Acórdão nº 141/12.1PTAMD.L1-9 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-08-14

Ano2023
Número Acordão141/12.1PTAMD.L1-9
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
DECISÃO SUMÁRIA

I

RELATÓRIO

1
No processo n.º 141/12.1PTAMD, que corre termos no Juízo Local Criminal da Amadora – J3, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, foi proferida decisão em 23 de Janeiro de 2022 com o seguinte teor:

“(…) verificando-se que o prazo de prescrição de quatro anos da pena de multa em que foi o arguido AA foi condenado nestes autos se completou no dia 22-08-2022, e inexistindo quaisquer causas de suspensão ou interrupção, declaro a mesma extinta, por decurso do prazo prescricional, nos termos do disposto no art.º 122.º, n.º 1, alínea d) do CP.”

2

O Ministério Público não se conformou com a decisão e interpôs o presente recurso, no qual formulou as seguintes conclusões:

1. O arguido AA foi condenado nos presentes autos, por douta sentença proferida em 22.05.2012, transitada em julgado em 22.02.2018, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal p. e p. pelo artigo 3.°, n.º1 e 2 do Dec.Lei n.º2/98, de 3 de Janeiro, com as disposições conjugadas dos art.s 121.ºe 122.ºdo Código da Estrada, na pena de 100 (cem) dias de multa à razão diária de €6,00 (seis euros), o que perfaz o montante global de €600,00 (seiscentos euros).
2. No entanto, no proc. 518/12.2PFAMD, por sentença de cúmulo proferida em 04.07.2020, ainda não transitada em julgado, mas cujo teor foi dado conhecimento aos presentes autos em 08.07.2020, foi englobada a pena a que o arguido foi condenado nos presentes autos, bem como as aplicadas no âmbito dos proc. 1629/15.8GLSNT, 1066/16.7GLSNT, 199/12.3PBAMD e 2268/12.0T3AMD, tendo o arguido sido condenado:
- na pena única de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão (operando-se cúmulo jurídico entre as penas aplicadas nestes autos e nos processos 1629/15.8GLSNT e 1066/16.7GLSNT);
- na pena única de 220 (duzentos e vinte) dias de multa, à razão diária de 5,00€ (cinco euros), num total de 1 100,00 € (mil e cem euros) (operando-se cúmulo jurídico entre as penas aplicadas nos processos 141/12.1PTAMD, 199/12.3PBAMD e 2268/12.0T3AMD); e
- na sanção acessória única de proibição de conduzir por 20 (vinte) meses, sendo que, procedendo-se ao desconto de 10 (dez) meses já cumpridos, o arguido deverá cumprir o remanescente de 10 (dez meses) de tal sanção acessória (operando-se cúmulo jurídico entre as penas aplicadas nestes autos e nos processos 1629/15.8GLSNT e 1066/16.7GLSNT).
3. Não obstante o exposto, por despacho datado de 23.01.2023, a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo determinou a extinção por prescrição da pena a que o arguido foi condenado nos presentes autos.
4. No entanto, em nosso entendimento, com a realização e com o proferimento da sentença de cúmulo superveniente das penas aplicadas ao arguido, através da qual foi englobada, entre o mais, a pena a que o arguido foi condenado nos presentes autos, as penas unitárias originais deixam, necessariamente, de ter existência.
5. A alteração legislativa operada pela Lei 59/2007, de 04.09 ao art.º 78.ºdo Código Penal, suprimiu, da redacção anterior, o requisito da condenação anterior não se encontrar ainda cumprida, prescrita ou extinta, impondo a realização do concurso, mesmo nestes casos, o que significa que no cúmulo superveniente a realizar devem englobar-se realizar todas as condenações anteriores, mesmo aquelas que já tenham sido cumpridas, declaradas extintas ou prescritas.
6. Esta opção legislativa tem por base o facto do legislador ter estabelecido, de forma peremptória, a forma de efectivação do cúmulo jurídico das penas em concurso, ou seja, que deve ser realizado em audiência de julgamento, consubstanciando um verdadeiro julgamento de mérito em que o tribunal profere uma nova decisão final, no decorrer da qual é valorada, entre o mais, a personalidade do agente, realidade que constitui, o elemento aglutinador da pena aplicável aos vários crimes e tem, necessariamente, carácter unitário, sendo que, a decisão aplicada sobrepõe-se às decisões anteriormente proferidas por cada crime que foi condenado das penas parcelares, as quais englobam e fazem parte integrante na pena única resultante da efectivação do cúmulo.
7. Pelo exposto, conclui-se que foi intenção do legislador ao decretar tais alterações legislativas, sustentar que com o proferimento da sentença de cúmulo superveniente das penas aplicadas ao arguido, as correspondentes penas unitárias deixam de ter existência, e por conseguinte, não devem ser declaradas extintas, nomeadamente por prescrição, em virtude desta decisão consubstanciar um acto inútil, uma vez que, mesmo declarada extinta, a pena deve/tem ser englobada ou mantida no cúmulo realizado.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas., Venerandos Desembargadores, não deixarão de doutamente suprir.
Deve o recurso ser julgado procedente, por provado, e consequentemente, deverá ser o despacho proferido que declarou prescrita a pena de multa substituído por outro que indague o proc. 518/12.2PFAMD sobre o trânsito em julgado da sentença ali proferida.

