Acórdão nº 1086/21.0T9PDL.L1-9 de Tribunal da Relação de Lisboa, 19-05-2022

Data de Julgamento19 Maio 2022
Ano2022
Número Acordão1086/21.0T9PDL.L1-9
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam, em conferência, os Juízes na 9ª Secção Criminal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO
No âmbito do processo de inquérito nº .../21.0 T9PDL, da 3º secção do DIAP de ..., a 21 de Novembro de 2021 foi proferido despacho de arquivamento relativamente à queixa apresentada por AA, nos autos identificado, Recluso no Estabelecimento Prisional Regional de ..., contra BB, Directora do Estabelecimento Prisional Regional de ..., nos termos e fundamentos constantes de fls. 23 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
Por requerimento de 12 de Janeiro de 2022, AA, assistente nos autos [admitido por despacho de 18 de Janeiro de 2022], veio requerer a abertura de instrução, pretendendo a pronúncia e consequente submissão a julgamento da denunciada BB, pela prática, de um crime de “falsidade de testemunho”, “crime de difamação p. p. no artigo 180º do CP, agravado, nos termos do artigo 184º do CP”, ou “crime de obstrução à justiça”.
Por despacho do Sr. Juiz de instrução criminal do Juízo de Instrução Criminal de ..., de 18 de Janeiro de 2022, inserto a fls. 47 a 48 dos autos, o requerimento de abertura de instrução foi rejeitado por motivo de inadmissibilidade legal.
É desta decisão que o assistente AA, inconformado, vem interpor recurso, terminando as suas motivações com as seguintes conclusões (transcrição):
1) Vem o presente recurso interposto do despacho a quo que indeferiu o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo ali Assistente no âmbito do processo de inquérito nº …/21.0 T9PDL em que era denunciada BB, ali também melhor identificada (doravante “Denunciada”);
2) No despacho recorrido é alegado que o então Assistente “não desenhou [no requerimento de abertura de instrução] um conjunto de factos que, na sua ótica, integram elementos típicos objectivos e subjectivos de tipos de crime e conclui dizendo que o Assistente tem que deduzir materialmente uma acusação”;
3) No requerimento de abertura de instrução o Recorrente entende que indicou todos os factos que consubstanciam e indiciam a prática do crime de falsidade de testemunho, p. p. no artigo 360º do CPP, como também o crime de difamação p. p. no Artigo 180º do CP, agravado, nos termos do artigo 184º também do CP – conforme factos acima transcritos e que aqui se dão por integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais;
4) O Recorrente indicou expressamente os tipos de crime que entende que os factos descritos podem consubstanciar e requereu a produção de nova prova, não atendida em sede de inquérito;
5) O Recorrente indicou ainda as razões de direito pelas quais entende que o despacho de arquivamento não teve fundamento, devendo, consequentemente, ser aberta instrução;
6) Ao contrário do defendido no despacho recorrido, o Recorrente entende que os factos alegados no requerimento de abertura de instrução e acima transcritos são suficientes para integrar elementos típicos objectivos e subjectivos de tipos de crime;
7) Os factos descritos no requerimento de abertura de instrução, ainda que eventualmente não alegados de forma sistemática em “formato” de acusação, são suficientes para, nos termos do nº 2 do artigo 287º do CPP, constituir a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança;
8) Mais, os factos relevantes para efeitos de imputação do crime à Denunciada constam de documento junto aos autos, sendo que o Recorrido indicou, conforme consta supra, que as declarações da Denunciada se encontravam a fls. 12 e 13 dos autos;
9) Com efeito, os factos descritos no requerimento de abertura de instrução podem consubstanciar a prática do crime de falsidade de testemunho, p.p no artigo 360º do CPP, como também o crime de difamação p.p. no artigo 180º do CP, agravado, nos termos do artigo 184º também do CP;
10) O grau de participação da denunciada é também alegado, ao afirmar-se no requerimento de abertura de instrução que “denunciada proferiu tais declarações sabendo que as mesmas não correspondiam à verdade e que poderiam prejudicar o ora Assistente no âmbito onde as mesmas foram proferidas”;
11) A falta de formatação do requerimento de abertura de instrução em moldes de “acusação”, quando o do seu conteúdo se retiram materialmente todos os requisitos legais para o efeito, não pode ser motivo para o seu indeferimento;
12) Face ao exposto, entende-se que o despacho recorrido violou o artigo 287º do CPP, mais concretamente os nºs 2 e 3 do referido preceito, ao ter defendido que o requerimento de abertura de instrução não continha os elementos necessários e que não constituía uma verdadeira acusação;
13) Salvo o devido respeito por opinião contrária, entende o Recorrente que o Tribunal a quo deveria ter interpretado a verificação dos requisitos do artigo 287º do CPP do ponto de vista material (os quais se verificam), ter considerado que o requerimento de abertura de instrução preenchia os referidos requisitos e ter, consequentemente, aberto a instrução, com a produção de prova indicada pelo ora Recorrente.
