Acórdão nº 11579/21.3YIPRT.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-03-14

Ano2023
Número Acordão11579/21.3YIPRT.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo n.º 11579/21.3YIPRT.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim – Juiz 4


Acordam no Tribunal da Relação do Porto


I. Relatório
SUCH - Serviço de Utilização Comum dos Hospitais, com sede no ..., Av. ..., ..., ... Lisboa, intentou contra A..., Lda., com sede na Rua ..., ... ..., procedimento de injunção para cobrança da quantia de 77.865,74€, acrescida de juros de mora vencidos, no montante de 2.488,26€, e vincendos, correspondente ao preço dos serviços de esterilização e embalamento de zaragatoas que prestou à requerida e que esta não pagou.
A requerida deduziu oposição, alegando que o requerente se obrigou a obter, antes de prestar os serviços de esterilização e embalamento das zaragatoas, a certificação ISO 13485, sendo tal obtenção de certificação condição essencial à concretização do negócio entre as partes, pois que a requerida não teria contratado o serviço se essa certificação não fosse previamente obtida. Mais alegou que o requerente não elaborou nem entregou à requerida relatórios ou registos documentais que permitissem afirmar a validade da esterilização efectuada e demonstrar o cumprimento das regras e imposições previstas, pelo que não é possível proceder à análise da conformidade da esterilização nem, consequentemente, comercializar as referidas zaragatoas.
Com fundamento no cumprimento defeituoso assim invocado, a requerida deduziu pedido reconvencional, alegando ter sofrido os seguintes danos: 83.089,72€ que despendeu na aquisição de 296.749 zaragatoas; 281.892,00€ a título de lucros cessantes pela não venda dos conjuntos de zaragatoas e tubo; 15.434,58€ a título de lucros cessantes pela não venda de zaragatoas individuais. Nestes termos, peticionou a condenação da requerente a pagar-lhe a quantia de 380.416,30€, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos desde a notificação da reconvenção.
Após distribuição dos autos como acção com processo comum, a autora apresentou réplica, pugnando pela improcedência da reconvenção.
Dispensada a realização de audiência prévia, foi proferido despacho saneador, fixado o objecto do litígio, enunciados os temas da prova e designada data para audiência de discussão e julgamento, que se veio a realizar e na sequência da qual foi proferida sentença, que termina com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, o Tribunal julga a presente acção procedente e a reconvenção improcedente e, em conformidade:
a) absolve ao A. SUCH - Serviço de Utilização Comum dos Hospitais do pedido reconvencional deduzido pela R. A... Ldª;
b) condena a R. A... Ldª a pagar ao A. SUCH - Serviço de Utilização Comum dos Hospitais a quantia de 77.337,48 euros (setenta e sete mil trezentos e trinta e sete euros e quarenta e oito cêntimos), acrescida de juros de mora acrescida de juros de mora comerciais, nos termos definidos nesta decisão, aplicando-se quaisquer taxas que, de futuro, venham a alterar a taxa relativa aos juros de mora comerciais, enquanto tal quantia não se encontrar paga, e ainda 40,00 euros (quarenta euros) de despesas com aquela cobrança.
Custas da acção e da reconvenção pela R. (art. 527º do C. P. Civil).
Notifique e registe, ainda que apenas electronicamente.»
*
Inconformado, o réu apelou da sentença, formulando as seguintes conclusões:
«I) A sentença recorrida foi proferida, com todo o respeito, ao arrepio do Direito e dos factos, designadamente, a sentença recorrida não poderia ter decidido nos termos em que decidiu ao condenar a Recorrente no pedido formulado pela Recorrida no requerimento de injunção e ao julgar improcedente a reconvenção apresentada.
II) A decisão proferida é profundamente errada do ponto de vista jurídico mas, também, do ponto de vista factual relativamente aos pontos 18.º, 19.º e 22.º ora em crise sendo objeto do presente recurso a sua reapreciação e sua alteração pelos factos existentes e prova produzida que assim o determina após ser por este Colendo Tribunal ouvida e verificar que a sentença padece de manifesto erro de julgamento. (662.º n.º 1 do CPC), mais precisamente, foram mal julgados os seguintes factos: 18 - O A. esterilizou e embalou as zaragatoas cumprindo as determinações da norma ISO 13485; 19 - O A. possui os relatórios e registos documentais que permitem verificar os termos em que foi efectuada a esterilização de cada lote de zaragatoas e que demonstram o cumprimento das regras e imposições previstas, nomeadamente registo de testes químicos, indicadores microbiológicos, temperatura da esterilização etc. (…) 22 - A existência da certificação da norma não é condição obrigatória para a comercialização das zaragatoas, sendo condição para esta comercialização o cumprimento da norma. - cfr. sentença recorrida.
