Acórdão nº 129/22.4T8MCN.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2024-02-05

Ano2024
Número Acordão129/22.4T8MCN.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo nº 129/22.4T8MCN.P1

Acordam os Juízes da 3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto, sendo


Relatora: Anabela Morais
Primeiro Adjunto: Carlos Gil
Segundo Adjunto: Miguel Fernando Baldaia Correia de Morais

I. Relatório

COMPANHIA DE SEGUROS A..., S.A. intentou a presente acção declarativa de condenação contra B..., LDA., pedindo a condenação da Ré no pagamento da quantia de €9.098,93 (nove mil, noventa e oito euros e noventa e três cêntimos), acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, desde data de interpelação até integral pagamento.

Alegou, em síntese, que:

i. no exercício da sua actividade, no âmbito do Ramo Não Vida, celebrou um contrato de seguro de acidentes de trabalho com a Ré B..., Lda., na modalidade de prémio variável, titulado pela apólice nº ...09, através do qual foi transferida, para si, a responsabilidade civil por danos emergentes de acidentes de trabalho sofridos por AA, trabalhador da tomadora do seguro, mediante a retribuição anual de €545 x 14 + €93,94 x 11 + €577,50 x 11;

ii. AA foi vítima de um acidente de trabalho, tendo a Autora assegurado o pagamento de todas as despesas referentes a hospitalização, assistência clínica, medicamentos e transporte daquele trabalhador da Ré mas, o rendimento anual auferido pelo sinistrado não se encontrava transferido na totalidade;

iii. Por sentença proferida no âmbito do processo nº315/15.3T8PNF que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de Penafiel – Juiz 3, ficou provado que o sinistrado sofreu um acidente de trabalho; à data do acidente de trabalho, o sinistrado auferia a retribuição anual de €645 x 14 + €5,13 x 22 x 11 + €750 x 11; em consequência directa e necessária do acidente, resultou para aquele uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 39,916%; à data do acidente de trabalho, a aqui Ré tinha a sua responsabilidade decorrente de acidentes de trabalho, em que fosse interveniente o sinistrado, transferida para a aqui Autora, pela retribuição de €545 x 14 + €93,94 x 11 + €577,50 x 11, ou seja, €15.015,84 (quinze mil, quinze euros e oitenta e quatro cêntimos);

iv. Autora é responsável pela retribuição anual de €15.015,84 (quinze mil, quinze euros e oitenta e quatro cêntimos), ou seja, por 81,05% da retribuição anual do sinistrado, e a aqui Ré é responsável pela retribuição anual de €3.509,82 (três mil, quinhentos e nove euros e oitenta e dois cêntimos), ou seja, por 18,95 % da retribuição anual do sinistrado;

v. A Autora, no cumprimento das obrigações contratualmente assumidas, no âmbito do contrato de seguro de acidentes de trabalho, suportou todas despesas médicas e medicamentosas do sinistrado, liquidou todas as despesas de hospitalização, assistência clínica, medicamentos e transportes, no total de €48,015,46 (quarenta e oito mil, quinze euros e quarenta e seis cêntimos) [€34.669,90 (trinta e quatro mil, seiscentos e sessenta e nove euros e noventa cêntimos) referente a despesas suportadas a título de riscos traumatológicos; €13.195,58 (treze mil, cento e noventa e cinco cêntimos e cinquenta e oito cêntimos) a título de riscos traumatológicos no estrangeiro; e €150,00 (cinto e cinquenta euros) referente a transporte];

vi. De harmonia com o disposto no artigo 79º, n.º 5, da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro e Cláusula 23ª da Apólice contratada, são da responsabilidade da ora Ré o pagamento das despesas efectuadas com o sinistro, designadamente as decorrentes de hospitalização, assistência clínica e medicamentos do sinistrado, na proporção do valor não transferido;

vii. A ausência de transferência do valor total da remuneração, faz com que a entidade empregadora do sinistrado, aqui Ré, tenha de assumir a percentagem de 18,95% das despesas efectuadas com hospitalização, medicamentos e assistência clínica daquele;

viii. Ao abrigo do disposto no artigo 79º, n.º 5 da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, a Autora tem assim direito ao reembolso da quantia de €9.098,93 (nove mil, noventa e oito euros e noventa e três cêntimos), que corresponde à percentagem de responsabilidade das despesas suportadas pela Autora, a cargo da Ré;

ix. Interpelou a Ré, por diversas vezes, por forma a ser reembolsada, não tendo obtido qualquer tipo de resposta por parte desta.

