Acórdão nº 132/20.9GBCCH.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2023-03-14

Ano2023
Número Acordão132/20.9GBCCH.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, os Juízes da 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I.
No processo comum n.º 132/20.9GBCCH do Juízo de Competência Genérica ..., Comarca ..., o arguido AA foi submetido a julgamento, após ter sido acusado da autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º n.º 1, al. a) e n.º 2, al. a) do Código Penal.
Realizada a audiência, foi proferida sentença em que foi decidido, na parte que ora releva:
1. CONDENO o arguido AA pela prática como autor material de um crime de violência doméstica p. e p. pelo art. 152.º n.º 1 al. a) e n.ºs 2 al. a) do Código Penal, na pena de 2 (DOIS) ANOS E 6 (SEIS) MESES DE PRISÃO.
2. Ao abrigo do disposto no art. 50.º do Código Penal decido SUSPENDER a execução da pena de prisão em que o arguido vai condenado, pelo período de 2 (DOIS) ANOS E 6 (SEIS) MESES, com regime de prova, devendo a DGRSP proceder à elaboração de Plano de Reinserção Social, e sujeito à condição de no período suspensivo proceder ao pagamento a BB do montante correspondente à indemnização civil em que for condenado.
3. Julgo parcialmente procedente por parcialmente provado o pedido de indemnização civil deduzido por BB e, consequentemente, condeno o arguido AA no pagamento àquela da quantia de 2.000€ (DOIS MIL EUROS) a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros vencidos deste a notificação para contestar e vincendos até efectivo e integral pagamento, absolvendo-o do demais peticionado.”

Desta decisão condenatória veio o arguido interpor recurso, com os fundamentos constantes da respectiva motivação que aqui se dá por reproduzida e as seguintes conclusões:
“I a) O presente recurso visa a impugnação da decisão proferida quer sobre a matéria de facto, quer sobre a matéria de direito.
b) Entende o recorrente que os factos vertidos na acusação e que foram considerados provados pelo douto tribunal a quo não tiveram prova que os consubstanciasse e que permitisse levar à condenação do arguido.
c) Resulta da fundamentação da matéria de facto, que a Meritíssima Juiz do tribunal de que se recorre fundamentou a sua decisão “nas declarações do arguido, nos depoimentos das testemunhas inquiridas, nos elementos clínicos e nos demais documentos juntos aos autos”.
d) Para além dos depoimentos da ofendida e das testemunhas CC, DD e EE, foram também inquiridas as testemunhas FF e GG, arroladas pelo arguido.
e) No entanto, da análise da fundamentação da matéria de facto constante da decisão recorrida, resulta evidente que o depoimento destas testemunhas não foi sequer considerado pela Meritíssima Juiz do tribunal a quo, uma vez que nenhuma referência faz ao seu depoimento (cfr. ata da audiência de julgamento do dia 09-09-2022 e motivação da matéria de facto).
f) A omissão de pronúncia constitui uma causa de nulidade da sentença, que, desde já, se invoca.
g) Nos termos do disposto no artigo 379º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Penal “É nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que deves se apreciar (…)”.
h) Assim, face à total omissão quanto ao depoimento das testemunhas FF e GG na fundamentação da matéria de facto constante da decisão recorrida, é nula a sentença, nos termos do disposto no artigo 379º , nº 1, alínea c) do Código de Processo Penal , nulidade que, desde já se invoca para todos os efeitos legais.
i) Ainda que assim não se entenda, o que apensa por mera hipótese se admite, não pode o recorrente deixar de referir que, para além da nulidade supra mencionada, importa também fazer referência à restante prova que fundamentou a condenação do arguido, nomeadamente as fotografias juntas aos autos, de fls. 271 a fls. 312. Todas as fotografias foram juntas pela ofendida, que as datou e legendou, o que põe, desde logo, em causa a sua fiabilidade, desconhecendo-se quando e em que circunstâncias foram tiradas, o que inviabiliza a sua autenticação.
j) Nenhuma das fotografias referidas na motivação da decisão da matéria de facto contém algum dado adicional de segurança. Não é possível saber quando e onde foram t ir adas, por quem e de que maneira, sendo certo que estas informações são essenciais para que se possa comprovar a autenticidade do seu conteúdo, pelo que a parte que as juntou teria que fornecer mecanismos que pudessem concluir pela sua autenticidade, o que, no presente caso, não aconteceu. Trata-se assim, de uma prova inválida.
k) No que respeita às declarações do arguido, a Meritíssima Juiz a quo apenas as considerou para fundamentar os factos que deu como provados nos pontos 8 e 9 dos factos provados, ignorando por completo a versão do arguido quanto aos restantes factos constantes da acusação.
