Acórdão nº 128/15.2YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 31 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA MENDES
Data da Resolução31 de Março de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

* Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA, juíza de direito, a exercer funções no Tribunal Judicial da Comarca ... - Instância Local de ...., interpôs recurso contencioso da deliberação de 29 de Setembro de 2015, do Plenário do Conselho Superior da Magistratura, que decidiu rejeitar o recurso por si interposto de despacho proferido em 25 de Setembro de 2014 pelo Presidente do Tribunal Judicial da Comarca ..., que definiu as regras de substituição dos juízes do Tribunal da Comarca ..., por irrecorribilidade daquela decisão.

No articulado apresentado a recorrente alegou[1]: I – Objeto do recurso 1º O ato impugnado é, como se disse, a douta deliberação do Conselho Plenário do CSM, de 29 de setembro de 2015, que decidiu que “como o comando emitido pelo Senhor Juiz Presidente da Comarca ... não constitui acto administrativo, é manifesta a inadmissibilidade legal do meio utilizado para o seu autocontrolo administrativo, pois o recurso hierárquico cabe somente dos actos administrativos praticados pelo juiz presidente (artigo 98º da LOSJ), o que constitui causa de rejeição (artigo 173, b), do Código do Procedimento Administrativo)” (cf. doc. 1 que se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, assim como o de todos os documentos doravante juntos, para todos os legais efeitos).

  1. A A. é diretamente visada e lesada pela douta deliberação impugnada, pelo que tem legitimidade.

  2. A A. encontra-se a exercer funções no Tribunal Judicial da Comarca ...— Instância local de ... , tendo sido notificada do ato impugnado em 8 de outubro de 2015, pelo que está em tempo — cf. artigo 169º, nº 1, do EMJ.

  3. O Tribunal é competente, nos termos do disposto no artigo 168º, nº 1, do EMJ.

    II — Da factualidade subjacente à douta deliberação impugnada 5º Em 25 de setembro de 2014, foi preferido despacho pelo Exmo. Senhor Presidente do Tribunal Judicial da Comarca ... que definiu as regras de substituição dos juízes do Tribunal da Comarca ... (cf. doc. 2 que se junta).

  4. Em 6 de outubro de 2014, a A. apresentou junto do Conselho Superior de Magistratura, recurso do despacho acima identificado, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 98º da Lei nº 62/2013, de 26 de agosto (LOSJ) — cf. doc. 3 que se junta.

  5. Por deliberação datada de 29 de setembro de 2015, veio o R. deliberar pela rejeição do recurso interposto (cf. doc. 1 já junto), sufragando, para tanto e em síntese, que: «O presente recurso hierárquico encontra respaldo legal no artigo 98º da Lei de Organização do Sistema Judiciário (…), doravante designada por “LOSJ”, ao dispor que cabe recurso para o Conselho Superior de Magistratura dos actos administrativos praticados pelo presidente do tribunal. Norma que tem de coonestar-se com as regras do Código do Procedimento Administrativo (CPA), designadamente com a definição de acto administrativo ínsita no artigo 120º. (…) Nessa medida, para que um qualquer acto do juiz presidente do tribunal seja recorrível para o Conselho Superior da Magistratura tem de enformar uma natureza individual, referir-se a uma ou mais pessoas concretamente identificadas e destinar-se a regular uma determinada situação individual. Se, ao invés, esse acto tiver características de generalidade e abstracção, for dirigido a destinatários indeterminados e aplicável a situações imprecisas, então carece de natureza individual e concreta que o reconduziria a acto administrativo.

    (…) A norma jurídica é geral, define os seus destinatários por meio de conceitos ou categorias universais, sem individualização de pessoas, e é abstracta, define as situações de vida a que se aplica também por meio de conceitos ou categorias. Em contraponto, o acto administrativo é individual, reportando-se a uma pessoa ou a algumas pessoas especificamente identificadas, e é concreto, visando regular uma certa situação bem caracterizada.

    (…) Centrados no comando dirigido pelo Exmo. Juiz Presidente do Tribunal da Comarca ... a todos os juízes da comarca, verifica-se que ele enforma de normas gerais e abstractas emitidas no exercício da função administrativa, com destinatários indeterminados e aplicável a situações de vida indeterminadas, de vigência sucessiva. Com efeito, os seus destinatários carecem de identificação nominativa, antes estão referidos aos lugares da estrutura judiciária do Tribunal Judicial da Comarca ... (…).

    Ademais, o comando em causa não estabelece qualquer período temporal de vigência, e, por isso, os lugares podem ser ocupados pelos juízes que ali exercem funções à data da sua emissão como pelos outros que ali venham a ser colocados em futuros movimentos judiciai, bom como, transitoriamente, por juízes auxiliares ou do Quadro Complementar que neles sejam destacados em substituição dos titulares ausentes do efectivo exercício de funções. Nessa perspectiva, sendo o comando suscpetível de aplicação a todos os juízes que exercem ou venham a exercer funções no Tribunal Judicial da Comarca ..., o acto impugnado caracteriza-se pela generalidade e pela abstracção, porque vale para todas as situações que, durante a respectiva vigência, venham a ocorrer e que impliquem a convocação do regime de substituição de juízes em caso de faltas ou impedimentos”.

