Acórdão nº 1363/21.0BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 2022-04-21

Data de Julgamento21 Abril 2022
Ano2022
Número Acordão1363/21.0BELSB
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I. RELATÓRIO
1. A Ordem dos Enfermeiros, pessoa colectiva 504………, instaurou no TAC de Lisboa contra o Ministério da Saúde um processo cautelar, no qual peticionou a suspensão de eficácia do acto administrativo contido no Despacho nº 7539/2021, de 23 de Julho.
2. O TAC de Lisboa, por sentença datada de 6-1-2022, julgou verificada a excepção de ilegitimidade da entidade demandada, absolvendo-a, em consequência, da instância.
3. Inconformada, a Ordem dos Enfermeiros interpôs recurso de apelação para este TCA Sul, tendo concluído a sua alegação nos seguintes termos:
A) A presente providência tem por objecto a suspensão de eficácia do Despacho nº 7539/2021, de 23 de Julho, da Ministra da Saúde, publicado em Diário da República a 30-7-2021.
Quanto ao mérito do recurso:
Do erro na interpretação e aplicação do direito
Síntese da decisão recorrida
B) A decisão recorrida indeferiu a providência cautelar e absolveu a entidade requerida da instância nos termos do artigo 89º, nºs 1, 2 e 4, alínea e), do CPTA, ao considerar que o Despacho suspendendo tinha natureza regulamentar (e não de acto administrativo) e, como tal, por a requerente não ter legitimidade para requerer a suspensão de eficácia do mesmo.
C) A recorrente não pode deixar de discordar com a análise da sentença recorrida a este respeito, que ignora a jurisprudência de tribunais superiores, assim como doutrina de reconhecido mérito.
A natureza do Despacho nº 7539/2021, de 23 de Julho
D) O Despacho suspendendo invoca, como normas habilitantes, o nº 1 do artigo 27º do Decreto-Lei nº 169-B/2019, de 3 de Dezembro (irrelevante para os presentes autos), e o artigo 17º da Lei nº 81/2009, de 21 de Agosto.
E) Da consideração conjunta do artigo 17º da Lei nº 81/2009, de 21 de Agosto, e do nº 3 do artigo 138º do CPA, poderia resultar que o Despacho nº 7539/2021, de 23 de Julho, tem natureza regulamentar (tal como a sentença recorrida sustenta).
F) Contudo, a forma que reveste uma determinada decisão é indiferente para a determinação da sua impugnabilidade (numa precedência da substância quanto à forma) – cfr. artigo 268º, nº 4 da CRP e artigo 52º, nº 1 do CPTA (ver ALMEIDA, MÁRIO AROSO DE, “Manual de Processo Administrativo”, Coimbra, Almedina, 5ª edição, 2020, pp. 286-287; ANDRADE, JOSÉ CARLOS VIEIRA DE, “Lições de Direito Administrativo”, Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 5ª edição, pp. 171 a 173).
G) De entre os actos administrativos, importa ter em conta a categoria de actos administrativos gerais plurais, enquanto actos que são aplicáveis a tantas situações concretas como as dos seus destinatários, sendo que para tanto basta que os destinatários sejam identificados por referência a uma categoria, classe ou grupo de indivíduos (ver ANDRADE, JOSÉ CARLOS VIEIRA DE, “Lições de Direito Administrativo”, Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 5ª edição, p. 173; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no âmbito do processo nº 128/15.2YFLSB, de 31 de Março de 2016; Acórdão do STA, datado de 6-11-1997; Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 18-6-2020, no âmbito do Processo nº 398/08.2BELSB).
H) Analisados cada um dos elementos da referida definição concluímos que o Despacho suspendendo se insere, sem margem de dúvidas, na categoria de acto administrativo por incorporar uma estatuição de autoridade (permissão de acesso, por parte dos Assistentes Técnicos à plataforma VACINAS e de registo da inoculação), ter destinatários determináveis (assistentes técnicos que estejam alocados ao Processo de Vacinação contra a COVID-19 pelo país), por se multiplicar e desdobrar numa pluralidade de actos, individualizada relativamente a cada um dos Assistentes Técnicos que pode passar a registar inoculações, marca e lote das vacinas contra a COVID-19.
I) Desta forma, o Despacho nº 7539/2021, de 23 de Julho, consubstancia um acto administrativo plural.
J) Em face do exposto, a sentença recorrida, ao considerar que o Despacho nº 7539/2021, de 23 de Julho, consubstancia um regulamento administrativo, interpreta e aplica incorrectamente o teor do referido despacho, bem como os artigos 135º e 148º, ambos do CPA. Os referidos preceitos devem ser interpretados e aplicados no presente caso no sentido de se concluir que o Despacho nº 7539/2021, de 23 de Julho, na parte em que se requer a respectiva suspensão de eficácia, é um acto administrativo. Consequentemente, a sentença recorrida, ao entender que o objecto da presente providência é a suspensão de eficácia de normas interpreta e aplica incorrectamente os artigos 112º, 128º e 130º, todos do CPTA. Os referidos preceitos devem ser interpretados e aplicados ao presente caso no sentido de a presente providência ter por objecto a suspensão de eficácia de acto administrativo.
