Acórdão nº 1224/22.5T8TMR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2023-12-07

Ano2023
Número Acordão1224/22.5T8TMR.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

No Juízo do Trabalho de Tomar, AA impugnou o despedimento por extinção do posto de trabalho decidido pela empregadora CIRE – Centro de Integração e Reabilitação de Tomar, IPSS.
Realizada a audiência prévia, sem conciliação das partes, a empregadora apresentou articulado motivador do despedimento, o qual mereceu a contestação da trabalhadora, com reconvenção, formulando pedidos de declaração de ilicitude do despedimento, com reintegração no seu posto de trabalho, sem prejuízo da opção pela indemnização de antiguidade, e pagamento dos salários de tramitação; de reconhecimento da relação laboral existir desde 01.06.2008; de ilegalidade da cessação das funções de coordenação técnica; de reclassificação nas funções de coordenação técnico-pedagógica para além do termo da Operação POISE; de reconhecimento que a sua retribuição é de € 1.200,00, acrescido de duas diuturnidades, no valor de € 42,00, desde Janeiro de 2019, com pagamento das diuturnidades em dívida desde essa data; de pagamento da compensação de € 100,00 pela coordenação técnica cessada ilicitamente, desde Dezembro de 2021; e de pagamento de € 4.500,00 a título de danos não patrimoniais morais por assédio laboral, tudo acrescido de juros.
Após resposta da empregadora, realizou-se julgamento e a sentença julgou a acção parcialmente procedente, condenando a empregadora nos seguintes termos:
1. declarou ilícito o despedimento efectuado pela empregadora;
2. condenou a empregadora a reintegrar a trabalhadora, no seu posto de trabalho, com respeito pela sua antiguidade, categoria e funções;
3. condenou a empregadora a pagar à trabalhadora as retribuições vencidas desde 29.07.2022 e as vincendas até ao trânsito em julgado da decisão final da causa, considerando a retribuição mensal base de € 1.200,00, acrescida de compensação mensal de € 100,00 e € 3,00 de subsídio de alimentação por cada dia efectivo de trabalho prestado, com dedução dos montantes recebidos pela Autora, nesses períodos, a título de subsídio de desemprego, se for o caso, devendo esses montantes ser entregues à Segurança Social pelo Réu, bem como o desconto do demais indicado no artigo 390.º, n.º 2 do CT;
4. condenou a empregadora a reconhecer que a relação laboral existente com a trabalhadora teve o seu início em 11.06.2008;
5. condenou a empregadora a reconhecer a ilegalidade da cessação das funções de coordenação técnica por ordem verbal e com efeitos imediatos da trabalhadora, por não existir qualquer contrato em comissão de serviço;
6. condenou a empregadora a reconhecer a reclassificação das funções de coordenação técnico-pedagógica da trabalhadora, com efeitos desde 20.12.2021, e que a remuneração desta é de € 1.200,00 mensais, acrescida de € 100,00 mensais e € 3,00 por cada dia de trabalho efectivamente prestado; e,
7. absolveu a empregadora do demais peticionado.

O recurso deduzido pela empregadora contém as seguintes conclusões:
(…)

A resposta sustenta a manutenção do decidido.
Já nesta Relação, a Digna Magistrada do Ministério Público emitiu parecer no sentido de ao recurso ser negado provimento.
Cumpre-nos decidir.

