Acórdão nº 143/23.2T9OLH.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2024-02-20

Data de Julgamento20 Fevereiro 2024
Ano2024
Número Acordão143/23.2T9OLH.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora



Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

1. RELATÓRIO
1.1. No Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo de Competência Genérica de Olhão – Juiz 2, foi, pelo Ministério Público, instaurada, contra (A), execução para cobrança da quantia de €142,50 (cento e quarenta e dois euros e cinquenta cêntimos), referentes a uma coima, no valor de €90,00 (noventa euros) e a custas, no montante de €42,50 (quarenta e dois euros e cinquenta cêntimos), aplicadas pelo Município de Olhão, no âmbito do processo de contraordenação n.º 014336561.
1.2. Por despacho proferido em 10/05/2023, a Exm.ª Juiz daquele Juízo declarou a incompetência absoluta, em razão da matéria, do tribunal, para conhecer da execução e, em consequência, absolveu a executada da instância, nos termos do disposto nos artigos 65º, 97º, 98º, 99º e 577º, al. a), todos do CPC, por entender que compete à Autoridade Tributária promover a execução, atento o estatuído no artigo 35º do Regulamento das Custas Processuais, na redação dada pela Lei n.º 27/2019, de 28 de março.
1.3. Inconformado com o assim decidido, o Ministério Público interpôs recurso para esta Relação, extraindo da motivação apresentada, as seguintes conclusões:
«1) O Ministério Público promoveu a execução da coima e custas da entidade administrativa, por não terem sido voluntariamente liquidados os valores em dívida por parte do executado.
2) Para o efeito, o Ministério Público submeteu requerimento executivo que deu origem aos presentes autos.
3) Pelo despacho recorrido, o Tribunal a quo decidiu que é absolutamente incompetente em razão da matéria para apreciar a presente acção executiva, considerando que tal competência recai sobre a AT.
4) O legislador não alterou o disposto nos artigos 61.º, 88.º e 89.º, do RCP, mantendo-se a competência para a execução da coima administrativa não paga junto dos Tribunais.
5) Perante a actual redação do artigo 35.º, do RCP, apenas se considera admissível que a AT tenha competência para a execução das custas da entidade administrativa. No que respeita à coima, o legislador não atribuiu essa competência à AT.
6) Ao julgar que é absolutamente incompetente em razão da matéria para apreciar a acção executiva que deu origem aos presentes autos, com o devido respeito por opinião contrária, o tribunal a quo violou o disposto nos artigos 61.º, 88.º, e 89.º, do RGCO, 35.º, do RCP, e 64.º, do CPC, por força do disposto no artigo 4.º, do CPP.
7) Numa interpretação conforme com o disposto nos artigos antecedentes e demais disposições legais aplicáveis, consideramos que o tribunal recorrido nunca se poderia declarar materialmente incompetente para proceder à execução da coima, por se verificar que o Juízo de Competência Genérica de Olhão, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, é territorialmente e materialmente para apreciar a presente acção executiva, devendo os autos prosseguir os seus ulteriores termos.
8) Deve, assim, ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, determinando-se, consequentemente, que prossiga a presente execução relativamente à coima aplicada pela entidade administrativa e, eventualmente, relativamente às custas aplicadas pela entidade administrativa, caso se entenda que o Tribunal recorrido é igualmente competente para a sua execução.
Vossas Ex.ªs, porém, decidirão como for de JUSTIÇA!»
1.4. O recurso foi regularmente admitido, tendo a Exm.ª Juiz a quo proferido despacho de sustentação, mantendo o despacho recorrido.
1.5. Subidos os autos a esta Relação, a Exm.ª Procurador-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de dever ser dado provimento ao recurso.
1.6. Colhidos os vistos, vieram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.


