Acórdão nº 1137/20.5T9LRS.L1-9 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-11-09

Ano2023
Número Acordão1137/20.5T9LRS.L1-9
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes Desembargadores da 9º secção criminal do Tribunal da Relação de Lisboa



I–Relatório


Nos presentes autos de processo comum com intervenção do Tribunal Singular que correu termos no Juízo Local Criminal de Loures, J2, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, o assistente AA…... deduziu acusação particular contra as arguidas BB…… e CC……, imputando-lhe a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de difamação, previsto e punível pelo artigo 180° do Código Penal (doravante CP) perpetrado na pessoa daquele.
Tal acusação particular mereceu o acompanhamento do Ministério Público, quer no recorte factual, quer no enquadramento jurídico.
O assistente deduziu ainda pedido de indemnização civil contra as arguidas pedindo a condenação destas a pagar-lhe as quantias de 2.475,00 € a título de danos patrimoniais e 3.000,00 € por danos não patrimoniais por si sofridos com a conduta das arguidas, acrescido de juros de mora.
Realizada a Audiência de julgamento, o tribunal singular julgou a acusação improcedente e absolveu as arguidas do crime que lhes vinha imputado e do pedido cível deduzido pelo assistente.
Inconformado, veio o assistente interpor recurso da sentença absolutória.
Após convite que recebeu nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 417º, n.º 3 do Código de Processo Penal (doravante CPP), apresentou o assistente novas conclusões que extraiu da sua motivação, nos seguintes termos (transcrição):
a)-O presente recurso visa impugnar a decisão do Tribunal a quo, que absolveu as arguidas, que vinham acusadas da prática de um crime de difamação p.p. pelo artigo 180.º do Código Penal, por força da análise da matéria de facto não provada (pontos a) a k)) e de todo o enquadramento jurídico e processual dos presentes autos.
b)-Para que se venha a verificar a existência da prática de um crime de difamação, previsto pelo Código Penal, basta que alguém impute a outra pessoa um facto ofensivo da sua honra ou consideração, dirigindo-se a terceiros, nos termos do seu n.º 1 do artigo 180.º.
c)-A sentença proferida pelo douto Tribunal a quo considerou provado que o assistente era administrador do Condomínio do prédio em questão e que as arguidas, por meio de um email enviado em junho de 2020, divulgaram o seu conteúdo a todos os condóminos.
d)-No entanto, o Tribunal de primeira instância entendeu não provado que a gestão do assistente era adequada até à data da eleição das arguidas como representantes do Condomínio.
e)-Esta conclusão é objeto de contestação com base em depoimentos de testemunhas e na experiência anterior aos factos do assistente como administrador.
f)-As testemunhas inquiridas no presente processo reforçaram a confiança no assistente e alegaram ter recomendado os seus serviços, o que contradiz a alegação de que a sua gestão era deficiente.
g)-A sentença, ao absolver as arguidas, interpretou erroneamente os factos, minimizando a gravidade das ofensas difamatórias imputadas e desconsiderando a sua intenção difamatória, o que é inaceitável.
h)-As acusações das arguidas tinham como objetivo comprometer a honra do assistente, não apenas no contexto profissional, mas também pessoal.
i)-Com o referido email as arguidas imputaram ao assistente a prática de ameaças frequentes, o que não pode ser justificado como um mero desacordo contratual,a contrário do que julgou o douto Tribunal a quo.
j)-Além disso, o desaparecimento das chaves dos elevadores foi atribuído ao assistente de forma difamatória, alegando que o mesmo o fez com o intuito de obter ganhos.
k)-Afirmaram, ainda, as arguidas que o recorrente se recusa a mandar os valores, que quando envia estão errados e, para tanto, está sempre a arranjar desculpas para os erros.
l)-Ora, este erro concreto não é uma imputação inocente e sem intenção como o douto Tribunal a quo concluiu. Estamos a analisar uma situação concreta de alguém que posteriormente vem acrescentar que o recorrente fez desaparecer a chave do elevador com o propósito de conseguir pedir mais dinheiro ao condomínio pela deslocação realizada.
m)-Estamos perante uma relação análoga à “prestação de serviços” em que o recorrente presta serviços de gestão e administração de condomínios.
n)-É senso comum concluir que a mínima suspeita sobre movimentação de valores não autorizados pode, efetivamente, resultar na perca de confiança, manchar o bom nome e honra da pessoa visada na imputação dos factos.
o)-As arguidas com a sua conduta pretendiam afastar o ora recorrente da administração e gestão do condomínio em questão, nem que para tanto tivessem de lhe imputar factos que sabiam ser falsos e que comprometiam a honra e bom nome do recorrente enquanto pessoa singular, para que alguns condóminos começassem a duvidar da seriedade e princípios do mesmo.