Da impugnação da matéria de facto
Afirmando, previamente, que a Recorrente cumpre minimamente os requisitos de impugnação da matéria de facto estabelecidos pelo art. 640.º n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil – e tendo em atenção que “o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações”, como se decidiu no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 12/2023[1] – procedamos à análise da matéria de facto impugnada no recurso.
*
No ponto 29 dos factos provados, a sentença recorrida declarou demonstrado o seguinte: “A A. começou a dar formação no Cire, aqui R., em 2008, como Formadora, na área de formação de base/integração, tendo em 2017 acumulado com as funções de Coordenadora Técnico Pedagógica, na valência do Centro de Reabilitação Profissional (CRP) do Réu.”
A Recorrente afirma que esta matéria está em contradição com os pontos 87 e 88 do elenco fáctico – contratos de prestação de serviços celebrados desde 11.06.2008 – complementados com os depoimentos das testemunhas, e que a partir de 2017 a trabalhadora passou a prestar os seus serviços exclusivamente como coordenadora técnico-pedagógica, pelo que não ocorreu acumulação de funções a partir dessa data.
A sentença declarou este facto provado por acordo das partes (excepto no que se refere ao ano de 2008), mas tal não é exacto. Esta matéria havia sido alegada pela trabalhadora no art. 3.º da sua contestação, tendo a empregadora o ónus de responder, apenas, à matéria de reconvenção – art. 98.º-L n.º 4 do Código de Processo do Trabalho, na sua redacção actual (introduzida pela Lei n.º 107/2019, de 9 de Setembro).
Mesmo que se entenda esta matéria por reproduzida na secção do articulado da trabalhadora dedicado à sua reconvenção – porque suporta o seu pedido de reconhecimento da antiguidade à data de 01.06.2008 – foi expressamente impugnada pela empregadora, no art. 22.º da sua resposta, pelo que não se pode considerar assente por acordo das partes.
De todo o modo, que a A. começou a dar formação na Ré, a partir de 11.06.2008 é facto que está confirmado quer pelos contratos de prestação de serviços juntos a fs. 161 e segs., quer pelos depoimentos das testemunhas ouvidas a essa matéria, nomeadamente … (presidente da direcção da Ré entre 2011 e 2016), … (formadora na Ré desde 1993), … (formador na Ré entre 1985 e 2021) e … (psicóloga na Ré desde 2002).
Também está demonstrado que, a partir de Janeiro de 2017, a trabalhadora passou a exercer as funções de coordenadora técnico-pedagógica, na valência do Centro de Reabilitação Profissional (CRP), por decisão da direcção cessante em Dezembro de 2016 – depoimento da testemunha …, confirmado por … e … – embora os contratos de prestação de serviços juntos aos autos revelem um hiato temporal no ano de 2017 (há um contrato celebrado para o triénio de 2014 a 2016, para as funções de formadora, e o contrato seguinte entrou em vigor apenas a 01.01.2018, já para as funções de “coordenação técnico-pedagógica de reabilitação e formação profissional do CRP – actividade/funções de coordenadora”, sendo renovado por outro que vigorou de 01.01.2019 a 31.12.2020, como se pode observar a fs. 164 e 165 dos autos).
De todo o modo, mesmo que a actividade da A. não tenha suporte documental quanto ao ano de 2017, certo é que assumiu as funções de coordenação técnico-pedagógica, na valência do CRP, em Janeiro desse ano – citados depoimentos de …, … e … – e assim se manteve até à decisão da Ré de 16.11.2022 que a destituiu dessas funções.
Onde não se pode considerar provado é que tenha ocorrido a acumulação de funções da A. como coordenadora técnico-pedagógica e como formadora, a partir de 2017, pois as primeiras funções eram exercidas de modo exclusivo – como revelou a testemunha … a coordenação ocupava a A. a tempo inteiro, em todo o seu horário de trabalho, das 9 às 17 horas, e apenas esporadicamente dava formação, quando ocorria a falta de algum formador que não pudesse ser substituído por outra pessoa.
Assim, este ponto 29 merece ser alterado, de modo a retirar a parte relativa à acumulação de funções a partir de 2017, pois a coordenação foi exercida de modo exclusivo.
Concede-se parcial provimento a esta parte da impugnação, e determina-se que o ponto 29 passe a conter a seguinte redacção: “A A. começou a dar formação no CIRE, aqui R., em 11.06.2008, como formadora, na área de formação de base/integração, tendo em Janeiro de 2017 passado a exercer, em exclusivo, as funções de coordenadora técnico-pedagógica, na valência do Centro de Reabilitação Profissional (CRP) do Réu.”
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No ponto 69 dos factos provados, a sentença recorrida declarou demonstrado o seguinte: “A existência de um/a Coordenador/a Pedagógico, na valência CRP da instituição Ré é imprescindível para continuar a ministrar formação para formandos com deficiência e incapacidade.”
A Ré afirma que este facto é contrário ao art. 7.º da Portaria n.º 851/2010, do qual entende que apenas é imprescindível o cargo de gestor de formação, que pode ser cumulado com o de coordenador pedagógico, e afirma que tal é confirmado pelo depoimento da testemunha ….
No entanto, analisando o art. 7.º e o anexo II da dita Portaria n.º 851/2010 (na versão que lhe foi conferida pela Portaria n.º 208/2013, de 26 de Junho), a entidade formadora deve assegurar a existência de recursos humanos em número e com as competências adequadas às actividades formativas a desenvolver de acordo com as áreas de educação e formação requeridas para a certificação, incluindo:
“a) no caso de certificação inserida na política da qualidade dos serviços de entidade formadora estabelecida em território nacional, um gestor de formação com habilitação de nível superior e experiência profissional ou formação adequada, que seja responsável pela política de formação, pelo planeamento, execução, acompanhamento, controlo e avaliação do plano de actividades, pela gestão dos recursos afectos à actividade formativa, pelas relações externas respeitantes à mesma, que exerça as funções a tempo completo ou assegure todo o período de funcionamento da entidade, ao abrigo de vínculo contratual. Considera-se experiência profissional adequada três anos de funções técnicas na área da gestão e organização da formação; considera-se formação adequada a formação na área da gestão e organização da formação e, eventualmente, na área pedagógica, com duração mínima de 150 horas.
b) No caso de entidade formadora estabelecida em território nacional, um coordenador pedagógico com habilitação de nível superior e experiência profissional ou formação adequada, que
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