Legitimidade activa da Recorrente admitindo que o Despacho tem a natureza de acto administrativo
K) Decorrência do supra exposto, a requerente tem legitimidade para apresentar a presente providência, nos termos e para os efeitos dos artigos 112º e seguintes, do CPTA, e do nº 1 do artigo 55º do CPTA.
L) No apuramento da legitimidade de a requerente apresentar a presente providência, devemos atentar ao disposto no artigo 3º do EOE, na alínea d) do artigo 104º do EOE, e no Regulamento do Exercício Profissional dos Enfermeiros, aprovado pelo Decreto-Lei nº 161/96, de 4 de Setembro.
M) No presente caso, a legitimidade da requerente encontra fundamento nos termos e para os efeitos do artigo 55º, nº 1, alínea c) do CPTA, estando a recorrente, ao propor a presente providência, a fazer valer os direitos e interesses que lhes cumpre defender (na medida em que pretende obstar à prática de actos de enfermagem por não enfermeiros, cuja competência para regular é exclusiva da recorrente).
N) Em face do exposto, a sentença recorrida, ao considerar que o Despacho nº 7539/2021, de 23 de Julho, ao entender que a ora recorrente não é parte legítima nos presentes autos, interpreta e aplica incorrectamente o teor do referido despacho, bem como os artigos 135º e 148º, ambos do CPA, e os artigos 55º, nº 1, alínea c) e 112º e seguintes, todos do CPTA. Os referidos preceitos devem ser interpretados e aplicados no presente caso no sentido de se concluir que a recorrente tem legitimidade para requerer a suspensão de eficácia do Despacho nº 7539/2021, de 23 de Julho, na parte em que se requer a respectiva suspensão de eficácia, é um acto administrativo.
O) Além disso, pretendendo a requerente, com a presente providência, defender o regular exercício da profissão, bem como defender o direito à integridade e à saúde dos destinatários dos cuidados, funções estas que derivam do próprio Estatuto da requerente, a mesma detém legitimidade activa nos termos e para os efeitos da alínea f) do nº 1 do artigo 55º, e do nº 2 do artigo 9º, ambos do CPTA.
P) A sentença recorrida, ao considerar que o Despacho nº 7539/2021, de 23 de Julho, ao entender que a ora recorrente não é parte legítima nos presentes autos, interpreta e aplica incorrectamente o teor do referido despacho, bem como os artigos 135º e 148º, ambos do CPA, e os (artigos) 9º, nº 2, 55º, nº 1, alínea f), e 112º e seguintes, todos do CPTA. Os referidos preceitos devem ser interpretados e aplicados no presente caso no sentido de se concluir que a recorrente tem legitimidade para requerer a suspensão de eficácia do Despacho nº 7539/2021, de 23 de Julho, na parte em que se requer a respectiva suspensão de eficácia, é um acto administrativo.
Caso assim se não entenda, isto é, caso se considere que o Despacho nº 7539/2021, de 23 de Julho, é um regulamento administrativo – o que se admite, sem conceder, por mera cautela de patrocínio – a requerente é, ainda assim, parte legítima. Senão vejamos:
Da legitimidade activa da ora recorrente admitindo que o Despacho tem a natureza de regulamento administrativo
Considerações preliminares
Q) No presente caso, a recorrente, enquanto Ordem dos Enfermeiros, encontra legitimidade – admitindo, sem conceder, e por mera cautela de patrocínio, a natureza regulamentar do Despacho suspendendo – por duas vias distintas:
I. A recorrente tem legitimidade para requerer a suspensão da eficácia do Despacho nº 7539/2021, de 23 de Julho, da Ministra da Saúde, com efeitos circunscritos ao seu caso concreto, nos termos do artigo 130º, nº 1 e artigo 73º, nº 1, alíneas a) e b), todos do CPTA, por se tratar de uma entidade com interesse na declaração da ilegalidade;
II. A recorrente tem legitimidade para requerer a suspensão da eficácia do Despacho nº 7539/2021, de 23 de Julho, da Ministra da Saúde, com força obrigatória geral, nos termos do artigo 130º, nº 2 do CPTA, no âmbito da legitimidade popular que lhe é reconhecida enquanto associação pública defensora dos interesses gerais dos seus destinatários e do direito à saúde pública, nos termos do artigo 9º, nº 2 do CPTA.
R) Para determinar a legitimidade activa da requerente cumpre verificar em que medida é que o Despacho suspendendo prejudica a Ordem dos Enfermeiros e/ou se atenta contra o valor e bem constitucionalmente protegido da saúde pública cuja protecção cabe dentro das atribuições da requerente, sendo para tal relevante recordar que no requerimento inicial são imputadas as seguintes invalidades ao Despacho nº 7539/2021, de 23 de Julho: ausência de base legal para a prática do Despacho; violação do artigo 104º, alínea d) do EOE, e do artigo 5º, nº 3, alínea e) do REPE, por colocar em causa o dever do enfermeiro de assegurar a continuidade dos cuidados, na qual se inclui a realização de registos; violação do artigo 3º, nº 2 do EOE, na medida em que o Despacho atribui aos enfermeiros competências de supervisão dos assistentes técnicos, sendo que a atribuição de competências a enfermeiros é uma competência exclusiva da Ordem dos...

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