Acórdão nº 1320/22.9T9LSB.L1-5 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-01-24

Ano2023
Número Acordão1320/22.9T9LSB.L1-5
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordaram, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I-RELATÓRIO
I.1 No âmbito do processo abreviado que corre termos pelo Juízo Local de Pequena Criminalidade de Lisboa – Juiz 5, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, em 30-06-2022, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo, que se transcreve, no que agora interessa:
“(…)
DISPOSITIVO:
Pelo exposto, o tribunal julga a acusação totalmente procedente por totalmente provada e em consequência decide:
a) Condenar o arguido ____, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348.º, nº1, alínea b), do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de 6,00 (seis euros), o que perfaz um total de € 600,00 (seiscentos euros), a que correspondem em caso de incumprimento e da impossibilidade de cobrança coerciva 66 (sessenta e seis) dias de prisão subsidiária.
(…)”.
»
I.2 Recurso da decisão
Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso o arguido para este Tribunal da Relação, com os fundamentos expressos na respetiva motivação, da qual extraiu as seguintes conclusões [transcrição]:
“CONCLUSÕES:
1. Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi o arguido condenado, pela prática de um crime de desobediência (p. e p. pelos artº348º, nº1, alínea b), CP), na pena de 100 dias de multa à taxa diária de € 6,00, o que perfaz um total de € 600,00.
2. Mais foi o arguido condenado em multa processual, nos termos do disposto no artº116º e 117º do CPP, por não ter comparecido nem justificado a sua falta, em sede de audiência de julgamento.
3. Ora, compulsados os autos, verifica-se que a notificação da data de julgamento ao Recorrente, com o registo RE725252260PT – não obstante o distribuidor de serviços postais ter certificado o seu depósito no receptáculo postal em 31/05/2022 – foi devolvida aos autos em 04/07/2022, com a indicação manuscrita de que teria sido entregue no lote errado.
4. Tendo sido por essa razão que o arguido, ora Recorrente, não compareceu em julgamento, cuja realização desconhecia, tendo sido assim indevidamente condenado em multa processual pela falta, que urge ser revogada.
5. Mas, mais grave, não tendo sido notificado, o arguido viu ser-lhe vedado o exercício dos seus direitos de defesa, nomeadamente o de estar presente em julgamento e aí, querendo, prestar declarações e apresentar as suas razões – direitos processualmente e constitucionalmente garantidos.
6. Não podendo o Recorrente ser penalizado, nem responsabilizado, por um erro do distribuidor do serviço postal, que depositou a notificação no receptáculo indevido e diverso da morada aposta pelo Tribunal; erro ao qual o Recorrente é totalmente alheio e a ele não deu causa.
7. Mostrando-se assim cometida uma nulidade insanável, uma vez que a lei processual exige a notificação para comparência do arguido em julgamento, que afecta todo o ulteriormente processado, nomeadamente a própria audiência de julgamento e a sentença proferida e de que se recorre, impondo-se a sua anulação, com as legais consequências.
8. Pois que a notificação por carta simples e com prova de depósito — prova esta feita por entidade terceira, estranha ao Tribunal — não garante que a pessoa a quem foi dirigida a comunicação a venha a receber ou dela tomar conhecimento ou que seja colocada na morada correcta.
9. Como se comprova nos presentes autos — muito embora o expedidor postal tenha enviado ao Tribunal documento comprovativo do depósito –, a notificação por carta simples não foi depositada na caixa de correio do Recorrente e veio, por essa razão, a ser devolvida ao remetente.
10. Pelo que a forma de notificação prevista no artº113º, nº3 do CPP, viola uma das garantias constitucionalmente consagradas em processo criminal e como tal, a referida forma de notificação é inconstitucional, o que desde já se invoca para os devidos e legais efeitos, por violação do disposto no artº32º, nº1 da CRP, que refere "o processo criminal assegura todas as garantias de defesa".
11. E como tal deverá também garantir e prever os meios eficazes para que os visados possam exercer os direitos de defesa, designadamente, a forma como deverão ser feitas as comunicações para que o interessado possa exercer os seus direitos de defesa, ou seja, prever meios em que com certeza absoluta se afira que determinada pessoa foi efectivamente notificada.
12. Pelo que deve ser declarado nulo o julgamento por falta de notificação do arguido.
13. Subsidiariamente e sem conceder, sempre se dirá que se apresenta manifestamente excessiva a pena concretamente aplicada ao arguido – 100 dias de multa à razão diária de € 6,00, atento o disposto no artigo 71º, do CP.
14. A determinação da medida da pena, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo levar-se em conta que, nos termos previstos no artigo 40º, do mesmo Código, a pena não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa.