III) Os elementos juntos aos autos, e, principalmente, aqueles que não estavam junto aos autos, determinavam, ao Tribunal Recorrido, uma decisão diversa daquela que foi proferida quanto aos pontos 18.º, 19.º e 22.º que, por conseguinte, deveriam merecer a resposta de NÃO PROVADO e, por conseguinte, em virtude desta alteração da matéria de facto a decisão recorrida terá que ser revogada e substituída por outra que julgue improcedente o pedido da Autora contra a Ré e, diversamente, que seja julgada totalmente procedente a Reconvenção apresentada pela Autora.
IV) Com efeito, o julgamento dos factos provados 18), 19) e 22) vai expressamente impugnado, o que se faz para os devidos e legais efeitos já que o Tribunal recorrido não considerou a legislação nacional e internacional sobre este tema e não explicou, diretamente em que documentos e/ou testemunhas que se alicerçou para dar esta resposta aos factos provados 18, 19.º e 22.º porquanto analisada a sentença em crise verifica-se que o Tribunal decidiu considerar provados estes factos com base na “prova testemunhal” que foi “inequívoca”
V) A prova testemunhal em momento algum demonstrou, nem poderia demonstrar, algo que só através de documentos poderia ser provado e se há coisa que não foi a prova testemunhal é “inequívoca” para a resposta fática dada pelo Tribunal recorrido aos três factos em crise; refere o Tribunal recorrido que os serviços da R. “seriam prestados com o cumprimento da norma ISO citada, que estava já implementada e em relação à qual o A. se encontrava em processo de certificação. Que esta certificação não era uma exigência prévia à prestação do serviço (…) Quanto à questão dos registos dos ciclos, a troca de e-mails é clara e permite concluir que foi o A. quem revelou à R. que tal registo existia quando esta lhe pediu que concretizasse o que foi feito (…)” - cfr. sentença.
VI) Da prova produzida e da lei resultam, inequivocamente, duas questões e duas obrigações a cargo da Recorrida, empresa contratada para a realização de serviços de esterilização dos lotes dos produtos: a obrigação de cumprimento da norma ISO 13485 (1) e, bem assim, a obrigação de manter relatórios e registos documentais que permitam verificar os termos em que foi efetuada a esterilização de cada lote de zaragatoas (2).
VII) Quanto à primeira questão, como é facto notório (art. 5.º n.º 2 c) do Cód. de Processo Civil), o reprocessamento de dispositivos médicos, atividade que inclui a esterilização, é um processo vital para a minimização dos riscos de saúde de pacientes e profissionais de saúde.
VIII) Não poderemos desconsiderar que os factos em causa se balizam no período temporal mais crítico da crise pandémica global de Covid 19 que enfermou todo o globo, incluindo Portugal, sendo que a matéria sub judice era respeitante a processo de venda de dispositivos médicos cuja produção envolve elevada complexidade e criticidade para a saúde pública, o que determina que o reprocessamento de dispositivos médicos está enquadrado em legislação própria, nacional e comunitária, que estabelece as regras e as linhas de orientação necessárias para assegurar as boas práticas e a eficácia destes processos.
IX) Deste modo, existirá por parte das entidades que executam estes processos, a obrigatoriedade de implementação e certificação de um Sistema de Gestão da Qualidade, circunstancialismo que a Autora, Recorrida não cumpria – cfr. facto provado n.º 16.
X) Com efeito, e no caso dos dispositivos médicos designados de “uso único”, como é o caso das zaragatoas, o Despacho n.º 7021/2013, de 30 de Maio, não deixa qualquer dúvida relativamente a esta questão. No n.º 8 do mesmo pode ler-se: “8 – A entidade reprocessadora deve dispor de um sistema de qualidade implementado e certificado no âmbito da norma NP EN 13485, o qual deve cobrir o processo de reprocessamento”. no caso dos dispositivos médicos reutilizáveis, a análise mais atenta permite concluir que a obrigatoriedade, nestes casos, é também aplicável. Efetivamente, o Decreto-Lei n.º 145/2009, de 17 de Junho, estabelece as disposições aplicáveis aos dispositivos médicos, no que respeita à marcação CE (Capítulo III, artigos 7.º a 10.º) e ao fabrico (Capítulo X, artigos 30.º a 35.º).
XI) No âmbito da marcação CE de dispositivos médicos, o referido decreto-lei estabelece, no artigo 9.º, o seguinte: “Procedimento para esterilização 1 – Qualquer pessoa singular ou colectiva que esterilize, com vista à sua colocação no mercado, dispositivos médicos com a marcação CE, concebidos pelo seu fabricante para serem esterilizados antes da sua utilização, deve optar por um dos procedimentos previstos nos anexos II ou V do presente decreto–lei (…)”
XII) Ora, no Anexo II e, também, no Anexo V do mesmo decreto-lei, é estabelecido que: “(…) O fabricante deve apresentar um pedido de avaliação do seu sistema da qualidade ao organismo notificado (…)” “(…) O fabricante deve aplicar o sistema da qualidade aprovado para a concepção, o fabrico e o controlo final dos produtos em questão (…)”
XIII) Neste mesmo Decreto-Lei, verifica-se que a esterilização de dispositivos médicos está enquadrada no capítulo X –
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