Acórdão nº 132/21.1BELLE de Tribunal Central Administrativo Sul, 2022-01-27

Ano2022
Número Acordão132/21.1BELLE
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a 1ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – Relatório

A Fazenda Pública, inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, que julgou parcialmente procedente a reclamação deduzida ao abrigo do disposto nos artigos 276.º e seguintes do CPPT contra o acto de indeferimento parcial do pedido de pagamento das notas de despesa apresentada pela Reclamante, na qualidade de fiel depositária, dela veio interpor o presente recurso.

Para o efeito formulou as seguintes conclusões:

«1 – Decidiu o Meritíssimo Juiz a quo pela procedência parcial da Reclamação de Atos do Órgão de Execução Fiscal e, em consequência, determinou a “anulação do despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Silves, datado de 3 de março de 2020, na parte em que não considerou, além das despesas tidas pela Reclamante com o reboque do veículo em causa nos autos, as despesas de parqueamento calculadas nos termos do artigo 30.º, n.º 2, da Portaria 282/2013, de 29 de Agosto, sobre o número de dias e área que se mostrem devidos,(…)”

2- Fundamenta o Meritíssimo Juiz “a quo” que, “sob pena de violação do principio da legalidade e da proporcionalidade”, “pelo depósito de qualquer bem é devido o pagamento do preço ao depositário, nos termos do n.º 1 do artigo 30.º da Portaria 282/2013, de 29 de Agosto referida”;

3 - Concluindo o Tribunal “a quo” que “Não podendo colher o argumento do não cumprimento do previsto no n.º 6 do artigo 30.º da referida Portaria (…);

4- Resulta do probatório que, apenas em 24.04.2019, a reclamante endereçou ao SF de Silves duas notas de despesas a débito: uma no montante total de €184,50 (com IVA incluído) correspondente à concretização dos serviços de reboque, sustentada em fatura emitida pela P.T., Ldª. e, uma outra, referente a despesas tidas com o parqueamento da viatura, no período compreendido entre 30.07.2018 e 31.03.2019, no total de €3.014,63 (com IVA incluído);

5- Diferentemente da sentença a quo, resulta do n.º 6 do artigo 30.º da Portaria que não é o Exequente quem, antes da remoção, tem de procurar saber quais os preços praticados pelo depositário, ao invés, é “o agente de execução deve dar conhecimento ao exequente e ao executado dos preços praticados pelo depositário”;

6- É que compete ao Órgão de Execução Fiscal (OEF) realizar um juízo de imprescindibilidade, necessidade, interesse, proporcionalidade e equidade e, em consequência validar (ou não), o reembolso da despesa ao fiel depositário;

7- Conforme as instruções superiormente transmitidas pela Direção de Serviços de Gestão de Créditos, “as despesas com a remoção, guarda ou conservação do bem, devem ser sempre proporcionais ao valor da dívida e ao valor que é expectável obter-se na sua venda e a estes custos apenas poderão acrescer despesas extraordinárias de manutenção ou seguros especiais, quando existam e sejam justificados em face da especial natureza do bem penhorado (artigo 30.º da Portaria n.º 282/2013, de 29 de agosto)”;

8- Acresce que apenas a despesa resultante do serviço de reboque se encontrava documentalmente suportada em fatura;

9- Ora, o fiel depositário está também vinculado à prestação de contas nos termos do artigo 952.º do Código de Processo Civil (CPC), donde decorre que apenas as despesas cuja realização se mostre comprovada podem ser reembolsadas;

10- Refere a sentença a quo “as despesas de parqueamento devem, em regra (sublinhado nosso), ser fixadas em € 0,77, por cada metro quadrado e por cada dia de utilização”;

11- No entendimento da AT, o valor da Portaria constitui um preço máximo e o depositário apenas terá direito a ser ressarcido das despesas, necessárias, indispensáveis e proporcionais, em que tenha incorrido;

12- Assim o consagra o Código de Processo Civil (CPC), ao determinar que o direito a ser reembolsado apenas corresponderá às despesas resultantes do exercício do cargo de depositário (para o qual prevê o dever de prestação de contas – n.º 2 do 952.º CPC), conquanto indispensáveis àquele exercício, no prudente arbítrio do Órgão de Execução Fiscal/OEF) e no interesse do executado [al. c), do artigo 233.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário – CPP];

13- Também a Ema. Magistrada do Ministério Público, se pronunciou pela improcedência da reclamação por, em súmula, entender que, por um lado “as demais despesas não se encontram documentalmente suportadas e não dão cumprimento ao disposto no n.º 6 do artigo 30.º da Portaria n.º282/2013, de 29 de agosto”, (…) sempre que excedam aquele valor ou revistam caracter extraordinário a sua realização deve ser previamente colocada à consideração do OEF” isto porque “O fiel depositário está, pois, vinculado à prestação de contas nos termos do artigo 952.º do CPC,” e, por outro lado “é aplicável, por analogia, o disposto no n.º 6 do artigo 30.º da Portaria n.º 282/2013, de 29 de agosto para as execuções comuns, ao processo fiscal, disposição legal a que a reclamante não deu cumprimento, (…)”;