15. A escolha da pena terá assim de ser perspectivada em função da adequação, proporção e potencialidade para atingir os objectivos estipulados no referido artigo 40º, do CP, onde, a par da protecção de bens jurídicos, se pugna pela reintegração do agente na sociedade.
16. Nos termos do disposto no nº1 do artº348º do CP, o crime de que o arguido, ora Recorrente, vem acusado “é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias” – ou seja, atento o disposto no artº47º do mesmo Código, a pena de multa seria a fixar entre os limites mínimo de 10 dias e máximo de 120 dias.
17. Tendo o Tribunal a quo escolhido fixar a pena aplicável em 100 dias de multa, ou seja, num patamar muito próximo do seu limite máximo, para o que entendemos não ter sido tida em consideração a reduzida culpa do arguido, ora Recorrente.
18. O qual procedeu efectivamente à entrega da carta de condução, conforme fora determinado, não obstante o ter feito em data posterior ao termo do prazo concedido para o efeito, por lapso que não pôde explicar em julgamento, porque não notificado para o mesmo.
19. Nunca tendo sequer tido intenção de desobedecer à ordem que lhe fora dada e que – repete-se – efectivamente cumpriu, conforme demonstrado nos autos.
20. Tal facto bem como outros pessoais do arguido, sendo convenientemente valorados e demonstrados em audiência de julgamento – assim o arguido tivesse sido notificado para a mesma – impunham uma decisão diversa da Recorrida.
21. Com aplocação de uma pena mais próxima dos limites mínimos, sob pena de se violar, como se mostra violado, o previsto no artº71º do Código Penal.
Por todo o exposto, para o qual se remete e se dá por reproduzido, requer-se a V. Exas. seja concedido provimento ao presente Recurso, com as legais consequências, nomeadamente a verificação da nulidade insanável da falta de notificação do arguido para o julgamento, com anulação de todo o ulterior processado, incluindo audiência e prolação de sentença.
Caso assim não se entenda, o que não se concede, sempre se requer uma reavaliação da medida da pena concretamente aplicada, devendo atender-se a todos os factos provados que militam a favor do Recorrente, bem como àqueles que não teve possibilidade de demonstrar em julgamento – por falta de notificação para o mesmo – com a consequente diminuição da pena concretamente aplicada.”
»
Foi admitido o recurso nos termos do despacho proferido a 26-10-2022, com o efeito próprio.
»
I.3 Resposta ao recurso
Efetuada a legal notificação, a Digna Magistrada do Ministério Público respondeu ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pela sua improcedência, nos seguintes termos [transcrição]:
“(…)
não assiste qualquer razão ao recorrente, naufragando, em consequência, a sua pretensão, porquanto, o Tribunal a quo cumpriu escrupulosamente o determinado no artigo 196.º/2, 113.º/1 alínea c) e n.º 3 e 313.º/1, todos do Código de Processo Penal.
Consequentemente, e ao arrepio do invocado pelo recorrente, a Sentença recorrida não padece de qualquer vício que inquine a sua validade, mormente, da nulidade insanável prevista no art.º 119.º alínea c) do Código de Processo Penal.
(…)
Desta feita, cremos que não assiste qualquer razão ao recorrente, não tendo, assim, o Tribunal a quo violado qualquer preceito normativo, mormente, o disposto no art.º 71.º/1 e n.º 2 do Código Penal, devendo, portanto, manter-se a pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de 6,00 € (seis euros), perfazendo o montante global de 600,00 € (seiscentos euros) aplicada ao arguido (…) afigurando-se a mesma, à luz dos critérios supra anunciados, adequada, razoável e proporcional ao caso sub judice.
Face a todo o supra exposto, consideramos que deverá ser negado provimento ao recurso apresentado pelo arguido (…), devendo, em consequência, manter-se na íntegra a douta Sentença recorrida”
»
I.4 Parecer do Ministério Público
Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, nesta instância o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, aderindo à posição da Digna Magistrada do Ministério Público na primeira instância, pronunciando-se no sentido de que a sentença recorrida deve ser integralmente confirmada.
»
I.5. Resposta
Pese embora tenha sido dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta ao dito parecer.
»
I.6. Concluído o exame preliminar, prosseguiram os autos, após os vistos, para julgamento do recurso em conferência, nos termos do artigo 419.º do Código de Processo Penal.
Cumpre, agora, apreciar e decidir.
»
II- FUNDAMENTAÇÃO
II.1- Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objeto do recurso:
Conforme decorre do disposto no n.º 1 do art.º 412.º do Código de Processo Penal, bem como da jurisprudência pacífica e constante [designadamente, do STJ[1]], são as conclusões apresentadas pelo recorrente que definem e delimitam o âmbito
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT