Acórdão nº 1216/22.4T9AMD.L1-9 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-02-23

Ano2023
Número Acordão1216/22.4T9AMD.L1-9
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam, em conferência, na 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

Relatório:
No âmbito do Processo de cassação n.º 479/2021 foi decidido:
“Face ao que antecede, e verificados que estão os pressupostos da cassação nos termos da alínea c) do n. º 4 e 10 do artigo 148. º do Código da Estrada, determino a cassação do título de condução n. º ... pertencente a A.”

Notificado da decisão administrativa, o arguido A apresentou impugnação judicial, ao abrigo do disposto nos art.ºs 59.º e seguintes do DL 433/82, de 27.10, pugnando:
- pela nulidade da decisão final de cassação por falta de elementos essenciais e a que a lei obriga; ou
- pela nulidade da decisão final de cassação de título de condução por a mesma assentar numa norma ferida de inconstitucionalidade, uma vez que é retirado ao impugnante um direito regularmente adquirido;

A impugnação judicial foi admitida, por despacho de 13.05.2022, proferido no âmbito do Processo de Recurso de Contraordenação n.º 1216/22.4T9AMD, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oestes, Juízo Local Criminal da Amadora, Juiz 2.
Foi proferida decisão por despacho face à não oposição dos intervenientes, nos termos do art. 64º, n.º 2 do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro.
Foi proferida decisão final datada de 14.7.2022 com o seguinte teor:
“Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso interposto e, em consequência, mantém-se na íntegra a decisão administrativa recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC´s.”
***
Desta decisão veio o arguido interpor o presente recurso, nos termos e com os fundamentos que constam de fls. 123 a 132 dos autos, que agora aqui se dão por reproduzidos para todos os legais efeitos, terminando com a formulação das seguintes conclusões:
I. O presente recurso tem como objeto a Sentença proferida pela Meritíssima Juiz a quo.
II. Inicia o Douto Tribunal a quo: “Decidido que os autos contêm todos os elementos necessários ao conhecimento do recurso e prolação de decisão por despacho e uma vez que, devidamente notificados para declararem a sua oposição a que a decisão se efectuasse por mero despacho, nos termos do artigo 64º, nº 2, do Decreto-Lei nº 433/82, de 27/10, o recorrente nada disse e o Ministério Público afirmou a sua não oposição, nada obsta à prolação de decisão da causa de imediato, sem recurso a audiência de julgamento.”
III. Considera a Sentença ora recorrida que “por força da subtracção sucessiva de pontos por cada condenação em sanção de inibição de conduzir ao recorrente, este ficou com zero pontos, sendo certo que não impugnou as decisões condenatórias relativamente a tais sanções e que as mesmas se mostram transitadas em julgado.”
IV. O Arguido foi julgado e condenado nos autos em epígrafe na cassação do título de condução, por preenchimento dos pressupostos previstos no artigo 148.º do Código da Estrada.
V. No final de cada período de três anos sem que exista registo de contra- ordenações graves ou muito graves ou crimes de natureza rodoviária no registo de infracções, são atribuídos três pontos ao condutor, não podendo ultrapassar o limite máximo de quinze pontos, nos termos do nº 2 do artigo 12l.º-A.
VI. A cassação do título de condução a que se refere a alínea c) do nº 4 é ordenada em processo autónomo, iniciado após a ocorrência da perda total de pontos atribuídos ao título de condução.
VII. Para efeitos do disposto no artigo 149.º, n.º 1, alínea c), o Ministério Público comunica à Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária os despachos de arquivamento de inquéritos que sejam proferidos nos termos do nº 3 do artigo 282.º do Código de Processo Penal quando tenha existido cumprimento da injunção a que alude o nº 3 do artigo 281.º do Código de Processo Penal.
VIII. Através da entrada em vigor da Lei n.º 116/2015, de 28 de Agosto de 2015, em 01 de Junho de 2016, o legislador introduziu no ordenamento jurídico rodoviário português o denominado sistema de carta de condução por pontos.
IX. Anote-se que o artigo 148.º, n.º 4 do Código da Estrada descrimina as consequências resultantes da perda de pontos, esclarecendo a alínea c) que a perda total de pontos importa a cassação do título de condução.
X. Todavia, cumpre anotar que o artigo 148.º do Código da Estrada não estabelece apenas em que circunstâncias é que o condutor perde pontos, e quantos.
XI. Pelo contrário, o aludido preceito legal prevê igualmente em que casos é que são atribuídos pontos ao condutor – sendo esta uma concretização do disposto no artigo 121.º-A, n.ºs 2 e 3 do Código da Estrada.
XII. Aqui chegados, cumpre recordar que o Recorrente foi condenado pela prática de quatro contraordenações graves e uma muito grave, determinando a perda da totalidade dos pontos – cf. artigo 148.º, n.º 2 do Código da Estrada.
XIII. Porém, verifica-se que os factos pelos quais o Recorrente foi condenado ocorreram num muito curto espaço temporal, não tendo, por conseguinte, operado qualquer sistema de ganho de pontos que contrabalançasse aquela perda, conduzindo, assim, à perda total de pontos e à consequente cassação da carta de condução.
XIV. Por este motivo, o Tribunal a quo ao aplicar a norma 148.º do Código da Estrada, viola a Constituição da República Portuguesa.
XV. Viola o ne bis in idem (previsto no art. 29.º, n.º 5, da CRP e consagrado no art. 54.º da CAAS como princípio de preclusão e verdadeira proibição de cúmulo de ações penais) a presente sentença.
XVI. Pois, o arguido cumpriu as penas aplicadas no âmbito dos processos citados na sentença a quo.
XVII. Do ne bis in idem resulta que o mesmo facto não pode ser valorado por duas vezes, isto é, a mesma conduta ilícita não pode ser apreciada com vista à aplicação de sanção por mais do que uma vez.
XVIII. Com efeito como pressuposto material da aplicação da pena acessória deveria averiguar-se da especial censurabilidade do condutor no caso concreto.
XIX. Contudo, na verdade, tal instituto de subtração de pontos aplica-se de forma automática, não se ponderando a necessidade prática de aplicação ao arguido, ou seja, não há valoração de qualquer elemento ligado à prevenção especial, nem tão pouco uma graduação da culpa.
XX. Ora, em todos os acontecimentos, verifica-se a omissão do elemento subjetivo, isto é, inexistiu qualquer intenção do respondente de agir dolosamente, em violação das disposições penais
XXI. Viola também o artigo 18.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, que estabelece que a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
XXII. A sentença recorrida, ao condenar o arguido numa pena, não só manteve violação do ne bis in idem, como afrontou o princípio constitucional da necessidade (da pena).
XXIII. Sem conceder, sempre se defende que se deve ter por excessiva a pena de aplicada, uma vez que o Arguido não tem antecedentes criminais, é pessoa bem-educada, bem considerada e com estima dos familiares, amigos e colegas, pacífica e completamente cumpridora dos seus deveres em sociedade, pelo que atendendo à factualidade resultante da produção de prova, às circunstâncias e ao facto de ser trabalhador e precisar do veículo para exercer a sua atividade profissional.
XXIV. Acresce que, veio o Tribunal a quo notificar, em 13.05.2022, o arguido e o Ministério Público para declararem e se opõem a que seja proferida decisão por mero despacho, sem necessidade de julgamento.
XXV. Realizada a notificação, veio o Ministério Público, expressamente, manifestar a sua não oposição à decisão por mero despacho, tendo-se o arguido remetido ao silêncio.
XXVI. Entendeu o Tribunal a quo face à não oposição Ministério Público e ao silêncio do arguido decidir por despacho, precisamente o, ora, em crise.
XXVII. Deste modo, mostra-se o recorrente prejudicado nos seus direitos e garantias de defesa com a proferição da Douta decisão mediante despacho e interpretação do seu silêncio sobre a oposição a tal forma de decisão como de assentimento e não oposição a tal possibilidade.
XXVIII. O que se tem por disforme à Constituição, por violação dos n.ºs 1 e 10 do art.º 32.º e consequente privação do arguido do direito constitucional ao contraditório, a interpretação do art.º 64º n.º 2 do DL 433/82 no sentido de o mesmo colocar sobre o arguido um ónus de expressamente se opor à decisão por mero despacho e interpretar o seu silêncio como uma não oposição.
XXIX. A douta decisão recorrida assenta no que se julga uma falácia argumentativa, sem que tenha sido efetuada qualquer prova da sua culpabilidade, pois a uma omissão de produção de prova juntou-se uma deliberada ausência de audição, nada autorizando que se presuma por provado.
XXX. Não poderá ser assacada qualquer infração ao arguido, não tendo o mesmo qualquer culpa pelo que, atenta a inexistência da mesma e na senda do princípio nulla poena sine culpa, deverá o presente processo de contra- ordenação ser arquivado contra si por inexistência de fundamento legal.
XXXI. A dita violação do direito de defesa, porque redunda na preterição da realização da audiência de julgamento - diligência essencial para a descoberta da verdade -, consubstancia uma nulidade processual, enquadrável na al. d) do n.º 2 do artigo 120.º do CPP.
XXXII. Deste modo, se requer, mui respeitosamente a V. Exas., a admissão e procedência do presente recurso, com a consequente revogação da douta decisão proferida, atentos os vícios de que o mesmo padece (preterição do exercício do contraditório, violação de princípios constitucionais e omissão quanto a factos essenciais, designadamente que estabelecem o elemento subjetivo (negligência)) e absolvição do recorrente.
NESTES TERMOS, E NOS MELHORES DE DIREITO QUE DOUTAMENTE SERÃO SUPRIDOS POR V. EXAS., DEVERÁ O
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