Acórdão nº 1236/09.4BESNT de Tribunal Central Administrativo Sul, 2022-01-27

Ano2022
Número Acordão1236/09.4BESNT
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

A Fazenda Pública, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por G…… M…………….. Portugal Lda., contra a liquidação adicional de Imposto Municipal sobre os Imóveis, respeitante ao ano de 2003, no valor de €85.743,65, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional.

Formulou, para tanto, as seguintes conclusões:

A) Visa o presente recurso demonstrar à evidência o desacerto do sentido preconizado pela douta decisão recorrida, que julgou procedente a Impugnação deduzida por G............... M.............. Portugal, S.A. contra a liquidação adicional de Imposto Municipal sobre os Imóveis, respeitante ao ano de 2003, no valor de € 85.743,65, determinando a anulação da referida liquidação.

B) Entendeu o Tribunal a quo, considerando aliás esta a questão fulcral ou “a questão a decidir nos presentes autos” como afirma, que “não existiu qualquer notificação à ora Impugnante para exercer o direito de audição prévia/participação antes da liquidação adicional do IMI”, uma vez que o n.º 2 do art.º 60.º da LGT apenas dispensa a audição nas situações aí contempladas, não se subsumindo a decisão do tribunal arbitral a nenhuma das situações previstas na referida disposição legal.

C) A Fazenda Pública discorda da apreciação feita na sentença relativamente à questão, mas discorda sobretudo da abordagem simplista e indo de encontro apenas ao evidente que é feita na sentença do Tribunal a quo, em pura remissão para a fundamentação constante do processo n.º ……../09.0BELRS, que correu termos no Tribunal Tributário de Lisboa.

D) Comecemos por afirmar que não estamos subordinados à sentença proferida no âmbito do processo n.º …………../09.0BELRS, que correu termos no Tribunal Tributário de Lisboa, já transitada em julgado, atento o facto da autoridade do caso julgado da decisão proferida na ação anterior não se verificar em relação à decisão desta ação.

E) Ora, é certo que na petição inicial a Impugnante, ora Recorrida coloca em causa a legalidade da liquidação adicional de Imposto Municipal sobre os Imóveis, respeitante ao ano de 2003, no valor de € 83.743,65, invocando a ausência ou vício de fundamentação, a preterição do direito de participação, mediante notificação para o exercício do direito de audição prévia, o vício de violação de lei, revogação ilegal de isenção, nos termos do artigo 14.º do EBF por incompetência, erro nos pressupostos e preterição de formalidades legais e caducidade do direito à liquidação.

F) No entanto, de onde surge a liquidação adicional de Imposto Municipal sobre os Imóveis, respeitante ao ano de 2003, no valor de € 83.743,65, que a ora Recorrida impugna? A Autoridade Tributária e Aduaneira limitou-se a notificar a ora Recorrida da liquidação adicional de IMI em causa, sem mais? A resposta parece-me evidente, atenta a fundamentação de facto da sentença ora em crise. Não!

G) Foi exatamente esse percurso que o Tribunal a quo não fez, embora conste dos factos dados como provados o seguinte [ponto C. da fundamentação de facto]:

“C. Por decisão arbitral proferida a 26.05.2008, em sede do processo n.º 1………………, que contrapôs o Estado Português e a G............... M.............. C……….., foi reconhecido o incumprimento contratual da segunda relativamente ao contrato de investimento identificado em A) supra, respeitante à instalação de fábrica automóvel na A............., reconhecendo ainda a resolução do referido contrato por iniciativa do Estado Português [cf. cópia da decisão arbitral constante de fls. 118 a 226 do PAT em apenso].”

H) Ora, a liquidação adicional de Imposto Municipal sobre os Imóveis, respeitante ao ano de 2003, no valor de € 83.743,65 foi um mero reflexo ou antes uma consequência da decisão arbitral proferida a 26.05.2008, em sede do processo n.º …………… que contrapôs o Estado Português e a G............... M.............. C………...

I) A própria Recorrida assume na petição inicial que a liquidação decorre do facto de ter deixado de beneficiar de isenção de que anteriormente beneficiava, por força de contrato de investimento que havia celebrado com o Estado Português. Senão vejamos o art.º 151.º da p.i. “É inequívoco que o acto sindicato constitui revogação da isenção de IMI de 2003 (…)”.

J) Adianta a ora Recorrida que “A Impugnante não foi notificada da revogação da isenção aplicada à liquidação de IMI que foi efectuada nos prazos legais relativamente ao ano de 2003, devendo-o ser” [Artigo 156.º da p.i.]. Questionemos, não foi?

K) Onde poderemos inserir a decisão arbitral proferida a 26.05.2008, em sede do processo n.º …………………. que contrapôs o Estado Português e a G............... M.............. C……………. no âmbito do não conhecimento pela ora Recorrida da revogação da isenção aplicada à liquidação de IMI?

