Acórdão nº 137/22.5SCLSB.L1-9 de Tribunal da Relação de Lisboa, 02-02-2023

Data de Julgamento02 Fevereiro 2023
Ano2023
Número Acordão137/22.5SCLSB.L1-9
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
1. RELATÓRIO
ACÓRDÃO
Por sentença proferida no dia 08.06.22 (cfr. Acta do respectivo dia) o arguido A foi condenado como autor material na forma consumada, em 22/05/2022, de um crime de consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, previsto e punível pelo nºs 1 e 2, do artigo 40.º e Tabela I-C, do Decreto-lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, conjugado com o n.º 2, do artigo 2.º, da Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-lei n.º 114/2011, de 30 de Novembro, na pena de oitenta (80) dias de multa, à razão diária de cinco euros (€5,00 euros), o que descontado um (1) dia por detenção, atento o disposto no artigo 80.º nº 2 do CP, perfaz a quantia global de trezentos e noventa e cinco euros (€395,00 euros);

Não se conformando desta decisão, o arguido recorreu.
Junta a motivação, e na sequência do Parecer do Ex. Sr. Procurador Geral Adjunto foi convidado a efectuar conclusões sob pena de rejeição do recurso, o que fez:

CONCLUSÕES:
A Impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto dada como provada constante da alínea b) da sentença recorrida (n.º 3 do Artigo 412.º do CPP) e a ampliação da matéria de facto.
1. O Tribunal a quo deu como provado que o arguido bem sabia a natureza e características estupefacientes que tinha consigo e que lhe era vedada a sua posse/detenção/transporte, por a quantidade de produto estupefaciente apreendido corresponder a 27 doses individuais.
2. Da prova produzida em audiência de julgamento (declarações por si prestadas), impõe-se decisão diversa da recorrida.
3. O arguido impugna o facto dado como provado que o arguido este detinha uma quantidade de produto estupefaciente a que corresponde 27 doses individuais, que agiu o arguido deliberada, livre e conscientemente, com o propósito, alcançado, de trazer consigo/deter/transportar, o aludido produto, bem sabendo, a natureza e características estupefacientes do mesmo e que lhe era (é) vedada a sua posse/detenção/transporte. Bem sabendo que a sua conduta era (é) proibida e criminalmente punida (facto b) dado como provado).
4. As declarações prestadas pelo recorrente são suficientes para se demonstrar que o arguido era consumidor de haxixe, que destinava o produto que lhe foi apreendido ao seu consumo exclusivo e que a quantidade apreendida não ultrapassa as 10 doses diárias.
5. A matéria de facto dada como provada também deverá ser ampliada, constando da mesma que a quantidade apreendida não era suficiente para as dez doses diárias de consumo.
6. A prova que impõe decisão diversa da recorrida corresponde às declarações prestadas pelo arguido em audiência de discussão e julgamento de 08/06/2022 (com início às 11 horas e 22 minutos e o seu termo pelas 11 horas e 29 minutos) e com as passagens relevantes que se mostram transcritas no corpo da motivação de recurso.
7. Resulta das mesmas que o recorrente é consumidor de haxixe, que a quantidade que lhe foi apreendida destinava-se ao seu exclusivo consumo, que a mesma a apreendida não ultrapassa as dez doses diárias para o consumo médio do arguido e que o arguido consumia cerca de 30 gramas por mês.
8. Por conseguinte, a quantidade que detinha servia apenas para pouco mais de 5 dias.
9. O recorrente discorda da fundamentação do Tribunal a quo quanto ao facto que se impugna, pois o recorrente referiu que é consumidor de haxixe há vários anos, que consome tal substância e que a quantidade apreendida daria para fumar durante cinco ou seis dias.
10. Ademais, os valores da tabela constante da Portaria n.º 94/96, de 26/03 não devem ser aplicados de forma automática, pois a dose média de consumo varia de pessoa para pessoa.
11. Neste mesmo sentido, foi proferido acórdão Tribunal da Relação de Lisboa a 26 de Setembro de 2017 no âmbito do processo n.º 36/13.1GBALQ.L1-5 (com transcrições relevantes no corpo da motivação de recurso).
12. A quantidade apreendida está longe de ser significativa e por 0.05g (!!!) ultrapassa o limite máximo indicativo.
13. É normal e comum que um consumido regular de haxixe consuma mais de 5 gramas durante 10 dias – o que sucede com o arguido.
14. Conforme referido por Manuel Monteiro Guedes Valente, in Consumo de Drogas Reflexões sobre o quadro legal, Capítulo do Traficante-consumidor, do tráfico de menor gravidade e do consumo agravado, “Se se obtiverem indícios de que a quantidade é, não obstante ser superior ao consumo médio de 10 dias, para consumo do próprio (…) deve aplicar-se o regime contra-ordenacional especial previsto na Lei n.º 30/2000 e nunca o regime criminal sob pena de violarmos a teologia da política criminal de descriminalização, o princípio da necessidade de intervenção penal e o princípio da legalidade constitucionalidade penal”.
15. É exactamente o que sucede no presente caso, pois o arguido é consumidor de haxixe e consome cerca de 1 grama diariamente, tendo feito prova disso através das suas declarações (cuja credibilidade não foi posta em causa).
