Acórdão nº 149/23.1GBLLE.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2023-06-28

Data de Julgamento28 Junho 2023
Ano2023
Número Acordão149/23.1GBLLE.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora
Acordam em Conferência na Secção Criminal (2ª subsecção)
I – Relatório

1.No processo nº 149/23.1GBLLE da Comarca de Faro – Juízo Local Criminal de Loulé – Juiz 2 foi proferida sentença em que se decidiu condenar o arguido AA, (…), como autor de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. pelo artigo 292.º, nº 1 do CPenal na pena de 8 (oito) meses de prisão a cumprir em REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO, sita em Rua (…), nos termos do art. 43º, nº 1, al. a), do CPenal e, bem assim, na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 1 (um) ano e 6 (seis) meses, nos termos do artigo 69º, nº 1, al. a), do CPenal.

2.Inconformado com o decidido, recorreu o arguido questionando a pena que lhe foi cominada, concluindo: (transcrição)

I. O Recorrente foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. pelos artigos 292.º, n.º 1 e 69.º n.º 1 al a) do CP na pena de oito meses de prisão com cumprimento em regime de permanência na habitação, sita em Rua (…) e na pena acessória de proibição de veículos a motor pelo período de um ano e seis meses.
II. O arguido confessou desde logo a prática dos factos conforme resulta da sentença proferida.
III. Existe uma contradição insanável entre o que foi dado como provado no ponto 9 e no ponto 11 dado que num é dado como provado que nos dias úteis pernoita em Lisboa e noutro que não pernoita em tal morada.
IV. A parte final do ponto 11 dos factos dados como provados tem matéria conclusiva, e não factual, quando refere “situação que não é compatível com uma execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação com vigilância electrónica.”
V. Até porque na aplicação do direito o próprio Tribunal a quo concluiu de forma diversa desta conclusão constante da matéria de facto: (sublinhado nosso)
“Conclui-se, assim, que se encontram reunidos todos os requisitos legais para o cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação, com meios de fiscalização de controlo à distância (art. 43.º, n.º 1, al. a) do Código Penal, e arts. 1.º, al. b), 4.º, n.ºs 1, 4 e 5, e 7.º, n.ºs 1, 2 e 7, da Lei n.º 33/2010, de 02 de Setembro).”
VI. Verifica-se assim o vício a que alude o art.º 410.º, n.º 2, b) do CPP

VII. A redação do ponto 11 dos factos dados como provados ser alterada com a expurgação da matéria conclusiva, e contraditória, passando a ser:
“11. Actualmente trabalha para o Grupo (…), nomeadamente na empresa (…). Executa as funções de montador de tectos falsos, com horário de trabalho compreendido entre as 08.00h e as 19.00h. No entanto, para desenvolvimento da sua actividade é necessário deslocar-se por todo o país, em virtude de a empresa ter obras a executar em várias localidades.”
VIII. O Recorrente está socialmente inserido e trabalha, vivendo dos seus parcos rendimentos, aliás como consta no ponto 12 dos factos dados como provados.
IX. Sem trabalhar, não tem como subsistir e fazer face às despesas elementares tais como
a alimentação.
X. O regime previsto no artigo 43.º do CP é conciliável com a prestação de atividade profissional como resulta desde logo do n.º 3 de tal disposição, verificando-se os pressupostos no caso sub judice.
XI. A prestação de trabalho permite manter o arguido socialmente inserido, ser igualmente útil à sociedade, e permitir que possa ter meios financeiros para fazer face às suas necessidades básicas como alimentação.
XII. O facto de ter de se deslocar por vários concelhos não é impeditivo do arguido executar a pena de prisão em regime de permanência da habitação na sua morada profissional.
XIII. Mesmo que, para o efeito, imponha-se a pernoita obrigatória em tal domicilio, (sublinhado nosso)
XIV. A decisão do Tribunal a quo violou o estatuído no artigo 43.º n.º 3 do CP, bem como a razão de ser de tal regime, ao não conceder autorização para exercício da atividade laboral e permitir a execução da pena de prisão em regime de permanência da habitação.
XV. Com a execução da pena de prisão nos termos determinados pelo Tribunal a quo o Recorrente, que vivia com dificuldades económicas apesar de trabalhar e ter hábitos de trabalho, vai deixar de prestar atividade profissional e ficar ser rendimento para suprir as necessidades básicas
XVI. Vai perder os hábitos de trabalho, dificultando a sua ressocialização findo o cumprimento da pena.
XVII. A própria entidade patronal que cedeu a habitação autoriza que o arguido cumpra a pena de prisão em regime de permanência na habitação sita na Rua (…), e garante que assegura trabalho ao Recorrente por forma a que este pernoite todos os dias em tal habitação, conforme declaração que junta, doc. 1
XVIII. Deveria ter o Tribunal a quo, na aplicação do regime previsto no artigo 43.º do CP ter determinado o cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação na morada profissional do arguido com autorização para o exercício da atividade laboral mas com obrigação de pernoita em tal residência em todos os dias.
XIX. Ou, quanto muito, embora não vá totalmente de encontro aos objetivos do regime previsto no artigo 43.º do CP conjugados com as circunstâncias do caso sub judice, uma vez que está dado como provado que o Recorrente presta atividade laboral em vários concelhos do país, ser concedida a autorização para prestação de atividade laboral mesmo com o cumprimento da pena na habitação sita na Rua (…).
XX. Entende o Recorrente que o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 43.º do CP, não o aplicando corretamente, devendo a decisão ser revogada e substituída por outra que permita o exercício da atividade laboral, quer seja com o cumprimento da pena em regime de permanência na habitação quer no domicilio em Lisboa (mais adequada) ou quer no domicilio em Castanheira de Pêra.
Nestes termos,
Deve ser dado provimento ao presente recurso, para o que se pede e espera o douto suprimento de Vossas Excelências, fazendo-se assim, mais uma vez, JUSTIÇA!