p)-Aliás, as arguidas conseguiram mesmo com a sua conduta afastar o ora recorrente da gestão e administração do condomínio para o qual havia sido eleito e reeleito desde 2017.
q)-Veja-se o Acórdão n.º 71/15.5TRGMR-A.S1 do Supremo Tribunal de Justiça “I- Sendo a honra uma projecção, na consciência social, de certos valores pessoais, não ocorrerá um comportamento ofensivo quando se divulgam factos verdadeiros ou notórios, desde que não representem, na sua formulação e concretas circunstâncias um flagrante desrespeito pela intimidade e estreito circulo pessoal que a qualquer individuo é devido e que socialmente lhe deve ser reservado.(…)II - Já a manifestação de juízos sobre acções e comportamentos de outrem, mesmo que assente sobre factos verdadeiros, será lícita no seu próprio conteúdo quando não briguem com as regras de adequação social e do risco permitido. (…) III- Por outro lado, os actos atentatórios da honra, para além de deverem ser aferidos face a padrões de sensibilidade média de um “bonus pater famílias” só revestirão o cunho de ofensa quando atinjam um mínimo de censura juspenalista. (…) IV- Ao nível do tipo subjectivo do ilícito de difamação, é pacífico na jurisprudência e na doutrina não ser necessário que o agente tenha procedido com “animus injuriandi vel diffamandi” ou dolo específico, bastando o dolo genérico traduzido na consciência de que as expressões utilizadas são de molde a produzirem ofensa da honra e consideração da pessoa visada.”
r)-Pelo que, não se pode aceitar a tentativa de normalização por parte do douto Tribunal a quo quanto às imputações das arguidas ao ofendido, uma vez que não logram estas fazer prova de que os factos alegados eram, efetivamente, verdadeiros.
s)-Salvo devido respeito, o douto Tribunal a quo procurou desvalorizar as imputações dirigidas ao ora recorrente que ofendem a sua honra enquanto pessoa de forma leviana e despreocupada, levantando aqui um precedente grave no âmbito das prestações de serviços, normalizando os ataques pessoais como defesa dos direitos do adquirente, ou no caso concreto, pelo simples descontentamento das arguidas face ao trabalho prestado pelo prestador de serviços.
t)-“A este respeito importa considerar que a jurisprudência tem entendido pacificamente que relativamente ao crime de difamação, para a verificação do elemento de índole subjetiva não é necessário que o agente, com o seu comportamento, queira ofender a honra e consideração alheias, nem mesmo que haja conformado com esse resultado, ou sequer que haja previsto o perigo, bastando a consciência genérica da perigosidade da conduta ou do meio de ação previsto na norma incriminatória, ou seja, o crime de difamação basta-se com a verificação do dolo genérico em qualquer das suas formas (direto, necessário, ou eventual) não sendo exigível a especial intenção ou o propósito de ofender (animus difamandi), sendo suficiente a consciência por parte do arguido de que a sua conduta é suscetível de produzir ofensa da honra e considerações alheias (neste sentido Acórdão da Relação de Coimbra de 28.11.1996, em BMJ 461/532, Acórdão da Relação de Évora de 11.10.1994, em BMJ 440/569, e Acórdão da Relação do Porto de 29.05.1991, em CJ, Tomo III, pág. 275 e seguintes).”
u)-As arguidas agiram com plena consciência de que suas ações eram difamatórias e visavam denegrir a reputação do assistente perante os condóminos.
v)-Além da responsabilidade penal, o assistente requereu uma compensação pelos danos sofridos através de um pedido de indemnização civil.
w)-De acordo com o artigo 129.º do CP e as normas do Código de Processo Penal, os danos causados pela prática de um crime são passíveis de serem reparados.
x)-E embora o pedido de indemnização civil seja autónomo em relação à acusação penal, mantém a sua individualidade no processo, com pedidos e contestações distintos.
y)-As ações das arguidas resultaram no afastamento do assistente da administração do condomínio para o qual foi eleito desde 2017, o que justifica a necessidade de reparação dos danos causados.
z)-Como tal, a absolvição das arguidas no pedido de indemnização civil não pode ser sustentada.
TERMOS EM QUE E NOS DEMAIS DE DIREITO DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, POR VIA DELE, SER REVOGADA A SENTENÇA RECORRIDA E, EM CONSEQUÊNCIA, SEREM AS ARGUIDAS CONDENADAS PELA PRÁTICA DO CRIME DE DIFAMAÇÃO, P. P. PELO ARTIGO 180.º DO CÓDIGO PENAL FAZENDO-SE, ASSIM A ACOSTUMADA E NECESSÁRIA JUSTIÇA!” (fim de transcrição)

As arguidas apresentaram resposta ao recurso interposto, pugnando, em súmula, pela sua rejeição, desde logo porque, na parte atinente à impugnação da matéria de facto julgada não provada pela sentença recorrida, o assistente não cumpre o ónus da impugnação exigido pelo artigo 412º, n.ºs 3 e 4 do CPP; tão pouco indica as normas jurídicas que considera violadas pela sentença recorrida, conforme o exige o artigo 412º, n.º 2 do CPP. Sem conceder, defendem que a sua actuação, julgada provada na sentença recorrida não merece qualquer reacção jurídico penal, pois que não constitui qualquer crime, não
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