Acórdão nº 12854/18.0T8SNT.L1-1 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-06-20

Data de Julgamento20 Junho 2023
Ano2023
Número Acordão12854/18.0T8SNT.L1-1
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam as Juízas na Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa:



IRELATÓRIO


S…, S.A. intentou, em 05-07-2018, acção declarativa de condenação, com processo comum, contra Manuela M… e M… M… M…, pedindo a condenação solidária destes no pagamento:
(i)-da quantia de € 118.203,67 (cento e dezoito mil duzentos e três euros e sessenta e sete cêntimos) acrescida de juros de mora desde a prática dos actos alegadamente fraudulentos até efectivo e integral pagamento; (ii)-dos danos patrimoniais que lhe foram causados, que se vierem a apurar em sede de liquidação ao abrigo dos arts. 556.º, n.º 1, al. b), e n.º 2, e 358.º do Código de Processo Civil e do art. 569.º do Código Civil; e (iii)-dos danos não patrimoniais que lhe foram causados, que se vierem a apurar em sede de liquidação ao abrigo dos citados preceitos legais.
Alegou, em síntese, que, em Abril de 2012, na sequência de suspeitas, suscitadas pelas autoridades fiscais brasileiras, acerca da emissão de alegadas facturas irregulares pela sociedade de direito brasileiro Cafeeira S…, Ltda., teve conhecimento de que os réus, que foram seus funcionários – assumindo, respectivamente, as funções de administradora e de procurador –, se locupletaram com quantias pecuniárias que lhe pertenciam, adulterando, para tanto, abusivamente, entre os anos de 2005 e 2006, o peso do café por si exportado e comprado, através da manipulação da sua balança, por forma a que nela fossem registados fornecimentos e recebimentos de quantidades de café, respectivamente, superiores e inferiores às efectivamente fornecidas e recebidas, que deram origem a “sobras de café” nos seus armazéns.
Mais alegou que os réus solicitaram a empresas fornecedoras de café que facturassem à autora o fornecimento fictício de café correspondente a essas sobras e que recebidas essa facturas as pagaram através de cheques, sacados sobre a conta bancária da autora, assinados (também, mas não só) pelo réu, na qualidade de procurador da sociedade, cheques esses que foram endossados e devolvidos à autora, na pessoa dos réus, que, por sua vez, os entregaram a terceiros que procederam ao depósito dos referidos montantes e os transferiram para contas bancárias tituladas pelos réus, que, consequentemente, deles beneficiaram.
Invocou que os réus lhe causaram um prejuízo de R$ 309.500,00 – valor correspondente ao montante total das “notas fiscais” referidas na petição inicial – e equivalente a € 118.203,67 (cento e dezoito mil duzentos e três euros e sessenta e sete cêntimos), ao qual acrescem os “valores a serem eventualmente pagos em cumprimento de obrigações tributárias, responsabilidade por eventuais infrações legais, entre outras que sejam devidas pela Autora como consequência direta ou indireta da conduta encetada pelos Réus”, para além de a sua reputação ter ficado afectada junto dos seus clientes, parceiros comerciais e fornecedores de café e, em geral, do público, valores a apurar em sede de liquidação.
Terminou dizendo que, tendo os factos acima descritos sido praticados no Brasil, país onde também se localiza a sua sede e onde os administradores desempenhavam as suas funções no contexto societário, é aplicável ao caso, a lei brasileira, pelo que, tendo os réus violado os deveres que recaem sobre os administradores, respondem os mesmos civilmente pelos prejuízos causados, nos termos dos arts. 153.º, 154.º e 158.º da Lei das Sociedades por Acções, aprovada pela Lei n.º 6.404, de 15 de Dezembro de 1976 e dos arts. 186.º, 389.º e 927.º do Código Civil brasileiro, sendo que igual solução deriva do direito português nos termos dos arts. 64.º e 72.º do Código das Sociedades Comerciais.
Requereu a citação urgente dos réus nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 561.º, 219.º e 226.º, todos do CPC, alegando, para tanto, que, tendo instaurado, em 21-01-2014, uma acção de responsabilidade civil extracontratual contra os réus, que correu termos no Juízo Central Cível de … (Juiz 2), no âmbito da qual foi proferida decisão de absolvição da instância, confirmada por Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, que apenas transitou em julgado em 10-05-2018, a prescrição não se considera completa antes de 10-07-2018 (i.e., dois meses após o trânsito), já que, de acordo com o disposto no art. 327.º, n.º 3, do CC, está em causa motivo que não lhe é imputável.
Invocou, em todo o caso, que, mesmo que não fossem os réus citados até à referida data, já havia procedido, à cautela, à interrupção do prazo prescricional através de notificação judicial avulsa, que foi concretizada em 07-02-2017, sendo, como tal, a acção tempestiva, uma vez que a podia intentar até 07-02-2020.
Regular e pessoalmente citados, apresentaram os réus contestação, na qual se defenderam por excepção, invocando, por um lado, a excepção dilatória de caso julgado em face da decisão, já transitada em julgado, proferida em acção que correu termos no Brasil, tendo por base os mesmos factos; por outro lado, a falta de consentimento da autora para a propositura da presente acção nos termos do art. 159.º da LSA e a aprovação das contas em que supostamente ocorreram os factos em questão, conferindo, dessa forma, quitação a todos os actos praticados pela administração, já que também não foi intentada acção de anulação das deliberações referentes às contas no prazo legal de dois anos previsto no art. 286.º da LSA; e, por último, a prescrição do exercício do direito de acção por o prazo de três anos de que a autora dispunha para reclamar a reparação dos seus alegados danos ter começado a correr na data da aprovação das contas do exercício no qual se verificou o ilícito que é imputado aos réus, sendo que tal prazo sempre se encontraria ultrapassado já que a autora tem conhecimento dos factos que aqui veio invocar, pelo menos, desde Maio de 2007, tudo nos termos dos arts. 287.º e 158.º, § 5, da LSA, o mesmo decorrendo do art. 206.º, § 3, do CC brasileiro.
Impugnaram, para além disso, os factos alegados na petição inicial, negando os actos que lhe são imputados, bem como a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil à luz do art. 927.º do CC brasileiro.
Concluíram pedindo a procedência das invocadas excepções, com a sua consequente absolvição da instância no que toca à excepção de caso julgado e a sua absolvição do pedido no que toca às demais excepções, pugnando ainda, caso assim não se entenda, pela improcedência da acção e pela condenação da autora como litigante de má fé, em indemnização a liquidar.