Citada, a B..., Lda. apresentou contestação, alegando, em síntese, que:

i. o contrato de seguro em causa é um contrato de adesão, sujeito ao regime das cláusulas contratuais gerais, aprovadas pelo Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, com as alterações que lhe foram introduzidas pelos Decreto-Lei nº 220/95, de 31 de Janeiro, e nº 249/99, de 7 de Julho;

ii. o contratante que recorra a cláusulas contratuais gerais tem o dever de informar e de comunicar o conteúdo de tais cláusulas, pois só podem ser correctamente aceites pela outra parte se desta forem conhecidas, sob pena de ocorrerem vícios na formação da vontade;

iii. não tendo assim procedido, por força do disposto no art. 8.º, al. a), do Decreto-Lei nº446/85, tais cláusulas consideram-se excluídas do contrato;

iv. na contestação que apresentou, no âmbito do processo nº315/15.3T8PNF, foi por si alegado que a sua responsabilidade pelos danos decorrentes do sinistro objecto dos autos, ocorrido em 31/01/2014, se encontrava transferida para a Companhia de Seguros A..., S.A., ao abrigo da apólice nº ...09, e que à data do sinistro, se encontrava transferida para esta “mais a quantia mensal de €750 x 11, a título de outras remunerações”;

v. na sentença proferida nesse processo - processo 315/15.3T8PNF -, concluiu o Tribunal que a aqui Ré havia, efectivamente, transferido a responsabilidade pelo acima indicado valor de €750 x 11, a título de outras remunerações;

vi. contudo, como da folha de férias respeitante ao mês de Janeiro de 2014, apenas constava o pagamento de €577,50, concluiu o Tribunal, na sentença proferida no referido no processo, que a aqui Ré apenas tinha a responsabilidade transferida por €577,50, o que não corresponde efectivamente à verdade;

vii. Se o sinistrado, no mês de Janeiro de 2014, tivesse trabalhado o mês completo – 23 dias -, teria recebido a quantia de €750,00 e não seria abordada a questão da diferença entre a quantia de €750,00 e a quantia, paga, de €577,50,no valor de €172,50;

viii. Relativamente aos valores anuais, respeitantes ao diferencial conexo com o subsídio de alimentação - €208,12 - e ao diferencial entre o salário mínimo espanhol e português - no valor de €1.404,20 -, “jamais foi alertada para a necessidade de efectuar seguro que cobrisse o salário mínimo vigente em Espanha” e “para a necessidade de corrigir o valor transferido respeitante ao subsídio de alimentação”;

ix. O sócio-gerente da Ré, dado o seu escasso nível de habilitações académicas, carece de formação adequada à correcta percepção de tais questões;

x. A Autora não pode querer prevalecer-se da omissão da prática factos por parte da aqui Ré, sem prova de ter cumprido o dever de informação que sobre si impendia e impende;

xi. A Autora sempre assumiu que alertaria a Ré para as particularidades da relação contratual estabelecida entre ambas, atribuindo à falta de informação a diferença entre a retribuição real e a retribuição comunicada, no montante de €3.509,82, mencionada por aquela.

Concluiu, pugnando pela improcedência da acção.


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Notificada para, querendo, no prazo de 10 (dez) dias, exercer o seu direito ao contraditório relativamente à defesa por excepção (art. 3.º, n.º3, do Código de Processo Civil), apresentada pela Ré, a Autora Companhia de Seguros A..., S.A., alegou, em síntese, que:

- com a presente acção, pretende exercer o direito que lhe é conferido pelo artigo 79º, nº 5, da Lei 98/2009, de 4 de Setembro, e não por qualquer cláusula ínsita no contrato de seguro celebrado entre as partes, pelo que não faz sentido que a Ré venha alegar que estamos perante um contrato de adesão, regulado pelo disposto no diploma relativo às Cláusulas Contratuais Gerais;

- não faz qualquer sentido a alegação de que sobre a Autora impendia um qualquer dever de informação, no que ao valor da retribuição dos trabalhadores abrangidos no contrato de trabalho em causa diz respeito, considerando os deveres de informação da Ré, decorrentes do artigo 78.º do Decreto-Lei n.º72/2008, de 16 de Abril.

Conclui que não tinha a obrigação de alertar a Ré para a necessidade desta de efectuar um seguro que cobrisse o salário mínimo vigente em Espanha, nem informar que não se encontrava transferido o valor do subsídio de alimentação.


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Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, constando do dispositivo:

“Nestes termos julgo a ação totalmente procedente por provada em consequência condeno a ré B..., Lda. a pagar à autora a quantia de €9.098,93 acrescida de juros de mora vencidos e vincendos desde a citação até efetivo e integral pagamento à taxa de 4% ao ano.

Mais condeno a ré no pagamento das custas processuais.

Registe.

Notifique”.


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Inconformada, a Ré/Recorrente interpôs recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões:

“1ª Preliminarmente, esclarecesse que a questão dos autos respeita a contrato de seguro de acidentes de trabalho na modalidade de prémio variável/folha de férias, que pedido de regresso tem por base a apólice de seguro constante no Proc. nº 315/15.3T8PNF e que o presente recurso incidirá sobre matéria de facto.

2ª Que, quanto à dita matéria - facto provado 39 – cujo teor aqui se dá como reproduzido, o Tribunal fundou a sua convicção com base no depoimento do BB, justificando a convicção nos seguintes termos: “Segundo o mediador de seguros as particularidades das condições contratuais foram entregues à ré, tendo o mesmo explicado a necessidade do preenchimento correto das folhas de férias, com os elementos referentes ao salário base x11, subsídio de alimentação e ajudas de custo, por forma a ser assegurada a indemnização correspondente, ...

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