L) É que se atentarmos à referida decisão arbitral, após uma exposição no ponto 17 da parte II, sob a epígrafe “O encerramento da fábrica como violação do Contrato – A obrigação de reembolso dos incentivos”, no ponto 18 da parte II, sob a epígrafe “O incumprimento e a cominação de reembolso integral dos Incentivos”, consta o seguinte, “(…) O Tribunal considera que no caso haverá lugar a uma devolução integral dos incentivos financeiros (…)”. Ora, não é a isenção de IMI a que teve direito a ora Recorrida um incentivo, portanto, incluído na decisão arbitral proferida a 26.05.2008, em sede do processo n.º 1………………. que contrapôs o Estado Português e a G............... M.............. C…………….?

M) Pelo que, estamos em presença de uma decisão arbitral e de uma liquidação adicional de IMI relativa ao ano de 2003, consequência direta da decisão arbitral de 26.05.2008.

N) Não foi colocada em causa a decisão arbitral, nem aliás, o podia ter sido, atenta a cláusula décima quinta da mesma, nos termos da qual “As decisões do Tribunal Arbitral são finais e vinculativas para as Partes e delas não cabe recurso” [ponto 15.5]. Foi, sim, questionada a legalidade da liquidação adicional de IMI relativa ao ano de 2003, com base numa decisão arbitral proferida em 26.05.2008, que não admite recurso!

O) Ora, nos termos do art.º 26.º n.º 2 da Lei n.º 31/86, de 29 de agosto, Lei da Arbitragem Voluntária, “A decisão arbitral tem a mesma força executiva que a sentença do tribunal judicial de 1.ª instância”.

P) Assim sendo, a liquidação adicional de IMI relativa ao ano de 2003 não foi mais do que a execução de uma decisão arbitral, considerando que a isenção de IMI apenas foi concedida à ora Recorrida pela celebração do contrato de investimento entre o Estado Português e a G............... M.............. C…………... Tal encontra-se expressamente plasmado no anexo II ao Contrato de Investimento.

Q) Pelo que, consagrava a Lei da Arbitragem Voluntária, na versão ao tempo, nos seus artigos 28.º, 29.º, n.º 1 e 31.º, os seguintes meios impugnatórios da decisão arbitral, a ação de anulação da decisão dos árbitros (no prazo de um mês a contar da notificação da decisão arbitral); o recurso para o Tribunal da Relação (caso a ele as partes não tenham renunciado); e a oposição à execução da decisão arbitral.

R) A ora Recorrida, não tendo instaurado a ação de anulação da decisão dos árbitros no mês subsequente à sentença arbitral, e tendo renunciado ao recurso para o Tribunal da Relação, teria ainda a possibilidade de recorrer à oposição à execução, no âmbito da qual, podiam ser invocados, nos termos do art.º 31.º da Lei da Arbitragem Voluntária (Lei n.° 31/86, de 29 de Agosto), os fundamentos da ação de anulação constantes do n.º 1 do art.º 27.º da Lei da Arbitragem Voluntária5, fundamentos que dizem todos respeito a questões formais (error in procedendo) e não de mérito (error in judicando), as últimas reservadas para o recurso.

S) Não tendo a ora Recorrida lançado mão de qualquer dos meios impugnatórios da decisão arbitral, nomeadamente da oposição à execução da decisão arbitral, e sendo a liquidação adicional de IMI relativa ao ano de 2003 consequência direta da decisão arbitral proferida a 26.05.2008, em sede do processo n.º ………………… que contrapôs o Estado Português e a G............... M.............. C............, não pode a ora Recorrida vir impugnar diretamente a liquidação adicional de IMI, invocando, a falta de audição prévia ao abrigo do disposto no art.º 60.º da LGT, uma vez que a referida liquidação adicional já se encontra no campo da execução das decisões arbitrais, e, tendo a decisão arbitral já transitado em julgado, tem a mesma força obrigatória nos termos e com o alcance constante do disposto no art.º 619.º do Código de Processo Civil.

T) Analisemos igualmente a questão considerada fulcral pelo Tribunal a quo, não ter sido concedido à Impugnante, ora Recorrida, o direito de audição ”em momento algum que antecedesse a liquidação”.

U) Ora, dispõe a alínea a) do n.º 1 do art.º 60.º da LGT que o direito à participação dos contribuintes na formação das decisões da administração tributária que lhes digam respeito pode efetuar-se, sempre que a lei não prescreva em sentido diverso, no direito de audição antes da liquidação.

V) O princípio da participação, com consagração constitucional no art.º 267.º n.º 1 e 5, visa evitar que o sujeito passivo sofra uma decisão desfavorável da administração tributária sem que tenha tido, previamente, oportunidade de expor a sua opinião.

W) Já o n.º 2 e 3 do art.º 60.º da LGT dispensa a audição nas seguintes situações:

“2 - É dispensada a audição:

c) No caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe seja favorável;

d) No caso de a liquidação se efectuar oficiosamente, com base em valores objectivos previstos na lei, desde que o contribuinte tenha sido notificado para...

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