Acórdão nº 1383/23.0T8TUD.L1-4 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2024-02-21

Ano2024
Número Acordão1383/23.0T8TUD.L1-4
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam em conferência, na 4.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa


Recurso de decisão judicial em matéria de contraordenações

Tribunal de origem: Juízo do Trabalho de Torres Vedras – Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte

Recorrente/arguida

AA…

Recorrido

Ministério Público

Autoridade administrativa

Centro Distrital de Lisboa do Instituto de Segurança Social I.P., com sede na Avenida 5 de Outubro, n.º 175, 1069-451, Lisboa.

Sentença recorrida
1.A recorrente, veio interpor o presente recurso da sentença proferida em 11.10.2023 com a referência citius 158373660, pelo Juízo do Trabalho de Torres Vedras, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte (doravante também Tribunal de primeira instância ou Tribunal a quo),cuja parte decisória a seguir se transcreve:

“III–DECISÃO

Pelo exposto, julgo a impugnação judicial parcialmente procedente e, em consequência:

1)-Declaro a nulidade da decisão impugnada na parte em que imputa e sanciona a Arguida pela prática de uma contraordenação p. e p. pelos artigos 3º, n.º 1, al. a), 9º, n.º 1, al. a), do D.L. n.º 156/2005, de 15 de setembro, absolvendo a Arguida relativamente à prática de tal infração;

2)-Condeno a Arguida pela prática de uma contraordenação muito grave p. e p. pelos artigos 11º, n.º 1, 39º-B, al. a), e 39º-E, al. a), e 39º-F e 39º-H, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 64/2007, de 14/03, na redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 33/2014, de 04/03, no pagamento da coima no valor de €20.000,00 (vinte mil euros) e na sanção acessória de encerramento do estabelecimento (identificado no ponto 1) dos factos provados), por um período de 24 (vinte e quatro meses).

Custas a cargo da Arguida / recorrente, fixando a taxa de justiça em 3 Uc’s – artigo 94º, n.º 3, do RGCO, e artigo 8.º, n.º 7, do RCP e Tabela III, anexa ao mesmo, ex vi artigos 59º e 60º da Lei n.º 107/2009, de 14/09.

Comunique de imediato ao ISS, IP. (artigo 45º, n.º 3, da Lei n.º 107/2009, de 14/09).”

Alegações da recorrente

2.No recurso, a recorrente, pede a revogação da sentença recorrida.

3.Nas alegações, vertidas nas conclusões, a recorrente invoca argumentos que o Tribunal sintetiza como se segue:

Conclusões 1 a 23

  • Erro de apreciação da sentença recorrida ao julgar que não existiu nulidade da decisão administrativa por falta de notificação da arguida para exercer o direito de defesa na fase administrativa;
  • Falta de factos provados para servir de base à apreciação dessa questão;
  • Reapreciação da matéria de facto constante dos factos provados 2 e 5 por terem sido erradamente considerados provados;
Conclusões 24 a 30
  • A actividade da recorrente não visa dar a resposta social de uma creche, mas de serviços de babysitting;
  • Nulidade da sentença recorrida por falta de análise de elementos de prova relevantes para a decisão, nomeadamente dos recibos que se referem à actividade de babysitting e por insuficiência da fundamentação;
Conclusões 31 a 45
  • Erro de direito por não ter sido aplicada a lei nova, mais favorável à arguida, nomeadamente as alterações introduzidas pelo DL 126-A/2021 e a disposição constante do artigo 31.º n.º 4 do DL 64/2007;
Conclusões 46 a 47
  • Erro da decisão ao não levar em conta, na fixação da medida concreta da coima em 20 000,00 euros, que esse montante é catastrófico para a capacidade financeira da arguida enquanto pessoa singular, que é inferior à de uma pessoa colectiva;
Conclusões 48 a 61
  • Nulidade da sentença recorrida à luz do disposto no artigo 379.º do Código de Processo Penal (CPP);
  • O Tribunal a quo devia ter averiguado quais os rendimentos e despesas da arguida, as suas declarações de IRS, e ter incluído na matéria de facto provada a sua situação económica;
  • O Tribunal a quo devia ter averiguado o benefício económico obtido pela arguida;
  • O Tribunal a quo devia ter suspendido a execução da coima, uma vez que a arguida agiu ao abrigo do estado de necessidade e a ameaça da aplicação da coima se mostra suficiente para alcançar as finalidades da punição, tendo em conta que a arguida não tem antecedentes contraordenacionais, cessou de imediato a infracção quando foi inspeccionada e não se provaram danos para a saúde e bem-estar das crianças em causa;
Conclusões 62 a 67
  • A deliberação e publicação da delegação de poderes de fiscalização e aplicação de sanções na directora do centro distrital de segurança social é nula porque não foi assinada por todos os membros do conselho directivo do Instituto de Segurança Social, o que contraria o disposto no artigo 5.º do DL 83/2012, uma vez que, tratando-se de um órgão colegial, não existe norma que dispense a assinatura de todos os seus membros;
  • Tal deliberação viola o disposto no artigo 198.º n.º 1 – a) da Constituição da República Portuguesa (CRP);
Conclusões 68 a 75
  • A sentença recorrida é nula e deve ser revogada porque viola os artigos 207.º e 208.º da CRP e os artigos 374.º e 375.º do CPP.