14- Resulta do exposto, que ao decidir pela procedência parcial da reclamação, incorreu o Mmº Juiz a quo em erro de julgamento por não existir fundamento legal afastar a aplicação do n.º 6 do artigo 30.º da Portaria n.º282/2013, de 29 de agosto, devendo manter-se, na totalidade, a decisão do órgão de execução fiscal, consubstanciada no despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Silves, de 3 de março de 2020.

Pelo exposto e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogada a sentença recorrida como é de inteira JUSTIÇA.»


Notificada da admissão do recurso jurisdicional, a recorrida apresentou as suas contra-alegações, as quais rematou com as seguintes conclusões:


« A) No sentido da Douta Sentença, não se coloca em causa o facto de a viatura ter sido removida das instalações da Polícia de Segurança Pública de Setúbal e parqueada nas instalações da Recorrida.


B) Nos termos do número 1 do artigo 30.º da Portaria n.º 282/2013, “Pelo depósito de qualquer bem é devido o pagamento do preço ao depositário.”


C) Existindo uma forma legal de cálculo do valor a pagar pelo parqueamento (n.º 2 do mesmo disposto legal), a Exequente deveria, no limite, tê-la aplicado aos dias de parqueamento da viatura penhorada, ao invés de considerar que nada era devido a esse título, à Recorrida.


D) Sendo certo ainda que em momento algum a Exequente, antes da remoção do bem, se cuidou de o procurar ou se opôs sequer à sua remoção, tal como não manifestou interesse em saber das condições e preços praticados pela depositária, só havendo verdadeiramente uma pronúncia da sua parte, após o envio, por parte da Recorrente, das devidas Notas de Despesas, a 24/04/2019.


E) E também que, não havendo no Processo, a intervenção de um Agente de Execução, a responsabilidade do disposto no número 6 do artigo 30.º da mesma Portaria, recairia, no limite, sobre a própria Exequente e nunca sobre a Recorrida, não tendo a primeira, em momento algum, questionado sobre o preço a praticar pela depositária ou sugerido um outro depositário mais idóneo.


F) Devem, por conseguinte, considerar-se que as bases de sustentação da Douta Sentença de forma alguma padecem de qualquer erro de julgamento, dado que, tanto quanto já se provou nos autos e no demais que se virá a acrescentar, há de facto fundamento legal para o afastamento do n.º 6 do artigo 30.º da Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto.


G) Considerando-se o presente recurso improcedente por não provado e, sendo confirmada a decisão proferida pelo Tribunal recorrido, com todos os efeitos legais.»


O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal Central, emitiu douto parecer no sentido da procedência do recurso por inexistência de fundamento para a revogação do despacho reclamado, proferido pelo órgão da execução fiscal.

Com dispensa dos vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta primeira Subsecção do Contencioso Tributário para decisão.

II – Delimitação do objecto do recurso

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir:

i) se a sentença recorrida efectuou errada apreciação dos factos por não relevar o facto de não se mostrar documentado o montante peticionado a título de parqueamento; e

ii) se incorreu em erro de julgamento de direito ao ter afastado a aplicação do disposto no n.º 6 do artigo 30.º da Portaria n.º 282/2013, de 29/8 e ter concluído que a falta de comunicação prévia dos custos em violação era irrelevante.



*

III – FUNDAMENTAÇÃO

III. 1 – Fundamentação de facto


A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

« 1. No Serviço de Finanças de Silves correu termos o processo de execução fiscal n.º 1120-2007/01026771 (e apensos), instaurado contra a sociedade “E. N. P. I. E.”, com o número de identificação de pessoa colectiva 506 …. - facto não controvertido;

2. No âmbito do processo de execução fiscal referido, foi penhorado ao executado a viatura automóvel marca “S.”, modelo “F.”, com a matrícula 8..-9..-T.., - facto não controvertido, cfr. fls. com os n.ºs 7 e 8 do processo de execução fiscal apenso aos autos;

3. O Reclamante foi nomeado para exercer as funções de fiel depositário do veículo acima melhor identificado - facto não controvertido;

4. O veículo encontrava-se nas instalações da Policia de Segurança Pública, em Setúbal - facto não controvertido;

5. Com data de 9 de Julho de 2018, consta escrito denominado “auto de recepção NR 19”, no qual a Reclamante declara ter recepcionado o veículo em causa nos autos, nas suas instalações sitas na Rua José Dias da Costa, 128, Lama,...

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