Acórdão nº 1514/22.7T8AMD.L1-6 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-05-25

Ano2023
Número Acordão1514/22.7T8AMD.L1-6
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa


1.–Relatório.


CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, pessoa colectiva de direito público, nº 5........, com sede na Avª. ..... ....., nº..., Apartado ...., ....-... - Lisboa, intentou acção declarativa de condenação [no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Local Cível da Amadora] contra B […. COMPANHIA DE SEGUROS], com sede em Lisboa, pedindo que :
i)-Uma vez a acção julgada procedente e provada , seja a Ré B condenada a pagar à autora Caixa Geral de Aposentações a importância € 131.143,01, correspondente ao montante necessário para suportar os encargos com a pensão anual vitalícia fixada/atribuída a José ..... e como reparação do acidente ocorrido em 19 de Setembro de 2016 , acrescida dos juros de mora que se vierem a vencer até integral pagamento.

1.1.Para tanto, invocou a requerente, e em síntese, que :
- Em 19 de Setembro de 2016, José ..... era o Director de Departamento do Instituto de Informática do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, data em que veio a sofrer um acidente de viação quando se deslocava para o local de trabalho, acidente que foi qualificado como sendo em serviço ;
- Em consequência do referido acidente (um veículo bateu na viatura em que se deslocava o José ..... e no momento em que estava parada), veio o José ..... a sofrer um traumatismo do membro inferior esquerdo, com fratura exposta dos ossos da perna, sendo que, após tratamento e cura clinica , e em razão das sequelas físicas de que ficou a padecer, foi-lhe atribuída/fixada uma incapacidade permanente parcial, com um grau de incapacidade de 18,5% ;
- Já por decisão proferida em 15 de Janeiro de 2020, pela Direcção da Caixa Geral de Aposentações, e ao abrigo de delegação de poderes conferida pelo Conselho Directivo e publicada no Diário da República, II Série nº 244, de 19 de Dezembro de 2020, nos termos do Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro, foi reconhecido a José ..... o direito a uma pensão anual vitalícia no valor de € 11 741,33 (pensão mensal de € 838,67) ;
- Acontece que, por força do disposto na alínea b) do nº1 do artigo 41º do Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro, o abono da pensão por acidente em serviço/doença profissional ficou, porém, suspenso e, em 2021, o Instituto da Segurança Social reconheceu a José ..... o direito a uma pensão por velhice unificada, pensão que passou a ser abonada com efeitos a 30 de Agosto de 2020;
- Em razão do reconhecimento do direito à pensão por velhice, José ..... deixou de exercer funções no Instituto de Informática do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social e, no seguimento de despacho de 23 de Julho de 2021, proferido pela Direcção da Caixa Geral de Aposentações, ao abrigo de delegação de poderes conferida pelo Conselho Directivo e publicada no Diário da República, II Série nº 244, de 19 de Dezembro de 2020, a Caixa Geral de Aposentações passou a abonar a pensão supra referida com efeitos a 30 de Agosto de 2020, sendo que o montante de capital necessário para suportar o pagamento de tal pensão é de € 131 143,01;
- Consequentemente, porque de acordo com o artigo 46.º do Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro, sob a epígrafe “Responsabilidade de Terceiros”, Os serviços e organismos que tenham pago aos trabalhadores ao seu serviço quaisquer prestações previstas no presente diploma têm direito de regresso, contra terceiro civilmente responsável pelo acidente ou doença profissional, incluindo seguradoras, relativamente às quantias pagas”, e porque a Ré assumiu a responsabilidade do seu segurado no acidente ocorrido em 19 de Setembro de 2016, está a mesma - nos termos do transcrito nº 3 do artigo 46º do Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro - obrigada a pagar à Caixa Geral de Aposentações o montante necessário para suportar os encargos com a pensão atribuída e abonada a José ..... ;
Destarte, deve a presente acção ser julgada procedente e provada e, por via dela, a ré B ser condenada a pagar à Caixa Geral de Aposentações a importância € 131 143,01, correspondente ao montante necessário para suportar os encargos com a pensão anual vitalícia fixada a José ..... como reparação do acidente ocorrido em 19 de Setembro de 2016 acrescida dos juros de mora que se vierem a vencer até integral pagamento.
1.2.–Conclusos os autos (com a informação de que se suscitam “dúvidas quanto à competência do tribunal para a tramitação dos autos”), foi de imediato proferida decisão que, concluindo pela incompetência material do tribunal para a apreciação, conhecimento e tramitação dos ulteriores termos da ação (para tanto considerando-se competente para o efeito o Juízo de Trabalho de Sintra, Comarca de Lisboa-Oeste), declarou a incompetência do Tribunal em razão da matéria e, consequentemente, decretou o indeferimento liminar da petição inicial, tudo nos termos dos art.ºs 96.º, alínea a), 97.º, n.º 1, 99.º, n.º 1, todos dos CPC, art.ºs 126.º, n.º 1, alínea c) e 130.º, n.º 1, ambos da LOSJ, e art.º 154.º do CPT.
1.3.–Notificada do decisão/SENTENÇA identificada em 1.2., e da mesma discordando, veio então – em 19/9/2022 - a autora CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, interpor a competente apelação, apresentando na respectiva peça recursória as seguintes conclusões :
1ª–O art.º 126.º, n.º 1, alínea c) da Lei da Orgânica do Sistema Judiciário determina que compete aos juízos do trabalho conhecer, em matéria cível, as questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais.
2ª–Contrariamente ao que decidiu o tribunal de primeira instância, tal não significa que, no caso concreto, a causa deva ser apreciada por um tribunal de trabalho.
3ª–A CGA pede a condenação da seguradora no pagamento de determinado montante por a condutora do veículo segurado ser responsável pelo acidente que determinou o pagamento de uma pensão ao sinistrado. Pretende fazer valer um direito indemnizatório sobre a Ré, que resulta do direito de regresso expressamente consagrado no nº 3 do artigo 46º do Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro.
4ª–Não está em causa a análise de uma indemnização paga directamente ao trabalhador no âmbito da relação jurídica existente entre o empregador e o trabalhador (por exemplo, por este ter sofrido um acidente de trabalho).
5ª–Está em causa o reembolso de determinada quantia que é paga por uma entidade pública e que é pedida a uma seguradora cuja responsabilidade se funda nas regras gerais do direito civil e não nas regras específicas do direito do trabalho.
6ª–Não está em causa a aplicação de normas de direito do trabalho, já que este ramo do direito regula a relação que se estabelece entre trabalhador e empregador.
7ª–O entendimento do Juízo Local Cível da Amadora poderá levar a que sejam proferidas decisões contraditórias, já que, relativamente ao mesmo acidente, os tribunais comuns e os tribunais de trabalho poderão decidir de forma diferente, considerando os primeiros que é responsável o condutor da viatura segurada e os segundos que é responsável o próprio sinistrado.
8ª–A decisão impugnada está em clara oposição com o regime legal vigente (alínea a) do artigo 126º da LOST, também com os princípios gerais de direito.
Nestes termos, e com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e revogada a douta decisão recorrida, com as legais consequências.

