Acórdão nº 12/15.0F9LSB.L1-5 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2024-04-09

Data de Julgamento09 Abril 2024
Ano2024
Número Acordão12/15.0F9LSB.L1-5
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam em conferência na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

*

Relatório

Nos presentes autos foi submetido a julgamento, em processo comum com intervenção de tribunal singular, o arguido AA, natural de …, nascido em ...-...-1962, filho de BB e CC, titular do CC n° …, residente na ....

Por sentença de 06/09/2023, foi decidido condenar o arguido pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de recetação, p. e p. pelo disposto no art. 231.°, n.° 1, do Código Penal na pena de 2 (dois) anos de prisão e pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelos artigos 255.°, al. a), 256.°, n°s 1, als. a), e), e f), e 3, do Código Penal na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.
Em cúmulo jurídico destas penas foi o arguido condenado na pena única de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova.
*

Discordando da decisão recorrida, veio o arguido interpor recurso da mesma, pugnando pela respetiva absolvição, concluindo nas alegações:
«A)-O Recorrente foi absolvido de todos os crimes dos quais vinha acusado numa sentença que lhe foi lida no dia 27 de janeiro de 2022.
B)-A sentença não foi objeto de depósito, mas não pode deixar de produzir efeitos jurídicos, já que, ainda que esteja em causa uma nulidade insanável, a mesma carece de ser declarada em sede própria, tendo-se violado o disposto no artigo 119.° do CPP.
C)-Neste caso, torna-se evidente que o Arguido foi julgado duas vezes, sendo que, no primeiro caso, o julgamento foi precedido de inquérito e acusação, no segundo caso, o mesmo foi feito sem tais garantias, passando por cima de uma sentença.
D)-Nos termos do artigo 373.° do Código Penal, o arguido considera-se notificado da Sentença no dia da respetiva leitura, sendo a mesma, de todo o modo, plenamente eficaz, tendo este preceito sido violado no caso concreto.
E)-Por outro lado, os comandos legais utilizados para repetir o julgamento não são aplicáveis no caso.
F)-De facto, a Meritíssima Juíza recorreu ao artigo 328.°, n.° 1, do Código Penal que nada tem que ver com o caso, pois que, a audiência ocorreu de forma contínua até ao momento da sua intervenção, caso em que foi repetida, mais de um ano e meio depois de ter sido concluída.
G)-Por outro lado, o artigo 328.°-A não tem aplicação no caso já que diz respeito à substituição de juízes para emissão da própria sentença: no caso concreto, a sentença já tinha sido emitida, apenas não depositada, pelo que nada impedia que o Meritíssima Juíza recorresse às gravações para reproduzir a sentença emitida (ou concluir o que considerasse pertinente).
H)-Havendo gravação das sessões de julgamento nada podia justificar a repetição das audiências, atento, em especial, que os alegados crimes foram cometidos "entre setembro a novembro de 2014", portanto, cerca de 9 anos antes da data em que ocorreram as novas audiências.
I)-Por outro lado, o artigo 328.°-A do CPP foi aditado pela Lei n.° 27/2015, de 14 de abril, previamente à data dos factos, violando-se o disposto no n.° 3 do artigo 18.° e do n.° 4 do artigo 29.°, ambos da constituição, bem como no n.° 2 do artigo 5.° do CPP.
J)-Com efeito, a aplicação retroativa desta lei agravou de forma muito sensível e evitável a posição do Arguido, já que o obrigou a sujeitar-se a novo julgamento, mesmo depois de já ter sido absolvido no juízo originário do Tribunal.
K)-Acresce que o Despacho que determinou a repetição da audiência de julgamento não contém qualquer fundamentação, violando assim o n.° 2 do artigo 328.°- A do CPP, aplicável ex vi do n.° 5 do mesmo artigo.
Sob outro prisma,
L)-A decisão violou o disposto nos artigos 4.° e 5.° do Código Penal uma vez que os factos - de acordo com a fundamentação do Tribunal a quo - foram praticados em … e ….
Por outro lado,
M)-O Tribunal, para fundamentar a condenação pela prática do crime de recetação, de modo meramente conclusivo, refere que o Arguido sabia que os veículos tinham sido adquiridos ilicitamente, mas não refere de que modo, em que data e porquê.
N)-O Tribunal não escrutinou sobre o conhecimento do Arguido da proveniência ilícita, sendo que, para a verificação daquele tipo de crime, tem de se verificar dolo, ou seja, o Arguido tem de ter conhecimento da proveniência ilícita dos bens adquiridos.
O)-E tal conhecimento não consta, a não ser de modo meramente conclusivo, da sentença aqui em crise.
Noutro prisma,
P)-Os factos 6 a 13 e 15 a 21 não correspondem à realidade dos factos, desde logo, porque o Arguido não sabia que os veículos tinham sido furtados, não sabia de qualquer falsificação e, muito menos, falsificou seja o que for, o que resulta, desde logo, do seu depoimento, conforme resumido na sentença recorrida, sendo certo que nenhum elemento de prova corrobora a factualidade dada como assente pelo Tribunal.
Q)-Ao invés dos factos 6 a 13 e 15 a 21, o Tribunal deveria ter dado como provado, tão-só, que o Arguido adquiriu dois veículos sem indagar da legalidade da sua aquisição pelo alienante, ainda que, em rigor, tal seja muito difícil de fazer no estrangeiro.
R)-No que respeita aos documentos do Reino de …, s.m.o., nada há a concluir, já que os mesmos foram recebidos por parte do vendedor, sendo impossível ao Arguido ou a qualquer pessoa saber que os documentos que aparentavam ser do Reino de … tinham sido alterados na referência dos automóveis.
S)-Por outro lado, quanto ao crime de falsificação, desta factualidade fica claro que o Arguido não quis prejudicar alguém ou obter alguma vantagem ilícita.
Finalmente,
T)-Atento o que se referiu no ponto V.1. supra, os crimes - a considerar-se terem sido praticados - são puníveis com penas de prisão de até 6 meses (recetação, 231.°, n.° 2) e até 5 anos (falsificação de documentos, p. 256.°, n.° 1 e 3), à data da sentença já se havia verificado a prescrição de ambos os crimes, atento o disposto nas alíneas c) e d) do n.° 1 do artigo 118.°, considerando, ademais, a regra prevista no n.° 3 do artigo 121.° do Código Penal
*

