Acórdão nº 128/22.6GDFAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2022-10-25

Ano2022
Número Acordão128/22.6GDFAR.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora

ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

1. RELATÓRIO


A – Decisão Recorrida


No processo sumário nº 128/22.6GDFAR, do Tribunal Judicial da Comarca do Faro, Juízo Local Criminal, Juiz 1, foi condenado o arguido AA, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p.p., pelos Artsº 292 nº1 e 69 nº1 al. a), ambos do C. Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa à taxa diária € 5,00 (cinco euros) e ainda, na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias.

B – Recurso

Inconformado com o assim decidido, recorreu o arguido, com as seguintes conclusões (transcrição):

I – Desde apresentação a juízo que o Recorrente refere expressa e inequivocamente que desconhece a língua portuguesa;
II – Que se colha dos autos, de modo algum o Recorrente foi submetida a qualquer teste ou prova sobre a sua aptidão escrita ou oral de língua diferente da sua.
III – A não notificação da acusação ao Recorrente na língua ..., preenche nulidade insanável, bem como a notificação da sentença escrita na língua ..., assim como a notificação sobre contra-prova;
IV – A não entrega à Recorrente da toda a documentação da audiência de julgamento, como requerido oportunamente, dactilografada na sua própria língua e a expensas do Tribunal, também é cominado com nulidade insanável.
V - Assim, são nulos e de nenhum efeito os restantes actos comunicados ao Recorrente em língua portuguesa (o mais importante seria o exercício do direito a requerer contra-prova e os meios para o fazer). Tudo em conformidade com o disposto nos artigos 64.º n.º 1 al. d) e 119.º al. c), ambos do CPP. Assim não se entendendo,
VI – Torna tais normas inconstitucionais à luz do disposto nos artigos 13.º, 16.º n.º 2 (artigo 6.º n.º 3 al.s a e e) da CEDH) e 32.º todos da CRP.
VIII – Desde o momento da fiscalização, seguida da detenção até à leitura da acusação e juízo incluindo a sentença não entregue integralmente na língua ... ao Arguido, todo o processado é nulo e de nenhum efeito nos termos do disposto no artigo 6.º n.º 3 al.s a e e) da CEDH.l0

C – Resposta ao Recurso

O MP respondeu ao recurso, apresentando as seguintes conclusões (transcrição):

1- Os argumentos invocados pelo recorrente, nos quais assenta a sua discordância, não permitem, salvo o devido respeito, decisão diversa da proferida pelo Mmº Juiz “a quo”;
2- O Recorrente, tal como consta da ata fls. 51, 63/ e 64 foi assistido por intérprete, que lhe traduziu a sentença.
3- A sentença foi traduzida ao arguido pela interprete id. na ata de fls. 63/64, como aí se fez constar.
4- O arguido na data da leitura requereu a tradução da sentença, e que o prazo de recurso se ficasse a contar, não a partir do depósito, mas da tradução, o que foi indeferido.
5- O arguido teve aos seu dispor todas as garantias de defesa previstas no CPP e na Lei fundamental.
6- A tradução da sentença oral em nada prejudicou as garantias de defesa do arguido, que apenas pretendia, com a sentença traduzida, beneficiarde uma prazo alargado de recurso e retirar uma vantagem positiva do alegado desconhecimento da língua portuguesa.
Não podemos senão concordar com as doutas conclusões a que chegou o Mmº Juiz a quo, em face do já explanado quanto à nossa concordância pela aplicação de uma pena privativa da liberdade, supra.
Destarte, e pelas razões apontadas, entendemos que falecem os pressupostos em que o recorrente faz assentar as razões da sua discordância com a douta sentença sindicada, e que surgem plasmados nas conclusões da motivação do recurso.
Pelo que não merece qualquer censura a decisão recorrida.
Termos em que se conclui sufragando a posição adoptada pela Mmª Juiz “a quo” na douta sentença sindicada, julgando-se o recurso interposto pelo recorrente improcedente, como é de toda a JUSTIÇA.

D – Tramitação subsequente

Aqui recebidos, foram os autos à Exª Procuradora-Geral Adjunta, que emitiu o seguinte parecer (transcrição):

1. NÃO MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA DO RECURSO/Requisitos de forma:
1.1. A decisão admite recurso (400.º CPP e 152.º CPC): não é de despacho de mero expediente ou similar.
1.2. Legitimidade dos recorrentes (401.º CPP): é parte ou sujeito vencido ou prejudicado pela decisão impugnada.
1.3. Interesse em agir dos recorrentes (legitimidade objetiva e carência de tutela): a pretensão formulada pelo recurso tem eventuais consequências favoráveis para o recorrente.
1.4. Espécie: ordinário.
1.5. Efeito do recurso (suspensivo do processo ou da decisão ou devolutivo – 408.º CPP): suspensivo do processo.
1.6. Regime de subida: nos autos e de imediato.
1.7. Contém motivação e conclusões concisas (417.º, n.º 3 CPP).
1.8. Tempestividade (411 CPP): é tempestivo.
1.9. Corretamente admitidos pela 1.ª instância.
− Não se vislumbra fundamento para rejeição do recurso e que obste ao seu conhecimento.
− O recurso deve ser objeto da decisão sumária por manifesta razão do recorrente e face à jurisprudência vinculativa do TJUE (artigo 420.º, do Código de Processo Penal) ou, se assim se não entender, julgado em conferência por respeitar a decisão que conhece a final do objeto do processo, não foi requerida a audiência e não é necessário proceder à renovação da prova – artigo 419.º, do CPP.

2. OBJETO DA DECISÃO EM CONFERÊNCIA (sendo o caso). QUESTÕES DE FUNDO:
2.1. Relatório e âmbito do recurso (402.º e 403.º CPP):
Considerando que os recursos são concebidos como remédios jurídicos e não como instrumentos de refinamento jurisprudencial;
Considerando que o recurso, através do ónus da motivação e conclusões, consubstancia um pedido dirigido ao tribunal ad quem com as razões através das quais se justifica onde e porquê se discorda do decidido e se pede como deve ser reponderada a decisão impugnada;
Considerando que é pacífica a jurisprudência de que as conclusões da motivação do recurso, deduzidas por artigos, não só resumem as razões do pedido, mas delimitam, em princípio, o objeto do recurso, sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, e se fixam os limites cognitivos do tribunal ad quem;
Considerando que na fase de recurso persistem princípios do processo penal, designadamente o da verdade material, com os limites impostos pelo reformatio in pejus
O recurso vem interposto pelo arguido AA da sentença que, além do mais, o condenou “…pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de €5,00 (cinco euros); Desconto 1 (um) dia à pena de multa aplicada, em virtude da privação de liberdade sofrida pelo arguido à ordem destes autos (artigo 80.º, n.º 2, do Código Penal), devendo o mesmo suportar o cumprimento de 59 (cinquenta e nove) dias de multa, à taxa diária de €5,00 (cinco euros), o que perfaz o montante global de €295,00 (duzentos e noventa e cinco euros); C. Condeno o arguido AA, nos termos do disposto no artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor por 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias;…”..

2.2. Parecer sobre as questões a decidir. Quadro factual e jurídico. Posição assumida.
Sinteticamente:
O arguido, de nacionalidade ..., recorre invocando a nulidade de todo o processado, desde a fiscalização da condução em estado de embriaguez, pelo facto de não compreender a língua portuguesa.
Dos autos resulta que o arguido foi assistido por intérprete na ocasião do julgamento.
Até aí, ainda que não invocasse desconhecimento da língua portuguesa, não foi assistido por intérprete ou viu traduzidos os documentos do processo ou sequer lhe foi deferida a tradução da sentença.
Defende o recorrente que:
Ao Recorrente não foi transmitido de forma para ele percetível (na sua língua materna) por exemplo do direito a requerer contraprova nem como e onde a podia fazer – e na ausência de advogado e intérprete;
Não dominando a língua portuguesa, foi constituído arguido e prestou TIR sem a presença de advogado nem intérprete nem tais atos processuais terem sido traduzidos em prazo na sua língua materna;
Tudo são razões para, até aqui, se ter como nulos todos os atos processuais – incluindo a prova obtida (por via de desconhecimento sobre a contraprova) anteriores ao próprio julgamento.
Para cúmulo, mesmo tendo sido requerido pelo defensor após leitura por súmula da sentença (oralmente traduzida igualmente por súmula) que fosse entregue ao Arguido cópia da mesma devidamente traduzida, a Mm.ª Juiz entendeu indeferir tal pretensão – sumariamente porque não havia necessidade de o Arguido ficar a conhecer integralmente a sentença e analisá-la devidamente até para efeitos de recurso.
Sendo a nulidade invocada prejudicial do que demais é objeto do recurso, apreciemos então se a mesma se verifica.
A questão de saber se existe nulidade e qual é o seu regime, joga–se no quadro do disposto no artigo 120.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Penal e não do artigo 119.º, alínea c) do Código de Processo Penal, como defende o recorrente, mas também se joga no quadro do Direito da EU, que produz efeitos na ordem jurídica interna.
Como doutamente foi decidido no acórdão deste Tribunal da Relação ..., datado de 2––2022, no processo ...,
I - Encontrando-se verificados todos os requisitos dos quais depende a atribuição de efeito direto vertical às Diretivas e considerando o primado do Direito da União, somos a concluir que as Diretivas n.ºs 2010/64/EU e n.º 2012/13/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, concretamente as normas constantes dos artigos 1º a 3º da Diretiva n.º 2010/64/EU e 3º da Diretiva n.º2012/13/EU, têm efeito direto vertical em Portugal, pelo que poderão ser aplicadas
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