Acórdão nº 1327/23.9PSLSB.L1-9 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2024-03-21

Ano2024
Número Acordão1327/23.9PSLSB.L1-9
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Senhores Juízes Desembargadores da nona secção do Tribunal da Relação de Lisboa


No âmbito do processo abreviado que, sob o nº 1327/23.9PSLSB, corre termos pelo Juízo de Pequena Criminalidade de Lisboa, foi o arguido AA absolvido prática de um crime de desobediência, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 14.º, n.º 1, 26.º, 69.º, n.º 1, al. c), e 348.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, e 152.º, n.ºs 1, al. a), e 3, do Código da Estrada.

Inconformado com a decisão absolutória, dela interpôs recurso o MINISTÉRIO PÚBLICO para este Tribunal da Relação, com os fundamentos descritos na respectiva motivação e contidos nas seguintes “conclusões”, que se transcrevem:

III–Conclusões
1.Na sentença recorrida, o tribunal a quo absolveu o arguido AA da prática, no dia 19 de Julho de 2023, em autoria material e na forma consumada, do crime de desobediência, p. e p. pelos artigos 348.º, n.º 1, al. a), e 69.º, n.º 1, al. c), do Código Penal, e 152.º, n.os 1, al. a), e 3, do Código da Estrada, pelo qual vinha acusado.
2. O tribunal a quo absolveu o arguido por entender, em suma, que o art.º 4.º, n.º 1, da Lei n.º 18/2007, de 17/05 (Regulamento de fiscalização da condução sob influência do álcool ou de substâncias psicotrópicas) não faz qualquer referência a situações em que, propositadamente, o agente não expele ar suficiente, e que, nesses casos, após a realização de três tentativas, continuando estas a ter resultado de “amostra incorrecta”, não se deve logo advertir o agente da prática do crime de desobediência, mas sim, conduzi-lo a uma instituição hospitalar para realizar análise de sangue.
3.E mais, entende que após a realização das três tentativas a que alude o apontado o art.º 4.º, n.º 1, da referida lei, cessa a obrigação do condutor se submeter ao teste de pesquisa de álcool no sangue através do ar expirado, pelo que nesse sentido, a ordem que lhe foi dada – de realizar o teste após uma terceira tentativa - não é substancialmente legal.
4.Porém, o Ministério Público não se conforma com tal decisão, nem concorda com a interpretação que o tribunal a quo fez do quadro legal aplicável, devendo o arguido ser condenado pela prática, em 19 de Junho de 2023, em autoria material e na forma consumada, de um crime de desobediência, p. e p. pelos artigos 348.º, n.º 1, al. a), e 69.º, n.º 1, al. c), do Código Penal, e 152.º, n.os 1, al. a), e 3, do Código da Estrada.
5.Quando é efectuada uma fiscalização rodoviária e é ordenado ao condutor do veículo que realize teste de pesquisa de álcool no sangue, a regra é a de que a detecção e a quantificação do álcool respeitante à circulação rodoviária se fazem através de teste no ar expirado, e apenas em caso de impossibilidade de realização de teste no ar expirado em analisador quantitativo é de efectuar análise de sangue (sendo esta última situação, excepcional).
6.O art.º 4.º, n.º 1, do Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, visa situações de impossibilidade física, em que o examinando não consegue, por isso, expelir ar suficiente ou então as situações em que se encontra impossibilitado de realizar o teste e não as situações em que o examinando, deliberadamente, não expele ar suficiente, havendo, assim, que fazer a destrinça entre não conseguir e não querer (sendo este último o caso dos autos).
7.A não exalação voluntária de ar suficiente para a verificação da existência, ou não, de álcool no sangue é equiparada a uma “recusa” formal de realização do teste, para efeitos de preenchimento dos elementos objetivos do tipo legal do crime de desobediência; na verdade, tal “recusa” verifica-se não apenas quando o examinado o declara de forma expressa, mas também quando assume comportamentos de onde, em termos lógicos e em termos de homem médio, se logra extrair que o mesmo está a boicotar, e nessa medida recusar, o teste.
8.Caso assim não se entendesse, estaria encontrada a fórmula para contornar a lei, bastando, para tanto, que qualquer pessoa que fosse submetida ao teste quantitativo não exalasse ar suficiente, independentemente de qualquer impossibilidade de ordem física, para que não houvesse condenações pelo crime de condução sob o efeito do álcool ou pelo crime de desobediência.
9.É esse o caso dos autos, atenta a factualidade dada como provada, bem como o facto de se ter apurado que o arguido não padecia de qualquer deficiência orgânica ou fisiológica que o impedisse ou inibisse de efectuar o referido teste quantitativo, não havendo, portanto, razões objectivas para que não exalasse ar suficiente.
10.Destarte, não existiam fundamentos legais para sujeitar o arguido a análise sanguínea em estabelecimento de saúde, dado que a realização do teste era possível, o arguido que é que não o quis fazer (de forma correcta, tal como fora advertido), a fim de obstar a que se viesse a apurar qual a taxa de alcoolemia com que exercia a condução (não sendo de desconsiderar que o arguido já conta com uma condenação pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez e, consequentemente, de saber quais as consequências de tal conduta no caso de o resultado ser positivo).
11.Conclui-se, assim, que o arguido, ao actuar da forma descrita, “boicotou” o teste cuja realização lhe foi ordenada pelos agentes da PSP, donde se extrai, com segurança, à luz da lógica e das regras da experiência, que o mesmo impossibilitou e, nessa medida, recusou-se a realizar o teste em causa (tanto mais que, momentos antes, havia realizado o primeiro teste, qualitativo, sem qualquer dificuldade).
12.E, conclui-se, outrossim, que tal ordem, que lhe foi pessoalmente comunicada e cujo sentido e alcance percebeu, foi legitima, proveio de autoridade com competência para a proferir, e o arguido sabia que devia obediência à mesma, sob pena de cometer uma infracção penal e, não obstante, não deixou de actuar da forma descrita no despacho de acusação, com dolo directo.
13.Do exposto deflui que, no caso sub judice, estão preenchidos todos os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal do crime de desobediência, p. e p. pelos artigos 348.º, nº 1, al. a), e 69.º, n.º 1, al. c), do Código Penal, e 152.º, n.os 1, al. a), 3, do Código da Estrada, pelo que deveria o arguido ter sido condenado por tal crime.
14.Por isso, salvo melhor opinião em contrário, o tribunal a quo fez uma errada interpretação jurídica do disposto no art.º 4.º, n.º 1, do Regulamento de fiscalização da condução sob influência do álcool ou de substâncias psicotrópicas.
15.Deste modo, deverá a sentença em crise ser revogada e substituída por outra que condene o arguido crime de desobediência, p. e p. pelos artigos 348.º, nº 1, al. a), do Código Penal, e 152.º, n.os 1, al. a), 3, do Código da Estrada, numa pena de prisão não inferior a 6 (seis) meses, que deverá ser suspensa na sua execução por um período não inferior a 18 (dezoito) meses, acompanhada de regime de prova, nos termos do disposto no art.º 53.º, n.º 1, do Código Penal, e, bem assim, na correspondente pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por um período não inferior a 7 (sete) meses, por se entender ser essa a pena adequada e proporcional face às elevadas exigências de prevenção geral e especial que, no caso, se fazem sentir, e que acautela as finalidades da punição.
Nestes termos e nos melhores de Direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a sentença proferida nos autos e substituída por outra que condene o arguido AA pela prática de um crime de desobediência, p. e p. pelos artigos 348.º, n.º 1, al. a), e 69.º, n.º 1, al. c), do Código Penal, e 152.º, n.os 1, al. a), e 3, do Código da Estrada, numa pena de 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 18 (dezoito) meses, em conformidade com o previsto no art.º 50.º, do Código Penal, acompanhada de regime de prova, nos termos do disposto no art.º 53.º, n.º 1, do Código Penal, bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por um período não inferior a 7 (sete) meses, assim se fazendo a INTEIRA E ACOSTUMADA JUSTIÇA!”.
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O recurso foi admitido para subir nos próprios autos, de imediato e com efeito devolutivo.
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O arguido AA, em primeira instância, apresentou resposta, defendendo a manutenção da decisão recorrida, formulando as seguintes:

“III–CONCLUSÕES:
1.Um dos elementos objetivos do tipo de ilícito imputado ao arguido é, desde logo, a legitimidade da ordem emanada.
2.O Tribunal recorrido considerou provado (e o Ministério Público não impugnou a decisão quanto à matéria de facto) que “8. O arguido realizou, pelo menos, 3 (três) tentativas de realização do teste em apreço nos presentes autos (quantitativo), tendo todos ostentado o resultado “amostra incorreta”.
3. O Ministério Público sustenta que o arguido não exalou ar suficiente e que a não exalação de ar suficiente é, formalmente, um ato de recusa/sabotagem/boicote do teste. E, portanto, parece implicitamente abandonar a ideia de que a desobediência ocorre quando o arguido recusa a realização do 4º (quarto) teste, já na esquadra da PSP (facto provado n.º 5).
4. No entanto, ainda que eventualmente se concorde com esta asserção e atendendo à imutabilidade do elenco de factos provados, a procedência do recurso e a condenação do arguido é legalmente inadmissível, na medida em que não se demonstrou que o arguido não exalou ar suficiente, não constando do elenco de factos provados.
5. A acusação é, em si mesma, lacónica e insuficiente para sustentar a condenação do arguido, precisamente porque não se imputou ao arguido a não exalação voluntária de ar suficiente tendo em vista a inviabilização do teste de ar expirado.
6.É, apenas, referido que o arguido aceitou a ordem, que realizou o teste (pelo menos três vezes)
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