O recurso foi admitido, por tempestivo e legal, a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
*

O MINISTÉRIO PÚBLICO respondeu ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pela respetiva improcedência, alegando, em síntese:
«1.Nos presentes autos teve lugar uma sessão de julgamento no dia 2 de janeiro de 2021, o qual foi presidido pelo Juiz que então se encontrava a assegurar o serviço do presente Juízo Local Criminal.
2.Nessa sessão de julgamento foi designado o dia 18 de novembro de 2021, pelas 14h00m, para a leitura da respetiva sentença, tendo esta data sido posteriormente dada sem efeito por 4 (quatro) vezes.
3.–No dia 27 de janeiro de 2022 teve lugar nos presentes autos uma diligência a que se chamou “leitura de sentença”, sem que da respetiva tenha sido feita constar a decisão final - sentença.
4.–A referida diligência não foi gravada, e nenhuma sentença (escrita) e assinada foi junta ao processo, depositada ou registada. Nem nessa data, nem posteriormente.
5.–O Senhor Magistrado Judicial que então se encontrava a assegurar o serviço do presente Juízo Local Criminal e que havia assegurado o julgamento e assistido à produção de prova, foi desligado do serviço, deixando de exercer a magistratura, sem que a sentença (escrita) haja sido junta ao processo, assinada, depositada ou registada. 
6.–Por despacho datado de 27 de janeiro de 2023 foi declarada a ineficácia da prova produzida e determinada a repetição do julgamento, o qual foi notificado ao arguido recorrente e à sua mandatária, tendo transitado em julgado.
7.–Aquilo que ocorreu na sessão de julgamento do dia 27 de janeiro de não foi a leitura de uma sentença previamente elaborada, mas apenas a transmissão do resultado e do sentido da decisão do Senhor Juiz que se encontrava a assegurar o serviço do presente Juízo Local Criminal e que havia presidido ao julgamento, resultado e sentido, esses, que deveriam ser feitos constar da sentença escrita que, processualmente, nunca existiu, porque nunca foi junta ao processo, assinada, depositada e registada.
8.–Nos presentes autos inexistiu uma sentença em momento anterior à prolação daquela que ora é posta em crise, inexiste também o necessário depósito e, consequentemente, qualquer trânsito de um julgado prévio.
9.–Não foi, por isso, violado o princípio do ne bis in idem.
10.–O arguido não invocou qualquer invalidade da decisão datada de 27 de janeiro de 2023, nos termos do disposto nos artigos 119.° e seguintes do Código de Processo Penal, bem como dela não interpôs recurso, pelo que tal decisão transitou em julgado, não podendo ser agora sindicada.
11.–Sem prejuízo, o artigo 328.°-A, do Código de Processo Penal (normal penal adjetiva), foi introduzido neste diploma por via da Lei n.° 27/2015, de 14 de abril, a qual, nos termos do seu artigo 7.°, entrou em vigor 30 dias após a sua publicação, ou seja, em 14 de maio de 2015.
12.–Tendo os presentes autos sido autuados, como inquérito, no dia 8 de julho de 2015, o referido normativo já se encontrava em vigor, inexistindo, pois, qualquer aplicação retroativa da lei penal no caso concreto, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 5.°, do Código de Processo Penal. 
13.–A decisão proferida nos presentes autos no dia 27 de janeiro de 2023 configura um despacho, para o qual não se encontra legalmente prevista a sanção de nulidade por falta de fundamentação.
14.–Nessa medida, a eventual inobservância do dever de fundamentação apenas poderia corresponder a uma mera irregularidade, sujeita ao regime previsto no artigo 123.° do Código de Processo Penal.
16.–A lei penal portuguesa é aplicável a factos cometidos fora do território nacional por quem seja português, como é o caso do arguido, nos termos do disposto no artigo 5.°, n.° 1, alínea e), do Código Penal.
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT