Acórdão nº 15273/18.4T8SNT-B.L2-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-03-22

Ano2022
Número Acordão15273/18.4T8SNT-B.L2-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:



RELATÓRIO


Em 8.10.2018, e por apenso aos autos de execução comum em que é exequente A e executados B e outros, veio este deduzir embargos de executado, pedindo que, na procedência dos embargos, a) se reconheça e declare a nulidade das cláusulas constantes dos pontos 8, 12, 16, 21 e, em especial, as alíneas a) e b) do ponto 23.1 do contrato de mútuo já identificado nos termos do disposto nas alíneas a) e b) do artigo 8º do RCCG e, por essa via, ser esse contrato declarado nulo nos termos do nº 2 do artigo 9º, do mesmo diploma legal, ou caso assim não se entenda, devem as referidas cláusulas ser consideradas nulas e excluídas do referido contrato; e b) se declare prescrita a obrigação exequenda, nos termos e para os efeitos da alínea e), do artigo 310º do Código Civil; subsidiariamente c) se reconheça e declare a ausência de factos que corporizem os montantes das amortizações efetuadas e a sua imputação (se ao capital, se aos juros), à descriminação das despesas da execução e considerando o seu modo de liquidação, constituindo, na aceção do disposto nos artigos 713º e 729º, alínea e), este aplicável ex vi do artigo 730º, todos do CPC, a obrigação exequenda ilíquida; e d) se reconheça e declare a obrigação exequenda inexigível, por ausência de interpelação do Executado, nos termos legais; e e) a instância deverá ficar suspensa, nos termos e para os efeitos da alínea c) do nº 1 do artigo 733º do CPC, por o Executado ter impugnado fundamentadamente a exigibilidade e a liquidação da obrigação e sem necessidade de prestar caução; f) deverá, em qualquer caso, a oposição ser considerada procedente e, em consequência, ser a instância executiva declarada extinta.

Foi proferido despacho a admitir liminarmente a oposição e a ordenar a notificação da exequente para, querendo, contestar, o que esta fez, pugnando pela improcedência das exceções deduzidas e dos embargos, e requereu que não fosse fixado efeito suspensivo aos embargos, prosseguindo a execução os seus termos.

Relativamente à matéria da exceção de prescrição invocada, alegou, em síntese:
- As prestações mensais do empréstimo dos autos não podem ser qualificadas de quotas de amortização do capital, como o Embargante pretende, tratando-se, ao invés, de uma obrigação única, ainda que repartida ou fracionada em várias prestações, conforme o vem entendendo a jurisprudência;
- Ainda que se defenda uma diferente qualificação da natureza da prestação mensal no mútuo, não será aplicável o prazo prescricional do art. 310º al. e) do CC nos casos em que, tal como nos presentes autos, ocorreu o vencimento antecipado das restantes prestações, uma vez que, em 25.08.2016, a Embargada comunicou ao ora Embargante que considerava vencida a totalidade da dívida (cfr. doc. 1 - que juntou);
- A dívida exequenda não está prescrita, na medida em que não decorreram ainda 20 anos.

O embargante pronunciou-se impugnando o doc. 1 junto com a contestação, e alegou não o ter recebido, não sendo sua a assinatura constante do a/r.

A embargada respondeu, juntando documentação trocada com o embargante, sobre a qual este se pronunciou.

Depois de vário processado que ora não importa ao caso, realizou-se audiência prévia, e, em 19.7.2021, foi proferido saneador - sentença, que julgou procedente a exceção de prescrição do direito de crédito exequendo e, em consequência, julgou extinta a execução em relação ao executado NMRF. .

Não se conformando com o teor da decisão, apelou a exequente/embargada, formulando, a final, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
a)- O presente recurso vem interposto da aliás douta sentença de 19.07.2021, que julgou procedente a exceção de prescrição do direito de crédito exequendo, e, em consequência, julgou extinta a execução.
b)- Não se conforma a Recorrente com a douta sentença aqui em apreço, porquanto a mesma não faz, salvo o devido respeito, que é muito, a correta interpretação da lei e dos factos.
Ora, vejamos,
c)- Conforme resulta dos factos assentes, a Recorrente celebrou com a empresa Clubrubik, Lda., em 19.07.2012, um contrato de mútuo da quantia de 60.000,00 € - no âmbito do qual o Recorrido B se constitui fiador – que a mutuária se obrigou a reembolsar em 84 meses, através do pagamento de prestações mensais, iguais e sucessivas, de capital e juros.
d)- Ficou igualmente assente que a prestação vencida a 19.06.2013 e posteriores não foram pagas.
e)- A exequente, ora embargada, intentou a ação executiva a que estes autos estão apensos em 01.09.2018.
f)- O aqui Recorrido foi citado para os termos da referida execução em 19.09.2018.
g)- Ora, o douto Tribunal a quo entendia que ao crédito exequendo era aplicável o prazo prescricional de 5 anos previstos no artigo 310.º, alínea e), do Código Civil.
h)- Entendendo igualmente que, a partir do não pagamento da prestação vencida a 19.06.2013, “a exequente podia e devia interpelar judicialmente o ora embargante para pagar os montantes em dívida.”
i)- Como tal, e embora não o refira expressamente, considerou o douto Tribunal a quo que a 19.06.2013 estaria vencida (antecipadamente) a totalidade da dívida, e que o prazo prescricional sobre a totalidade da dívida deveria ser contado a partir de tal data.
j)- Não oferecendo, contudo, qualquer justificação para tal vencimento antecipado automático da dívida, nem sequer o regime previsto no art. 781.º do Código Civil.
k)- Sucede que, não só o douto Tribunal a quo não fez a correta interpretação da lei como olvidou factos relevantes que, salvo o devido respeito, não poderia ignorar.
l)- Na verdade, as partes regularam, nos termos da cláusula 21ª do contrato que constitui o título executivo, os casos em que a mutuante, aqui Recorrente, “poderia” e note-se “poderia” considerar antecipadamente vencida e exigir o pagamento da totalidade da dívida.
m)- Ou seja, o vencimento antecipado da dívida de modo automático (com o não pagamento de uma só prestação) foi expressamente afastado pelas partes.
n)- Sendo que, é manifesto que o preceito legal supra invocado trata-se de uma norma supletiva.
o)- Sendo que, a jurisprudência tem ido no sentido de que, mesmo tal norma não significa que se torne dispensável a interpelação do devedor.
p)- Veja-se nesse sentido o discorrido no douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.05.2017, Proc. 1244/15.6T8AGH-A.L1.S2, Relator OLINDO GERALDES, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26.11.2006, Proc. 06A3420, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 21.05.2020, Proc. 781/14.4TBSXL-A.L1-2, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 14.09.2020, Proc. 2417/16.0T8VIS-B.C1, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 14.11.2013, Proc. 46/12.6TCGMR.G1, e no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 01.04.2009, Proc. 6195/06.2TVLSB.C1 (todos consultados em www.dgsi.pt).
q)- Ademais, a Recorrente invocou expressamente na contestação ter comunicado em 25.08.2016 ao Recorrido que considerava vencida antecipadamente a dívida nos termos da Cl.ª 21ª do contrato referido, tendo junto a carta e respetivo aviso de receção.
r)- Ora, a data relevante para efeito de interrupção de prescrição era de 06.09.2018, por via do disposto no n.º 2 do art. 323.º do Código Civil.
s)-Assim, e mesmo aplicando-se o prazo prescricional de 5 anos, verifica-se que, à data de 06.09.2013 apenas estariam vencidas as prestações de 19.06.2013, 19.07.2013 e 19.08.2013.
t)-Deste modo, nunca poderia ser considerada vencida a totalidade da dívida, mas, quanto muito, apenas as três prestações referidas.
u)-Em conclusão, e em nosso modesto entendimento, a procedência do presente recurso é manifesta, uma vez que, salvo o devido respeito, que é muito, a decisão recorrida não faz a correta interpretação da lei e dos factos.
Termina pedindo que se anule ou revogue a decisão recorrida, de forma a não ser julgada verificada a exceção da prescrição, ou, assim não se entendendo, não ser julgada verificada a exceção da prescrição além das prestações vencidas a 19.06.2013, 19.07.2013 e 19.08.2013, com o prosseguimento dos autos, com todas as legais consequências.

O apelado contra-alegou, pugnando pela improcedência da apelação, e ampliou o objeto do recurso, nos termos do art. 636º do CPC, formulando, a final, nesta parte, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
F.–É admissível a ampliação do objeto do recurso, nos termos do artigo 636.º do CPC, bem como a impugnação da matéria de facto que não foi atacada pela Recorrente. Assim,
G.–O Recorrido impugna, por mal julgado, a alínea b) da matéria de facto considerada como provada.
H.–Pese embora o Tribunal a quo tenha alicerçado a sua convicção no teor da Cláusula 23.ª, alínea a) do título executivo, o Recorrido impugnou o seu teor em sede de embargos de executado a fls., pugnado pela nulidade de tal cláusula, e nenhuma prova resulta dos autos que permita validar a mesma.
I.–O conteúdo do Contrato de mútuo, que constitui o título executivo, integra o conceito de cláusulas contratuais gerais, na aceção do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, na redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17/12 (“RCCG”), por ter sido elaborado sem prévia negociação individual entre o Recorrido e a Recorrente, limitando-se aquele a subscrevê-lo, como ainda que possa ter sido elaborado no contexto particular do negócio da mutuante não pôde influenciar o seu conteúdo, estando, portanto, tal contrato submetido à disciplina da RCCG.
J.–Assim, decorre dos artigos 5.º e 6.º do RCCG que o predisponente, in casu a Recorrente, o dever de informar e comunicar na íntegra à outra parte, o Recorrido, as cláusulas contratuais gerais de que se sirva, comunicação esta que devendo ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne
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