de Facto
O tribunal de 1.ª instância considerou provados os seguintes factos:
1. A arguida exerce a atividade de comércio a retalho em supermercados distribuídos por cerca de 23 estabelecimentos.
2. Possui na sede um sector administrativo destinado a apoiar, gerir, cumprir e controlar todos os procedimentos necessários ao desenvolvimento da atividade daqueles estabelecimentos.
3. No dia 28 de janeiro de 2021, pelas 15h, equipa da Autoridade para as condições de trabalho, realizou visita inspetiva ao setor administrativo supra mencionado, situado nos Armazéns do Areal Gordo, em Faro;
4. Em tal local, dia e hora, a arguida mantinha ao seu serviço, sob as suas ordens, direção e fiscalização, mediante retribuição e no desenvolvimento da atividade a que se dedica os trabalhadoras:
a) AA,
b) BB,
c) CC,
d) e DD,
e) EE, todas com a categoria profissional de Escriturária de lª ,
f) GG (Chefe de Escritório),
g) FF (Diretor Comercial)
5. O trabalho das funcionárias era organizado e coordenado, diariamente, por GG, chefe de escritório, a quem competia tomar todas as decisões que fosse necessário tomar.
6. A GG competia ainda :
a) no final do dia fechar as portas dos gabinetes, a porta principal da entrada e ligar os alarmes;
b) receber o reporte de problemas que surgissem nos supermercados;
c) tratar diariamente, via fax, das encomendas das carnes, nomeadamente, para os talhos dos vários supermercados e para os diversos fornecedores;
d) lançar no sistema informático a contagem dos artigos "a zeros" ou seja dos que não há em armazém, suportada pelos pedidos em papel que as lojas fazem e que os colegas dos armazéns entregam todos os dias à hora da sua chegada;
e) efetuar, informaticamente, no final do dia, acertos de stock dos artigos que os colegas de armazém inventariavam em folha em papel que lhes é entregue e fazem chegar ao escritórios;
f) lançar, diariamente, no sistema informático dos armazéns as faturas da fruta entregues em papel aos funcionários de armazém pelos motoristas dos fornecedores;
g) tirar, diariamente, do sistema informático listagem de variação de preços para entregar ao sócio gerente HH de modo a que ele possa verificar os preços e indicar as alterações que entenda convenientes;
h) receber diariamente dois sacos de cada um dos supermercados (um com faturas, listagens diárias de vendas e outros documentos e outro apenas com depósitos e respetivos documentos), entregues sempre pelos dois supervisores, proceder à
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