Acórdão nº 134/17.2GAPFR.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-06-22

Ano2022
Número Acordão134/17.2GAPFR.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo nº 134/17.2GAPFR.P1
1ª secção

Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto

I - RELATÓRIO
Nos autos de Processo Comum que correm termos no Juízo Central Criminal de Penafiel - Juiz 5, Comarca do porto Este, com o nº 134/17.2GAPFR, foi submetida a julgamento a arguida AA, tendo a final sido proferido acórdão, depositado em 28.01.2022, que condenou a arguida na pena de oito anos de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado na forma consumada, p. e p. pelos artigos 21º e 24º, h) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01.
Inconformada com o acórdão condenatório, veio a arguida interpor o presente recurso, extraindo das respetivas motivações as seguintes conclusões:
1. A arguida encontrava-se acusada da prática, em coautoria, de um crime tráfico de estupefacientes agravado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22.º. n.º 1 e 2, als. a) e b), 23.º, n.ºs 1 e 2 do C. P., 21.º, n.º 1 e 24.º, al. h), do D. L. 15/93, de 22 de janeiro, com referência ao artigo 9.º, da Portaria n.º 94/96, de 26.03, acabando por ser condenada pela prática do mesmo crime na forma consumada. Ora,
2. Não se pode considerar validamente cumprido o preceituado no art.º 358.º do CPP quando foi comunicado à arguida, em audiência de julgamento para leitura da decisão, uma alteração não substancial, da qualificação jurídica dos factos da acusação, um crime tráfico de estupefacientes agravado, na forma tentada, para o crime consumado, sendo a arguida condenada pelo crime de tráfico de estupefacientes na forma consumada.
3. Estando a arguida acusada pelo Ministério Público, da prática de um crime, sob a forma tentada, de tráfico de estupefacientes, sendo-lhe comunicada em audiência de julgamento, para leitura da decisão, nos termos do art.º 358.º, n.ºs 1 e 3 do CPP, a alteração da qualificação jurídica, não é configurável, num Estado de Direito, e num processo penal equitativo e justo, ser a arguida condenada, pela prática de crime na forma consumada, sem que disso seja prevenida, em julgamento, notificada para exercer o contraditório; o que nos remete para a natureza do nosso processo penal que, segundo o disposto no artigo 32.º, n.º 5, da CRP, tem natureza acusatória.
4. Uma das consequências da estrutura acusatória do processo criminal consiste na designada vinculação temática do tribunal significando que o objeto do processo penal é o objeto da acusação, sendo este que delimita e fixa os poderes de cognição do tribunal e o âmbito do caso julgado. Verifica-se, assim, por tal motivo, a sentença recorrida é nula, nos termos do art.º 379.º, n.º 1, alínea b), do CPP.
5. O acórdão, ora posto em crise, merece censura, quer por ter desconsiderado as declarações da arguida e da testemunha BB, valorizando excessivamente o depoimento da Sra. Guarda Prisional CC e de DD, quer quanto ao enquadramento dos factos na agravante prevista na al. h) do D. L. n.º 15/93, de 22/01 e ainda quanto à dosimetria da pena de prisão aplicada.
6. Verificando-se erro de julgamento da matéria de facto, com recurso à prova gravada, em conformidade com o disposto no artigo 412º, n.ºs 3 e 4 do CPP, quanto ao facto provado sob o item 11) A arguida estava consciente da ilicitude da sua conduta e bem sabia ser proibida. Pois, semelhante asserção resulta de erro na apreciação da prova, que incidiu sobre os factos, dado que não tem suporte na prova produzida em audiência de julgamento, decorrente das declarações da arguida, compaginadas com as declarações das testemunhas CC, BB e DD. Compaginando as declarações da arguida com as das sobreditas testemunhas prestadas em juízo, verifica-se que o Tribunal a quo não poderia dar por provado que a arguida tinha conhecimento expresso de que transportava haxixe.
7. O tribunal a quo não dispunha, assim, de suporte probatório que lhe permitisse considerar provados os factos narrados em 3), 5), 7), 8), 9), 10) e 11), da matéria de facto provada. Devendo, assim, ser alterada a resposta dada aos sobreditos factos constante da matéria de facto provada de molde a que deles conste como não provado que a arguida não tinha conhecimento expresso de que transportava consigo haxixe.
8. O tribunal a quo entendeu que o produto estupefaciente apreendido teria um valor, no interior do estabelecimento comercial, de € 700,00 (item 6) da matéria de facto provada). Ora, de acordo com as declarações da testemunha DD, a arguida, que até era conhecida por introduzir tudo no estabelecimento prisional e que lhe facultaram o contacto telefónico em conversa na entrada do EP, alegadamente, cobrava € 850,00 para fazer o transporte. Se o valor do produto estupefaciente apreendido era de € 700,00, sendo certo que o haxixe não chegou à posse, de quem o entregou a arguida, a custo zero, a esse valor (desconhecido) teríamos sempre que adicionar, de acordo com as declarações da testemunha DD, € 850,00 referente ao valor cobrado pela arguida, o que significa que ao ser distribuído por terceiros por aquele valor de € 700,00, tal asserção é insuscetível de gerar compensação económica, provocando, pelo contrário, prejuízo económico.