Resposta do Ministério Público

4.O digno magistrado Ministério Público junto ao Tribunal de primeira instância respondeu, pedindo que seja negado provimento ao recurso, defendendo, em síntese, que a sentença recorrida não padece de nulidade, insuficiência de fundamentação ou erro de direito.

Tramitação do recurso na segunda instância

5.Na segunda instância foi cumprido o disposto nos artigos 416.º e 417.º do CPP.

6.Admitido o recurso, mantido o seu efeito e corridos os vistos, cumpre decidir.

Delimitação do âmbito do recurso

7.As questões relevantes para a decisão do recurso, suscitadas nas alegações e vertidas nas conclusões, são as seguintes:

A.–Nulidades da sentença recorrida e preterição do direito de defesa

B.–Nulidade e inconstitucionalidade da delegação de poderes para proferir a decisão administrativa

C.–Erro na qualificação jurídica do estabelecimento como creche

D.–Aplicação da lei contraordenacional mais favorável

E.–Medida concreta da coima e suspensão da execução da coima

Factos

8.Nota preliminar:os factos provados e não provados, constantes da decisão recorrida, serão a seguir agrupados, respectivamente, em dois parágrafos, antecedidos da numeração que lhes foi atribuída na sentença recorrida, para facilitar a leitura e remissões.

9.Factos provados:

1)-Em 13/11/2020 uma equipa de fiscalização do NFES/UFLVT/DF do I.S.S., I.P. deslocou-se ao estabelecimento denominado "Pezinhos de Lã", propriedade da Arguida, sito na Rua ..... ....., n.º..., G____, ....-... P____ R___, T____ V____;
2)-Em tal data e pelo menos desde agosto de 2019, a Arguida desenvolvia no supra referido estabelecimento, com finalidade lucrativa, a resposta social de creche sem que para o efeito existisse licença de funcionamento ou autorização provisória de funcionamento, licença de utilização emitida pela Câmara Municipal de Torres Vedras, Parecer da Autoridade Nacional de Proteção Civil, e Parecer ou Auto de Vistoria Higio-Sanitário;
3)-À data da fiscalização o supra referido estabelecimento era frequentado por um total de 9 (nove) crianças inscritas, com idades compreendidas entre os 8 meses os 31 meses - das quais a admissão mais antiga remonta a agosto de 2019 - durante o período correspondente ao impedimento dos pais ou de quem exerça as responsabilidades parentais, mediante o pagamento de mensalidades no montante de €125,00 por criança;
4)-A Arguida não formalizou junto do ISS, I.P. qualquer pedido de licenciamento da resposta social de creche que operava no referido estabelecimento;
5)-Ao não diligenciar pela obtenção da licença de funcionamento ou autorização provisória de funcionamento em momento temporal anterior à abertura da resposta social de creche no respetivo estabelecimento e mantendo-a em funcionamento no estabelecimento sem o imperativo licenciamento, a Arguida atuou representando a prática do ilícito contraordenacional como resultado possível da sua conduta e ainda assim, levou-a a cabo de forma voluntária e consciente, conformando-se com o resultado.

10.Factos não provados:

1)-O quadro de pessoal da resposta social de creche que operava no referido estabelecimento era insuficiente para a prestação de serviços às 9 crianças inscritas;
2)-As instalações do estabelecimento não se encontravam adequadas e adaptadas aos requisitos específicos e imperativos para o funcionamento da resposta social de creche;
3)-A Arguida oferecia um serviço privado e pago que se traduzia na atividade denominada de “babysitting”, não possuindo ou explorando qualquer estabelecimento de apoio social onde era exercida a resposta social de “creche”, o qual nunca teve intenção de criar;
4)-A Arguida nada teve que ver com a elaboração e execução do projeto de abertura do estabelecimento, já que contratou terceiros para o efeito.

Quadro legal relevante
11.Tem relevo para a decisão, essencialmente, o seguinte quadro legal:

Constituição da República Portuguesa ou CRP

Artigo 161.º
(Competência política e legislativa)
Compete à Assembleia da República:
a)-Aprovar alterações à Constituição, nos termos dos artigos 284.º a 289.º;
b)-Aprovar os estatutos político-administrativos e as leis relativas à eleição dos deputados às Assembleias Legislativas das regiões autónomas;
c)-Fazer leis sobre todas as matérias, salvo as reservadas pela Constituição ao Governo;
d)-Conferir ao Governo autorizações legislativas;
e)-Conferir às Assembleias Legislativas das regiões autónomas as autorizações previstas na alínea b) do n.º 1 do artigo 227.º da Constituição;
f)-Conceder amnistias e perdões genéricos;
g)-Aprovar as leis das grandes opções dos planos nacionais e o Orçamento do Estado, sob proposta do Governo;
h)-Autorizar o Governo a contrair e a conceder empréstimos e a realizar outras operações de crédito que não sejam de dívida flutuante, definindo as respectivas condições gerais, e estabelecer o limite máximo dos avales a conceder em cada ano pelo Governo;
i)-Aprovar os tratados, designadamente os
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