Acórdão nº 150/21.0T8AVR.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 14-02-2022

Data de Julgamento14 Fevereiro 2022
Ano2022
Número Acordão150/21.0T8AVR.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Recurso de apelação n.º 150/21.0T8AVR.P1
Origem: Comarca de Aveiro, Juízo do Trabalho de Aveiro – J1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO
AA apresentou formulário para impulsionar ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento contra “G..., S.A.” manifestando oposição ao seu despedimento, ocorrido em 11.01.2021, juntando cópia de decisão proferida em procedimento disciplinar que lhe foi instaurado.

Realizada Audiência de Partes frustrou-se a conciliação das mesmas.
Notificada a Ré[1] para apresentar articulado de motivação do despedimento, a mesma apresentou tal articulado, juntando o procedimento disciplinar que instaurou ao Autor, então seu trabalhador, e alegando que instaurou o competente procedimento disciplinar e concluiu que se verificou justa causa de despedimento do Autor, em síntese porque o trabalhador declarou à empregadora estar incapacitado para o trabalho quando afinal se deslocava às instalações de outra empresa (a “A...”) onde prestava trabalhos.
Termina dizendo que o despedimento do trabalhador/Autor, com invocação de justa causa pela empregadora, deve ser considerado regular e lícito.

Notificado, o Autor apresentou contestação, alegando, em resumo, por um lado verificar-se a invalidade do procedimento disciplinar nos termos do art.º 382º, nº 2, al. d) do Código do Trabalho, e também por via do disposto no nº 5 do art.º 357º e al. c) do art.º 381º, ambos do Código do Trabalho, e por outro lado que a Segurança Social informou a Ré que o Autor não estava apto para desempenhar a sua atividade.
Apresentou reconvenção, formulando no final o seguinte pedido:
a) condenação da Ré a reconhecer a ilicitude do despedimento decretado por invalidade do procedimento disciplinar nos termos da al. d) do nº 2 do artigo 382º do Código do Trabalho, bem como pelo facto de ao não conter a decisão de despedimento qualquer fundamentação, e de não ter sido comunicado ao Autor a decisão final de despedimento, foi violado o nº 5 do artigo 357.º do Código do Trabalho, determinando a invalidade do procedimento disciplinar do Autor e consequentemente nos termos da al. c) do artigo 381º do Código do Trabalho, ilícito o seu despedimento,
ou caso tal não seja entendido,
b) condenação da Ré a reconhecer a ilicitude do despedimento do Autor decidido pelo procedimento disciplinar, onde de forma ilegal, abusiva, infundada e desproporcional foi considerado que o Autor violou os deveres das alíneas b) e f) do nº 1 do artigo 128.º do Código do Trabalho e,
c) condenação da Ré a reintegrar o Autor no seu posto de trabalho e categoria, sem perda de antiguidade ou, se este vier a optar em audiência, a indemnizá-lo na quantia de € 29.370,00, atenta a situação à data da efetivação do despedimento (12 de janeiro de 2021) e,
d) condenação da Ré a pagar ao Autor as retribuições que deixou de auferir desde o seu despedimento até á data do trânsito em julgado, que reconheça a ilicitude do despedimento, sendo as vencidas, com referência ao final do mês de fevereiro (deduzidos os valores recebidos a título de prestação de desemprego) de € 1.150,68 e,
e) condenação da Ré a pagar ao Autor o valor correspondente às horas de formação que não lhe foram proporcionadas nos termos do art.º 134º do Código do Trabalho, no valor de € 898,63 e,
f) condenação da Ré a pagar ao Autor o valor referente às férias não gozadas e retribuição de férias no valor de € 1.424,00 e,
g) condenação da Ré a pagar pelo menos a quantia de € 2.670,00 a título de danos morais sofridos pelo Autor em razão da ilicitude do seu despedimento,
i) e a pagar juros de mora sobre todos os valores peticionados desde a data da citação até efetivo e integral pagamento dos mesmos.

A Ré apresentou resposta alegando, em síntese, que:
-- o crédito de horas para formação que não seja utilizado, caduca passados três anos sobre a sua constituição (art.º 134º do Código do Trabalho), não tendo, nessa medida, aplicabilidade nos casos em que não é o empregador quem não proporciona a formação, mas sim o trabalhador quem não pode recebê-la;
-- nada deve a título de férias vencidas e não gozadas e subsídio de férias;
-- o pagamento de salários intercalares deixa de ter cabimento nas situações em que, independentemente do despedimento, o trabalhador não pudesse, durante o período que medeia o despedimento e a decisão de ilicitude, exercer a sua atividade;
-- impugna o alegado pelo Autor na contestação, reafirmando dever o despedimento ser considerado regular e lícito.

Foi admitida a reconvenção, dispensada a identificação do objeto do litígio e a enunciação dos temas de prova bem como dispensada a realização de audiência prévia.
Foi proferido despacho saneador, afirmando a validade e regularidade da instância.