2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Delimitação do objeto do recurso
Atentas as conclusões extraídas pelo recorrente Ministério Público da motivação do recurso e que delimitam o objeto deste último (cf. artigo 412º, nº 1, do CPP), a questão suscitada é a de saber se a competência para a execução, por coima, aplicada pela autoridade administrativa em processo contraordenacional, cabe ao tribunal – no caso concreto, ao Juízo de Competência Genérica de Olhão – ou se cabe à Administração Tributária.
Importa fazer notar que a questão suscitada no recurso e submetida à apreciação desta Relação é apenas a da competência para a execução, por coima, não colocando o recorrente Ministério Público, a questão da competência para a execução por custas, sendo certo que a quantia exequenda reclamada abrange o valor da coima e das custas.


2.2. O despacho recorrido é do seguinte teor:
«Iniciaram-se os presentes autos executivos com requerimento executivo apresentado pelo Ministério Publico, para cobrança de coima, devida ao Município de Olhão.
Estabelece o actual art.º 35º do Regulamento das custas processuais (após - Lei n.º 27/2019, de 28/03) o seguinte:
1 - Compete à administração tributária, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, promover em execução fiscal a cobrança coerciva das custas, multas não penais e outras sanções pecuniárias fixadas em processo judicial.
2 - Cabe à secretaria do tribunal promover a entrega à administração tributária da certidão de liquidação, por via eletrónica, nos termos a definir por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, juntamente com a decisão transitada em julgado que constitui título executivo quanto às quantias aí discriminadas.
3 - Compete ao Ministério Público promover a execução por custas face a devedores sediados no estrangeiro, nos termos das disposições de direito europeu aplicáveis, mediante a obtenção de título executivo europeu.
4 - A execução por custas de parte processa-se nos termos previstos nos números anteriores quando a parte vencedora seja a Administração Pública, ou quando lhe tiver sido concedido apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
5 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, a execução por custas de parte rege-se pelas disposições previstas no artigo 626.º do Código de Processo Civil.
Com a actual redacção da sobredita norma, o Ministério Publico no âmbito da jurisdição criminal junto dos Juízos Locais criminais tem competência unicamente para instaurar execução por multa devida nos processos e indemnizações arbitradas aos ofendidos/vitimas dos processos criminais. Todos os demais valores são cobrados pela A.T. após emissão da competente certidão de divida no processo.
É aliás este o entendimento vertido no parecer n.º 27/2020, de 04-10 do Ministério Publico. Fazendo, como se entende, todo o sentido que se o Ministério Publico junto do tribunal não tem competência para cobrar as custas devidas no próprio processo, não poderá executar custas ou coimas devidas em qualquer outro processo de natureza administrativa, junto de qualquer outra entidade.
Em face do exposto, e tendo em conta o objecto da presente execução, constatamos que este Tribunal é absolutamente incompetente, em razão da matéria, para apreciar e a presente acção executiva, a qual entendemos ser da Autoridade Tributária.
A incompetência absoluta em razão da matéria verificada constitui excepção dilatória, de conhecimento oficioso e a todo o tempo, e importa a absolvição do Executado da instância, nos termos do disposto nos artigos 65º, 97º, 98º, 99º e 577º, al. a) do Código de Processo Civil.
Notifique.
Existindo alguma penhora nos autos proceda ao seu imediato cancelamento.
Existindo valores pagos proceda notificação do executado com informação dos respectivos valores.»

2.3. Tal como já referimos, a questão suscitada no recurso é a de saber se a competência para a execução por coima, aplicada pela autoridade administrativa em processo contraordenacional cabe ao tribunal – no caso concreto, ao Juízo de Competência Genérica de Olhão – ou se cabe à Administração Tributária.
Coloca-se, porém, a questão prévia de saber se a decisão judicial em crise, de declaração de incompetência do tribunal, em razão da matéria, para apreciar a execução por coima, é, ou não, recorrível.
Desde há muito que a enunciada questão tem dividido a jurisprudência desta Relação de Évora[1] e ultimamente essa divergência mostra-se bem evidenciada nos acórdãos e decisões sumárias que têm sido proferidos versando sobre essa matéria. Com efeito, enquanto uns entendem não ser recorrível a decisão em causa[2] outros há que defendem a posição contrária, perfilhando o entendimento de que é admissível a interposição de recurso dessa decisão[3].
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