16. Por conseguinte, não sendo os valores da portaria n.º 94/96, de 26 de Março de aplicação automática, deverá ser dado como provado que o arguido consome cerca de 1 grama diariamente e que a quantidade que se encontra apreendida não corresponde a 27 doses individuais, mas sim a 5.
17. Pelo que o Tribunal a quo procedeu a uma errada apreciação da prova, violando os artigos 40.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, com referência à Tabela I-C, anexa a esse diploma legal, anexa a esse diploma legal, devendo absolver o arguido do crime pelo qual vinha acusado.
18. Por conseguinte, deverá o acórdão recorrido ser modificado na parte em que dá como provado que a quantidade de haxixe apreendida corresponde a 27 doses individuais e que o arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, com o propósito, alcançado, de trazer consigo/deter/transportar, o aludido produto, bem sabendo, a natureza e características estupefacientes do mesmo e que lhe era (é) vedada a sua posse/detenção/transporte. Bem sabendo que a sua conduta era (é) proibida e criminalmente punida, dando como não provados tais factos.
19. Mais deverá a matéria de facto dada como provada ser ampliada, ficando a constar da mesma que a quantidade de produto estupefaciente apreendida ao arguido corresponde a 5 doses individuais.
*
A Digna Magistrada do Ministério Público respondeu dizendo:
(…)
Daqui resulta que é a seguinte a questão a apreciar:
- O Tribunal a quo fez uma correcta apreciação e valoração da prova?
De acordo com os elementos probatórios carreados para os autos, cremos, salvo melhor opinião, que a resposta é positiva.
Na verdade, o tribunal a quo deu como provados os factos vertidos no libelo acusatório em face da confissão livre, integral e sem reservas – conforme se alcança da acta de julgamento com a referência citius 416588610 (e respectiva gravação), da qual, resulta que e, passamos a transcrever «(...)Logo de seguida, o Mm.º Juiz proferiu o seguinte despacho:
"O arguido confessou de forma livre integral e sem reservas dos factos que se encontra acusado, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 344º do C.P.P. consequentemente dispensa-se a testemunha que se encontra presente".»
Para além da confissão do arguido, o tribunal a quo, atendeu, também, ao teor do relatório pericial junto a fls. 32, no que respeita à natureza do produto apreendido ao arguido, ao respectivo grau de pureza (%) e ao número de doses individuais correspondente [grau de pureza (%) 27.2 (THC); vinte e sete (27) doses].
Os elementos constantes do referido relatório pericial elaborado pelo Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária, revestem uma natureza técnico-científica e não são susceptíveis de ser abalados pelas declarações prestadas pelo arguido/recorrente.
Pelo exposto, não assiste razão ao recorrente ao afirmar que o tribunal a quo deveria ter dado como provado que a quantidade de produto estupefaciente apreendida ao arguido corresponde a cinco (5) doses individuais, sendo certo, que de acordo com o teor do aludido relatório pericial, o produto apreendido ao arguido correspondia a vinte e sete (27) doses.
Pelo que, em Conclusão:
- O tribunal a quo fez uma correcta apreciação e valoração da prova.
- A decisão proferida pelo tribunal a quo é formal e materialmente válida.
Termos em que, devem improceder os argumentos apresentados pelo recorrente, ser negado provimento ao recurso e confirmada na íntegra a decisão recorrida, fazendo-se, assim, a tão costumada Justiça.
*
Já nesta Relação, o Ex. Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu Parecer dizendo:
Impugna o arguido a matéria de facto dada como provada na sentença proferida nestes autos, em processo sumário, a qual o condenou pela prática de um crime de consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, previsto e punível pelo n.ºs 1 e 2, do artigo 40 e Tabela I do Decreto-lei nº 15193, de 22 de Janeiro, conjugada com o n.º 2, do artigo 2.9, da Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro, com as alterações introduzidas peio Decreto-lei nº 114/2011, de 30 de Novembro, na pena de oitenta (80) dias de multo, à razão diária de cinco euros (€5,00 euros), o que descontado um (1) dia por detenção, atento o disposto no artigo 80º nº do CP, perfaz a quantia global de trezentos e noventa e cinco euros (€395,00 euros),
Alicerça o arguido a sua fundamentação unicamente na circunstância do teor das suas declarações prestadas em audiência (que transcreve), e que constituíram a única prova que durante esta foi produzida, imporem, no seu entender, decisão diversa,
O tipo legal pelo qual o arguido foi condenado prescreve, no seu n.º 1, que quem consumir ou, para o seu consumo, cultivar, adquirir ou detiver plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 30 dias e, no seu n.º 2, que se a quantidade de plantas, substâncias ou preparações cultivada, detida
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