Em 30.07.2021, depois de juntos pela Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários ... de “relatórios relativos à ocorrência de 24.09.2020”, a Ré apresentou requerimento solicitando a condenação do Autor como litigante de má-fé em multa e condigna indemnização a seu favor, a fixar nos termos do nº 2 do art.º 543º do Código de Processo Civil.
O Autor pronunciou-se pelo indeferimento desse pedido.

Foi realizada audiência de discussão e julgamento, durante a qual o Autor declarou desistir do pedido que formulara sob a alínea f) e declarou optar pelo pagamento de uma indemnização em substituição da sua reintegração [cfr. ata de 02.07.2021].
Foi, depois, proferida sentença decidindo julgar a ação parcialmente procedente e:
I) Declarar ilícito o despedimento do Autor;
II) Condenar a Ré a pagar ao Autor:
a) indemnização pelo despedimento ilícito, no valor de € 19.580,00.
b) as retribuições vencidas e vincendas desde 14.01.2021 até à data do trânsito em julgado da sentença, no valor atual ilíquido de € 8.860,45 – deduzidas porém das importâncias que auferiu e venha ainda a auferir a título de subsídio de desemprego, em resultado do despedimento, cujo valor a Ré deverá entregar à Segurança Social.
c) € 750,00, a título de créditos por formação profissional não proporcionada.
d) juros de mora à taxa legal (atualmente de 4%) sobre tais quantias, até efetivo e integral pagamento, contabilizados: desde a data da prolação da sentença no que respeita à aludida em II. a); desde o vencimento de cada uma das retribuições, quanto à referida em II. b), exceto no que se refere às vencidas antes da notificação à Ré da contestação/reconvenção, em que são devidos a contar da data dessa notificação; e desde a notificação à Ré da contestação/reconvenção, no tocante às referenciadas em II. c).
III. Declarar extinto, por desistência, o (eventual) direito do Autor à quantia peticionada sob a al. f) da contestação/reconvenção.
IV. No mais, absolver a Ré do pedido.
V. Absolver o Autor do pedido de condenação como litigante de má-fé formulado pela Ré.
Foi fixado o valor da ação em € 35.513,31.

Não se conformando com a sentença proferida, dela veio a Ré interpor recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES, que se transcrevem[2]:
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Termina dizendo dever o recurso ser julgado procedente, e em consequência ser a decisão recorrida revogada e substituída por outra que:
a) altere a resposta à matéria de facto, declarando provada a factualidade vertida nos artigos 11º a 14º, 18º e 19º do articulado motivador da Apelante;
b) em aplicação do disposto no art.º 351º do Código do Trabalho, declare lícito o despedimento do Autor, com todas as legais consequências,
c) em aplicação do disposto no art.º 790.º no Código Civil, declare improcedente o pedido de pagamento de horas de formação não prestada.
Subsidiariamente,
d) deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que, em aplicação do disposto nos art.ºs 390º e 391º do Código do Trabalho, declare improcedente o pedido de pagamento de salários intercalares e reduza a indemnização arbitrada ao montante de € 9.790,00 correspondente a 15 dias de retribuição por cada ano de antiguidade.

O Autor apresentou resposta, formulando as seguintes CONCLUSÕES, que se transcrevem:
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Conclui dizendo dever a sentença proferida em 1ª instância ser mantida nos pontos objeto de recurso.

Foi proferido despacho a mandar subir o recurso de apelação, imediatamente, nos próprios autos, e com efeito meramente devolutivo.

O Senhor Procurador-Geral-Adjunto, neste Tribunal da Relação, emitiu parecer (art.º 87º, nº 3 do Código de Processo do Trabalho), pronunciando-se no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso, referindo em essência o seguinte:
Tendo em consideração a factualidade dada como provada e os meios de prova – testemunhal e documental – que a sustentam, entendemos que a sentença recorrida deverá ser infirmada, atentos os fundamentos que nela foram consignados, considerando que a factualidade dada como provada, mesmo considerado alguns “minus”, apontam para uma solução de direito necessariamente diversa da que foi prolatada e tal como a recorrente o defende.
Com efeito, há que reconhecer que o recorrido desempenhava uma outra atividade laboral incompatível com a sua situação de inaptidão para o trabalho, que deveria ser exercida a título principal, justificando as suas ausências mediante sucessivas renovações de declaração médica e por haver sofrido naquela um acidente que o incapacitou. E nem foi dado como provado que no dia 24.09.2020 o recorrido tomara a iniciativa de suspender tal declaração para desempenhar a sobredita atividade, independentemente do vínculo que tivesse sido estabelecido.
Do exposto decorre que a sentença recorrida não observou as consequências que foram apuradas em procedimento disciplinar, afigurando-se-nos haver contradição com a fundamentação de direito quanto ao ocorrido no dia 24.09.2020, dada a objetividade do facto então ocorrido, pois que se o recorrido estava incapacitado para o
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