Notificada da contestação, a autora exerceu o contraditório no que concerne aos documentos juntos pelos réus e quanto à invocada litigância de má fé, sustentando que se trata de pedido manifestamente infundado e juntou documentos.

Em sede de resposta à contestação, pugnou a autora pela improcedência das invocadas excepções, alegando, em suma, que, inexistindo identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir, não há caso julgado; que, contrariamente ao que os réus afirmam, as contas dos exercícios de 2005 e de 2006 foram aprovadas com ressalvas e reservas; que o prévio decretamento da anulação das deliberações sociais de aprovação dos relatórios e contas não constitui requisito para a instauração de acção de responsabilidade civil de administradores; que nada obsta a que a autora delibere a ratificação da propositura da presente acção; e, por fim, que o seu direito não se encontra prescrito, uma vez que só teve conhecimento dos factos em 2012, data a partir da qual se iniciou o prazo prescricional.

Seguiram-se novos requerimentos, juntando documentos e um parecer jurídico, que foram admitidos, embora parte da matéria alegada pelas partes tenha sido considerada não escrita, nos termos do despacho de 02-12-2020.

Por decisão de 01-04-2021, concluiu-se pela competência internacional dos Tribunais Portugueses para preparar e julgar a presente acção, foi julgada improcedente a excepção de caso julgado e entendeu-se ser aplicável às questões substantivas a lei brasileira.

Por decisão de 13-07-2021, por se ter concluído pela prescrição do direito de anular a aprovação das contas, com a consequente consolidação da quitação conferida aos administradores, foi julgada procedente a excepção dilatória de falta de deliberação prévia dos sócios relativamente à ré, com a sua absolvição da instância e foi julgada improcedente a mesma excepção em relação ao réu, em relação ao qual os autos prosseguiram os seus termos.

Da aludida decisão de improcedência da referida excepção dilatória, foi interposto recurso pelo réu e formulado pedido de ampliação do seu objecto pela autora, sendo que o Tribunal da Relação de Lisboa, na improcedência da apelação, confirmou, por Acórdão de 08-03-2022, a decisão recorrida.

Na audiência prévia foi fixado valor à causa, foi proferido despacho saneador, foram enumerados, ao abrigo do princípio da adequação formal, os factos assentes, foi identificado o objecto do litígio, foram enunciadas os temas da prova sem que tenham existido reclamações e foram apreciados os requerimentos probatórios, já com as alterações apresentadas.

Realizou-se audiência de julgamento que decorreu com observância das legais formalidades e foi proferida sentença que:
a)-julgou procedente a excepção peremptória de prescrição e extinto o direito que a autora S…, S.A. pretendia fazer valer, absolvendo, em consequência, o réu M… M… M… dos pedidos deduzidos e
b)-absolveu a autora do pedido de condenação por litigância de má fé.
*

Inconformada a autora interpôs recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
1A Recorrente demonstrou, através de prova documental e testemunhal, que o Recorrido praticou atos ilícitos violadores dos seus deveres enquanto Procurador, que causaram danos e prejuízos avultados à Recorrente.
2Em concreto, o Recorrido dava instruções para que o peso do café comprado pela Recorrente aos fornecedores
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