  6. Salvo o devido respeito, cremos que o douto Acórdão do Conselho Plenário do R. enferma do que se pensa ser um manifesto erro de julgamento, pelo que o mesmo deve ser anulado e substituído por outro que, admitindo o recurso, aprecie a questão de mérito colocada à consideração e julgamento do R..

    Senão vejamos III – Do erro de Julgamento i) Da distinção entre ato administrativo e regulamento administrativo 9º Na aferição do manifesto erro de erro de julgamento de que padece a douta deliberação impugnada, importa, antes de mais, revelar a distinção entre ato administrativo e regulamento administrativo.

    Vejamos: 10º Por ato administrativo entende-se “uma estatuição autoritária, relativa a um caso individual, manifestada por um agente da Administração no uso de poderes de direito administrativo, pela qual se produzem efeitos externos, positivos ou negativos” (cf. Rogério Soares, Direito Administrativo, lições ao Curso Complementar de Ciências Jurídico-Políticas da Faculdade de Direito de Coimbra no ano lectivo de 1977/78, p. 76).

  7. Ou como nos ensina Freitas do Amaral, “é o acto jurídico unilateral praticado por um órgão da administração no exercício do poder administrativo e que visa a produção de efeitos jurídicos sobre uma situação individual num caso concreto” (cf. Direito Administrativo, Vol. III, p. 66).

  8. Já Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, aproveitando as definições avançadas pelos autores referenciados supra, entendem que ato administrativo, para efeitos do Código do Procedimento Administrativo (CPA), “é a medida ou prescrição unilateral da Administração que produz, direta, individual e concretamente, efeitos de direito administrativo vinculantes de terceiros” (cf. Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2ª edição, Almedina, 2003, p. 550).

  9. Em suma, e conforme nos explicitam os autores identificados supra (cf.

    ob. cit.

    , pp. 550 a 567), um ato administrativo caracteriza-se por:

    1. Consistir numa decisão, enquanto estatuição ou prescrição, voluntária; b) Essa decisão ser proferida por órgãos ou agentes da administração no exercício de poderes e deveres de autoridade administrativa; c) Essa decisão ter por base normas de direito público, isto é, normas de competência que regulam situações e relações jurídicas que pelo seu sujeito e conteúdo são insuscetíveis de se constituir entre simples particulares; d) Produzir efeitos externos, na medida em que se produzem na esfera jurídica de terceiros que com o autor do ato estão, pretendam ou possam estar em relação jurídico-administrativa; e e) Incidir numa situação individual e concreta.

  10. Em conformidade com definição que foi sendo aperfeiçoada pela doutrina, o artigo 148º do novo CPA (aprovado pelo Decreto-Lei nº 4/2015, de 7 de janeiro, aplicável já aos presentes autos, por força do disposto no artigo 8º, nº 1, do mesmo diploma) determina que “[p]ara efeitos do presente Código, consideram-se atos administrativos as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visam produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta”.

  11. Por sua vez, a doutrina define os regulamentos administrativos como normas jurídicas emitidas por órgãos da Administração no exercício da função administrativa (cf., neste sentido, Afonso Rodrigues Queiró, Lições de Direito Administrativo, policopiadas, Coimbra 1976, pp.410 ss. e, do mesmo autor, “Teoria dos Regulamentos”, Revista de Direito e de Estudos Sociais, Ano XXVII, nºs. 1-2-3-4, pp. 1 ss).

  12. Como refere Mário Aroso de Almeida, “dá-se o nome de regulamentos aos atos normativos – isto é, aos atos jurídicos contendo normas – que são emanados no exercício da função administrativa” (Teoria Geral do Direito Administrativo, temas nucleares, Almedina, 2012, p. 79).

  13. Aliás, em conformidade com a doutrina que vinha sendo produzida sobre a matéria, o legislador veio instituir no artigo 135º do novo CPA (aprovado pelo Decreto-Lei nº 4/2015, de 7 de janeiro) que “[p]ara efeitos do presente Código, consideram-se regulamentos administrativos as normas jurídicas gerais e abstratas que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos”.

  14. Ou seja, face às distinções alavancadas podemos, em síntese, afirmar que consideram-se regulamentos administrativos as normas jurídicas gerais e abstratas, que no exercício de poderes jurídicos administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos e atos administrativos as decisões (na veste de estatuições ou prescrições) que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta.

  15. Portanto, os regulamentos são comandos gerais e abstratos e os atos são comandos individuais e concretos, mas ambos...

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