l) Mas, se as declarações do arguido mereceram credibilidade para dar como provados os mencionados factos, uma vez que o arguido os admitiu e explicou em que circunstâncias ocorreram, deviam as suas declarações merecer a mesma credibilidade por parte da Meritíssima Juiz a quo quanto aos factos que negou ter praticado, o que não aconteceu.
m) Como resulta da motivação da matéria de facto, quanto aos restantes factos provados, a Meritíssima Juiz a quo apenas valorou os depoimentos da ofendida e das testemunhas CC (mãe da ofendida) e HH (fi lho da ofendida e do arguido) .
n) Limitou-se a ponderar, exclusivamente com relevo para a sua decisão, os mencionados depoimentos e as fotografias que, no entender do recorrente, constituem uma prova inválida por não terem, como já se referiu supra, qualquer elemento que permita comprovar a sua autenticidade.
o) O julgador ao decidir não pode, nem deve deixar de apreciar criticamente as diferentes posições de todos os intervenientes no processo, nomeadamente os depoimentos e todas as testemunhas e do arguido. O que aqui, inequivocamente, não ocorreu como e bem se alcança do decidido, apreciado e sentenciado.
p) Entende o recorrente que jamais o Sra. Juíza “a quo” poderia deixar, como AQUI DEIXOU de apreciar e analisar criticamente toda a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, a qual, a ser valorada e analisada de forma critica e isenta permite concluir pela absolvição do recorrente, ainda que seja por aplicação do Princípio do In Dubio Pro Reo.
q) O princípio do in dubio pro reo constitui uma imposição dirigida ao julgador no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a decisão da causa. Integra uma das vertentes que o princípio constitucional da presunção de inocência (art. 32.º, n.º 2, 1.ª parte, da CRP) contempla.
r) Mesmo que o douto Tribunal “a quo” usasse da possibilidade que tem, da livre apreciação da prova (art. 127.º CPP), a mesma tem os seus limites. s) A livre apreciação da prova, não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação imotivável e incontrolável – e, portanto, arbitrária – da prova produzida. Se a apreciação da prova é, na verdade, discricionária, tem evidentemente essa discricionariedade os seus limites, que não podem ser licitamente ultrapassados: a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada «verdade material» –, de sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e controlo – cf. Figueiredo Dias, ob. cit., págs. 202-203.
t) Da análise de toda a prova produzida em audiência de julgamento muitas contradições existiram, designadamente da ofendida. E, havendo a mínima dúvida da prática dos factos de que o arguido vem acusado, deverá ser aplicado o princípio in dubio pro reo, com a consequente absolvição do arguido.
u) Entende o recorrente que foram indevidamente dados como provados os factos descri tos nos pontos 5 (parte final) , 10 a 21 e 24 a 31 dos factos considerados provados pelo tribunal “ a q u o ” . Cumprindo o disposto no artigo 412º, nº 3 do C.P.P., são estes os pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados, uma vez que as declarações do arguido e os depoimentos das testemunhas impunham decisão diversa da recorrida.
v) Existe erro notório na apreciação da prova, uma vez que, das declarações do arguido e dos depoimentos de todas as testemunhas ouvidas em sede de audiência a de discussão e julgamento, conjugados com as regras da experiência comum, resulta uma conclusão contrária à que chegou o tribunal.
w) Das declarações do arguido resulta que o mesmo negou a prática dos factos descritos na acusação, com exceção da “palmada” nas costas da arguida, tendo explicado as circunstâncias em que tal ocorreu. (cfr. declarações do arguido, constantes do Ficheiro 100419, transcrito nas páginas 2 a 18 da transcrição que se anexa):
x) Uma análise ponderada e isenta de toda a prova produzida em audiência de julgamento não permite concluir que o arguido se tornou mais ríspido no trato, assim como se distanciou fisicamente da arguida, tendo deixado de existir intimidade entre o casal. Da mesma forma que não permite concluir que foi o arguido quem alterou o seu comportamento.
y) Quanto a esta questão, não podem deixar de ser consideradas as declarações do arguido, das quais resulta que, em 2018, quem alterou o seu comportamento foi a ofendida (cfr. págs. 4 e 5 da transcrição que se anexa, mencionada no ponto 32 da motivação constante do presente recurso, para onde se permite remeter a sua leitura por razões de celeridade e eficácia).
z) Quanto a esta questão, não podia a Meritíssima Juiz do tribunal a quo ignorar, como ignorou, o depoimento das testemunhas FF e GG, que confirmaram que o arguido sempre trabalhou, contrariamente ao que a ofendida referiu quando afirmou que o arguido não trabalhava (cfr. depoimentos das mencionadas testemunhas, descritos nas fls. 109, 114 e 115 da transcrição que se anexa, mencionada no ponto 33 da motivação
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