9. O depoimento desta testemunha não merece a credibilidade que o tribunal lhe atribuiu, desde logo pela inusitada forma como refere ter conhecido a arguida, refere viver em Braga mas encontrou-se com a arguida em ..., por ali se encontrar em casa dos pais. Mais refere que lhe entregou um embrulho com agulhas, telemóveis e haxixe e que a arguida tinha conhecimento expresso disso. Se arguida tivesse conhecimento expresso do que transportava apenas se pretendesse ser interceptada ao entrar no estabelecimento prisional aceitaria proceder àquele transporte, pois, obviamente, sabendo o que transportava, sabia que seria acionado o pórtico detetor de metais.
10. No douto acórdão recorrido consignou-se, na motivação da matéria de facto provada que: “(…) BB, cliente da arguida que com ela terá reunido na manhã de 27-02-2017, apenas adiantou que nessas circunstâncias viu uma senhora entregar um embrulho à arguida, mas não a conhecia e, não se tendo cruzado com DD em audiência, resta sempre a dúvida se a ela se referia.” Ora, não obstante semelhante dúvida, o tribunal a quo não se socorreu de acareação, entre ambas as testemunhas, valorando a dúvida contra a arguida, apesar da testemunha ter referido tratar de uma senhora de etnia cigana.
11. O tribunal a quo formulou “pré-juízos”, orientados no sentido da tese da acusação e
que conduziram à violação do princípio in dubio pro reo, ainda que indiretamente, uma vez que o non liquet que, à partida, poderia existir no fim da audiência de julgamento, atendendo às provas aí produzidas e aos argumentos aí expendidos não existiu, por força dos referidos “pré-juízos” orientados no sentido da tese da acusação. Pois, no que se refere aos factos apurados em 3), 5), 6), 7), 8), 9), 10) e 11), afigura-se-nos que resultam de erro na apreciação da prova, que incidiu sobre os factos, dado que não têm suporte na prova produzida em audiência de julgamento, nem dos elementos de prova constantes dos autos.
12. O Tribunal a quo não dispunha de elementos probatórios que lhe permitisse extrair as conclusões que extraiu. Pelo que, ao considerar que a arguida/recorrente praticou um crime de tráfico de estupefacientes agravado pela al. h) do artigo 24.º, da Lei 25/93, de 22.01, excedeu os limites imposto pelo artigo 127.º, do C.P.P. A arguida que pretendia, conforme declarou, deitar ao lixo o embrulho entregue por DD, quando, ao passar no pórtico detetor de metais, este acionou, lembrou-se que não havia deitado ao lixo o embrulho que lhe fora entregue nessa manhã e teve essa reação normal. Pois, conhecendo os procedimentos de entrada e, se tivesse conhecimento do conteúdo do embrulho, designadamente as agulhas, em metal, não teria entrado no estabelecimento prisional com o mesmo por saber que iria necessariamente ser detetado.
13. Pelo que a arguida não agiu de modo livre e consciente, e, consequentemente, sem o conhecimento de que a sua conduta era proibida por lei.
14. A arguida, advogada, que conhecia os procedimentos de entrada no estabelecimento prisional, se tivesse conhecimento do conteúdo do embrulho, designadamente as agulhas, em metal, não teria entrado no estabelecimento prisional com o embrulho por saber que o mesmo iria necessariamente ser detetado.
15. Pelo que a arguida não agiu de modo livre e consciente, e, consequentemente, sem o conhecimento de que a sua conduta era proibida por lei.
16. Acresce que, a mera detenção de produto estupefaciente, não é suficiente para que o agente pratique um crime de tráfico de estupefacientes, pois, a interpretação literal de tal preceito não se coaduna com o espírito do mesmo, sendo que tal detenção tem de se configurar como dolosa no sentido de que o agente representou a finalidade de tráfico, o que não resulta claro dos presentes autos.
17. O tribunal a quo enquadrou o crime praticado pela arguida/recorrente na forma consumada e não na forma tentada, por entender que, neste tipo de crime, a consumação verifica-se com a comissão de um só ato de execução, ainda que sem se chegar à realização completa e integral do tipo legal pretendido pelo agente. tal não impede que se possa verificar a simples tentativa.
18. A interpretação do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, no sentido de não ser aplicável a este tipo de crime a figura da tentativa do artigo 22.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a), b) e c), do Código Penal, por se considerar que os atos de execução relacionados com este ilícito são elementos do tipo de crime ou correspondem a crime consumado, é inconstitucional por violação do disposto nos artigos 29.º, n.º 1, e 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
19. O Decreto-Lei n.º 15/93, designadamente o artigo 21.º do mesmo diploma, não contempla qualquer derrogação à lei
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