3

Não foi apresentada resposta ao recurso.

4

Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, o Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, nos seguintes termos:

Interpõe o Ministério Público recurso do despacho proferido a 23 de janeiro de 2023, que declarou prescrita a pena de multa aplicada ao arguido AA.
Conforme resulta na douta argumentação constante da motivação de recurso, uma vez realizado o cúmulo jurídico superveniente as penas parcelares aí englobadas deixam de ter existência jurídica.
No entanto, em nosso entender, tal só ocorre quando a sentença cumulatória transitar em julgado. Até essa altura as penas parcelares mantêm a sua autonomia.
Não tendo ainda transitado em julgado a sentença proferida no Proc. nº 518/12.2PFAMD, do J2, do Juízo Local Criminal da Amadora, que efetuou o cúmulo jurídico, onde foi englobada a pena aplicada nos presentes autos, esta pena ainda não perdeu a sua autonomia originária.
Assim, nada obsta a que possa ser declarada a sua prescrição, de conhecimento oficioso, pelo despacho recorrido.
Pelo que, não se acompanha a posição do Exm.º Colega junto da 1ª instância e emite-se parecer no sentido da improcedência do recurso.

5

Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 417.º, n.º 2, do CPP, não tendo sido dada resposta.

6

Os autos apresentam condições para ser proferida decisão sumária.


II

FUNDAMENTAÇÃO

1

Objeto do recurso:

Pode declarar-se a prescrição de uma pena englobada numa decisão de punição do concurso de infrações enquanto esta decisão não estiver transitada em julgado?

2

Decisão recorrida:

Nos presentes autos foi o arguido AA condenado, por sentença transitada em julgado a 22-08-2018, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de €6,00 (seis euros), perfazendo o total de €600,00 (seiscentos euros).
Tal pena veio a ser integrada em cúmulo jurídico realizado no processo n.º 518/12.2PFAMD, que corre termos no Juízo Local Criminal da Amadora – Juiz 2, cuja sentença cumulatória, proferida em 04-07-2020, ainda não transitou em julgado na presente data (cfr. informação que consta sob ref.ª Citius 22424095),
Notificado para se pronunciar sobre a prescrição da pena de multa em que o arguido foi condenado nestes autos, o Ministério Público defendeu que a mesma não se mostra prescrita, invocando, na esteira do decidido pelo Tribunal da Relação de Évora, por acórdão de 04-06-2019 (Proc. n.º 36/06.8IDFAR.E1, relator Gilberto Cunha), que a pena unitária fixada nestes autos deixou de ter existência jurídica, perdendo a sua autonomia, a partir do momento em que foi integrada no cúmulo jurídico, uma vez que o trânsito em julgado da sentença cumulatória “constitui apenas um requisito para a sua execução pois, a sentença enquanto título executivo, tem de revestir-se do atributo da irrevogabilidade, isto é, da força de caso julgado (...)”.
Assim, conclui que, já não tendo existência jurídica, pelos motivos acima referidos, a pena de multa dos presentes autos já não poderá ser declarada extinta, por prescrição.
Cumpre apreciar e decidir.
Estabelece o artigo 122.º, n.º 1, alínea d) do Código Penal (doravante CP), que a pena de multa prescreve no prazo de quatro anos, acrescentando o n.º 2 do mesmo artigo que “o prazo de prescrição começa a correr no dia em que tiver transitado em julgado a decisão que tiver aplicado a pena.”
Transpondo para o caso que aqui nos ocupa, e considerando que não ocorreu qualquer causa de suspensão ou interrupção da pena, nos termos previstos nos art.º s 125.º e 126.º, ambos do CP, conclui-se necessariamente que o prazo de prescrição de quatro anos, contado da data de trânsito em julgado da sentença proferida nestes autos, se completou em 22-08-2022.
Assente tal facto, a questão que aqui se suscita é a de saber se a circunstância de a pena de multa em que o arguido foi condenado nestes autos ter sido incluída em cúmulo jurídico no processo n.º 518/12.2PFAMD, por sentença ainda não transitada em julgado, obsta à declaração da sua extinção, por decurso do prazo prescricional.
E quanto a esta matéria, salvo melhor entendimento, não se acompanha a posição do Ministério Público, secundada pelo acórdão a que acima se fez referência, pelas razões que se passam a apresentar.
Ora, de acordo com o n.º 2 do art.º 122.º do CP, que se transcreveu supra, a data relevante para efeitos de contagem do prazo de prescrição de uma pena é a do trânsito em julgado da sentença que a aplicou, o que sucede em virtude de, até esse momento, a sentença em questão
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