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Concluiu que o recurso deve ser julgado procedente e revogado o despacho recorrido.
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O recurso foi admitido por despacho proferido a 17 de Fevereiro de 2022 [fls. 61 dos autos], a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Pelo Ministério Público foi apresentada resposta ao recurso admitido, na qual, em súmula, defende que o requerimento para abertura de instrução apresentado pelo recorrente não preenche os requisitos legalmente fixados, designadamente por não conter a narração dos factos que fundamentam a aplicação da pena, faltando a descrição das circunstancias da actuação da arguida e ainda o elemento subjectivo dos tipos de crime que o assistente pretende imputar à denunciada, concluindo pela improcedência do recurso.
Remetidos os autos a este Tribunal da Relação de Lisboa, pelo Exmº. Procurador-Geral Adjunto foi lavrado parecer, no qual, em súmula, reitera e reforça a argumentação expendida pelo Ministério Público junto da 1ª instancia, concluindo pela improcedência do recurso.
Cumprido o preceituado no nº 2 do artigo 417º do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta.
Colhidos os vistos legais e realizada a conferência a que alude o artigo 419º do Código de Processo Penal, cumpre decidir.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
É pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objeto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso (cf. art.º 412.º e 417.º do Cód. Proc. Penal e, entre outros, Acórdão do STJ de 29.01.2015, Proc. n.º 91/14.7YFLSB. S1, 5ª Secção).
As conclusões recursórias convocam apenas a questão de saber se o requerimento de abertura de instrução apresentado contém a narração de factos susceptíveis de traduzirem a prática, pela arguida, dos crimes que nele lhe são imputados.
Delimitado o objecto do recurso, importa conhecer a factualidade que releva para apreciação da decisão impugnada e que se reconduz ao teor do requerimento de abertura de instrução e ao despacho de rejeição do mesmo.
A) Factos com relevância para a decisão:
1) Em 12 de Janeiro de 2022, AA, apresentou requerimento de abertura de instrução, com o seguinte teor (transcrição):
1.
O Assistente apresentou a queixa-crime que deu origem aos presentes autos.
Nos termos da queixa apresentada, o assistente declarou que a denunciada BB prestou declarações, na qualidade de arguida, no âmbito do processo-crime n.° .../18.0T9PDL e que nessas declarações a mesma referiu que tinha sido alvo de assédio pelo ora assistente, na medida em que algumas vezes o mesmo a tinha convidado para saírem, convites que declinou.
O Assistente declarou, nos presentes autos, que nunca falou na sua vida com a então denunciada BB, que nem a conhecia, só a tendo conhecido a partir do início do cumprimento da pena a que foi condenado (em 14/0712016).
Entende, assim, o ora Assistente que a denunciada praticou o crime de falsidade de testemunho, previsto e punido nos termos do artigo 360.° do código Penal (C.P.).
Nas declarações que prestou, na qualidade de ofendido, o ora Assistente solicitou ainda que fossem juntas aos presentes autos cópia ou certidão das peças relevantes do processo n.° ...118.0T9PDL. para o conhecimento dos factos por ele participados.
Das suas declarações consta ainda escrito que "A denunciada agiu deliberada, voluntária e conscientemente bem sabendo que estava a praticar um crime de difamação e falsas declarações e obstrução à justio, pois a mesma sabia perfeitamente que nunca vez alguma foi alvo de assédio pelo queixoso". [sublinhado nosso]
Nessa sequência foi ordenada a junção aos autos de cópia das declarações prestadas pela aqui denunciada no âmbito do processo n.° .../18.0T9PDL, tendo as mesmas sido juntas a fls. 12 e 13 dos presentes autos.
Após essa junção aos autos, foi proferido despacho de arquivamento no qual, sumariamente, se apresentam dois argumentos para o efeito:
1) Caso se tratasse de arguida, conforme o queixoso refere, a mesma não está obrigada a responder com verdade às questões que lhe são colocadas;
2) O queixoso não pode apresentar ou indicar qualquer prova dos factos alegados.
Depois de fazer urna breve exposição sobre a natureza jurídica do crime de falsidade de testemunho (p.p. no artigo 360° do CPP), o Ministério Público, conclui que "afirmando o queixoso não ter qualquer prova quanto ao alegado, entendemos inútil a constituição da denunciada como arguida, a qual podendo manter-se em silêncio nada acrescentando aos autos. E, não nos parece possível ao Ministério Público obter qualquer prova útil à descoberta da verdade dos factos. Assim sendo, não
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