1.5.–Cumprido o disposto no artº 641º, nº 7, do CPC [“ No despacho em que admite o recurso referido na alínea c) do n.º 3 do artigo 629.º, deve o juiz ordenar a citação do réu ou do requerido, tanto para os termos do recurso como para os da causa, salvo nos casos em que o requerido no procedimento cautelar não deva ser ouvido antes do seu decretamento], foram apresentadas CONTRA-ALEGAÇÕES, tendo a Ré pugnado pela confirmação da decisão recorrida, para tando concluindo do seguinte modo :
1.º–O Recorrente apresenta recurso do douto despacho de indeferimento liminar da petição inicial proferida aos 07.09.2022, com a ref. 139296672;
2.º–A douta decisão recorrida não merece qualquer reparo, tendo sido ponderadas e decididas de forma correcta as questões de direito, submetidas à apreciação deste douto Tribunal, neste caso a incompetência material, pelo que o douto despacho deve ser mantido, nos seus precisos termos;
3.º–O recurso interposto pelo Recorrente é delimitado pelas respectivas conclusões, estando em causa nos autos resolver a interpretação e aplicação do direito, nomeadamente quanto à incompetência material do Tribunal;
4.º–Quanto à matéria da incompetência, o Tribunal fez uma análise ponderada e crítica das provas e especificou os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, conforme é exigido pelo disposto no normativo legal, efectuando um juízo adequado, realista e concreto da situação vertente e posterior interpretação e aplicação do direito ao caso concreto;
5.º–Não foram alinhavadas, em sede de recurso, nem se divisam, sólidas razões que ponham em causa o entendimento perfilhado pelo Tribunal e aconselhem a opção por uma decisão distinta da que foi doutamente proferida, pelo que a decisão deve ser confirmada pelo Tribunal ad quem.
Nestes termos e nos melhores de direito, que V. Exa. mui doutamente suprirá, não deverá ser dado provimento ao presente recurso, mantendo-se o douto despacho recorrido, fazendo-se assim a acostumada JUSTIÇA.
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Thema decidendum
2–Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso] das alegações dos recorrentes (cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de
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