3.O Ministério Público, em primeira instância, respondendo ao recurso, sem apresentar quaisquer conclusões, veio defender que a decisão recorrida não merece qualquer crítica, devendo, por isso, ser mantida.

4. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, a Ex.ma Senhora Procuradora-Geral Adjunta, na intervenção a que alude o artigo 416º do CPPenal, emitiu parecer pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso[1].

Não houve resposta ao parecer.

5. Efetuado exame preliminar e colhidos que foram os vistos legais, cumpre agora, em conferência, apreciar e decidir.

II – Fundamentação

1.Questões a decidir

Sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, designadamente a verificação da existência, ou não, dos vícios indicados no artigo 410°, n° 2 do CPPenal, o âmbito do recurso é dado, nos termos do artigo 412º, nº 1 do citado complexo legal, pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, nas quais sintetiza as razões do pedido - jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das secções do STJ de 19/10/95 in D.R., I-A de 28/12/95.
Tendo em conta os fundamentos do recurso interposto pelo arguido e os poderes de cognição deste tribunal, surgem como questões colocadas para apreciação, abarcando e considerando todos os pontos referidos nas conclusões apresentadas:

- questão prévia relativa à junção de documentos em sede recursiva;
- vícios prevenidos no artigo 410º, nº 2, alíneas a) e b) do CPPenal – insuficiência para a decisão da matéria de facto provado (conhecimento oficioso) e contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão (alegado);
- obrigação de permanência na habitação e autorização para exercício de atividade profissional.

2. Apreciação

2.1. O Tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos: (transcrição)

1. No dia 03 de Fevereiro de 2023, antes das 21h00, o arguido conduzia o veículo automóvel com a matrícula XX-XX-XX na (…), com uma TAS de 3,367 g/1, correspondente à taxa de 3,66 g/l registada deduzido o erro máximo admissível, tendo sido interveniente em acidente de viação.
2. Com efeito, antes de iniciar o exercício daquela condução, o arguido havia ingerido bebidas alcoólicas.
3. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente no exercício da condução daquele veículo na via pública, admitindo que podia estar, como efectivamente estava, influenciado pelo consumo de álcool em limites superiores aos legais.
4. Sabia que o seu comportamento era proibido e punido por lei penal. Mais se provou que:
5. O arguido confessou integralmente os factos.
6. O arguido consentiu no cumprimento de pena de prisão em regime de permanência na habitação com vigilância electrónica.
Das condições pessoais:
7.O arguido reside na Rua (…) com a sua mãe.
8.O relacionamento familiar foi referido por estes como de interdependência relacional e de entreajuda. Residem em habitação pertença da progenitora, uma moradia de tipologia 4, de construção antiga, mas com todas as condições de habitabilidade. O imóvel reúne condições para a eventual execução de uma pena de prisão na habitação e a progenitora prestou o seu consentimento à utilização de meios de vigilância electrónica para o efeito.
9.O arguido reside na morada dos autos apenas aos fins de semana, pois, nos dias úteis, por motivos profissionais, pernoita em Lisboa, na Rua (…), em habitação pertença da entidade patronal e arrendada ao arguido.
10. Frequentou o ensino até à conclusão do 9º ano de escolaridade, não tendo prosseguido os estudos por falta de motivação para estudar e por privilegiar o trabalho em detrimento do ensino, para alcançar a sua autonomia económica.
11. Actualmente trabalha para o Grupo (…), nomeadamente na empresa (…). Executa as funções de montador de tectos falsos, com horário de trabalho compreendido entre as 08.00h e as 19.00h. No entanto, para desenvolvimento da sua actividade é necessário deslocar-se por todo o país, em...

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