Acórdão nº 1078/21.9GAMTA.L1-5 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-11-08

Ano2022
Número Acordão1078/21.9GAMTA.L1-5
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam em conferência na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
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I – relatório
1. No Juízo Local Criminal do Barreiro (Juiz 1), o arguido Y, com os demais sinais dos autos, foi submetido a julgamento em processo especial sumário, após acusação do Ministério Público, que lhes imputou a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1, com referência ao artigo 69.º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal.

2. Por sentença de 16 de dezembro de 2021, foi decidido:
“- Julgo procedente a acusação deduzida pelo Ministério Público e, em consequência, decido:
- Condenar o arguido Y pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, p. p. pelo art.292.º, n.º1, do Código Penal, na pena uma pena de 50 dias de multa, à taxa de 6€, o que perfaz a quantia de 300,00€.
- Condenar o arguido na proibição de conduzir veículos a motor por um período de 3 meses e 15 dias, nos termos do disposto no art.º 69.º, n.º 1, do Código Penal.
Em virtude da condenação anterior deve o arguido entregar a carta de condução na secretaria deste tribunal ou qualquer posto policial, no prazo de 10 dias a contar do trânsito da presente decisão, sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência p. e p. pelo art.º 348.º, n.º 1, b), do Código Penal e de ser determinada a apreensão do seu título de condução.
- Condenar o arguido no pagamento das custas processuais penais, fixando-se em 1,5 UC.
Após trânsito:
- Remeta Boletim ao registo criminal
- Comunique à ANSR, nos termos do art.º 500.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
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Deposite nos termos do art.º 372, n.º 5, do Código de Processo Penal.”

3. Inconformado com a decisão final, dela interpôs recurso o arguido, pedindo a sua absolvição ou, assim não se entendendo, a modificação da decisão do Tribunal a quo no sentido de o arguido “apenas ser condenado no pagamento da multa que lhe foi imposta”.
Extraiu o recorrente da sua motivação de recurso as seguintes conclusões:
“1. Impugnam-se expressamente os factos dados como provados dos pontos 2, 4 e 6 da douta sentença da qual se recorre.[1]
2. Não obstante o Tribunal fundamentar a sua motivação nas declarações do arguido, nos depoimentos das testemunhas, e nos documentos juntos aos autos, destes não resulta que o arguido tenha ingerido bebidas alcoólicas antes de conduzir.
3. Não é possível através destes meios extrair os elementos do tipo objetivo e subjetivo do crime de condução em estado de embriaguez, p.p. pelo art.º 292º nº1 do Código Penal.
4. Com efeito, o arguido esclareceu que apenas após o acidente rodoviário, estando totalmente ciente de que não voltaria a conduzir, consumiu uma garrafa de bebida alcoólica que trazia consigo no veículo.
5. Esta circunstância foi confirmada pela testemunha W que relatou que o arguido se encontrava nervoso após o acidente, pelo que retirou uma garrafa de moscatel da sua carrinha e bebeu pelo menos metade da mesma.
6. Também o depoimento da testemunha K é insuficiente para concluir que a taxa de álcool que o arguido possuía no sangue não era derivada da bebida alcoólica que tinha ingerido após o acidente, porquanto esta testemunha não permaneceu junto do arguido após o acidente de viação, pelo que é natural que não o tenha visto a beber.
7. Já no que toca aos documentos juntos aos autos, estes apenas fazem prova de que o arguido apresentava uma taxa de alcoolemia de 1,463 gramas/litro no sangue, não sendo possível precisar em que momento ingeriu a bebida alcoólica.
8. Os depoimentos das testemunhas dos senhores militares da GNR – X e Z - violam manifestamente o art.º 357º do CPP que consubstancia um dos direitos basilares do arguido, o direito ao silêncio previsto no art.º 32º da CRP.
9. O depoimento destas testemunhas relativamente ao facto de o arguido ter consumido, ou não, bebidas alcoólicas apenas após o acidente, baseia-se quase exclusivamente nas declarações que o arguido prestou no local do acidente e no posto da GNR.
10. Para que as declarações do arguido possam validamente ser reproduzidas em tribunal importa cumprir os requisitos do art.º 357º do CPP.
11. No que respeita ao nº 1, al. a) do art.º 357º do CPP, o arguido não solicitou a reprodução das declarações anteriormente feitas por si no processo.
12. Já no que toca à nº 1 al. b) do art.º 357º do CPP, as declarações do arguido não foram prestadas perante autoridade judiciária, não ocorreram na presença de defensor e, nem tão pouco, o arguido tinha sido informado nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do nº4 do art.º 141º do CPP
13. Por inúmeras vezes estas testemunhas referem exatamente aquilo que o arguido disse no local do acidente e no posto da GNR, violando manifestamente o art.º nº7 do art.º 356º do CPP.
14. Assim, o depoimento prestado pelas duas testemunhas, na parte em que referem as declarações do arguido não pode ser valorado dado que o nº 7 do art.º 356º do CPP constitui uma verdadeira proibição de prova.
15. A única prova que estas testemunhas fizeram foi baseada, na (não consentida) reprodução das declarações do arguido, não tendo contribuído – salvo o devido respeito, que é muito – para a descoberta da verdade material, na medida em que se lhes impunha confirmar se a garrafa que o arguido alega ter bebido após o acidente se encontrava dentro do seu veículo automóvel.
16. O depoimento destas testemunhas traduz-se no desrespeito pelo direito ao silêncio do arguido consagrado no art.º 61º nº1 al. c) do Código Penal e art.º 343º nº1 do CPP e valora a prova produzida pela violação deste princípio.
17. Afirma a douta sentença que, o facto de o arguido ter ingerido bebidas alcoólicas após o acidente é contra as regras da normalidade, porém, no nosso entender, após uma experiência de quase-morte, a ação do arguido não se demonstra assim tão incompreensível!
18. Como explicou o próprio arguido, encontrava-se num misto de emoções em que estava feliz por estar vivo e angustiado pelo desastre que lhe tinha acontecido!
19. Aquilo que verdadeiramente contraria as regras de experiência comum é o facto de ter sido o arguido a participar a ocorrência à GNR, com vista a que se deslocassem ao local.
20. Ora, um indivíduo que se apresentasse a conduzir em estado de embriaguez não teria telefonado para a GNR, sabendo que incorria na prática de um crime.
21. Também contra as regras da normalidade é o facto do arguido – alegadamente, possuindo a taxa de alcoolemia de 1,463 gramas/litros – ter tido reflexos para evitar que um pior desastre acontecesse!
22. Com efeito, o arguido foi capaz de evitar a colisão entre o seu veículo e o veículo do outro interveniente.
23. Não é verdade que o arguido tenha antecedentes criminais pela prática do mesmo crime, como fundamenta a sentença recorrida na aplicação da pena acessório de proibição de conduzir, aliás não tem qualquer outro crime averbado ao seu registo criminal.
24. A decisão recorrida não ponderou se era suficiente recorrer à responsabilidade tributária, com vista a acautelar as necessidades de prevenção geral e especial.
25. Pelo contrário, recorreu a um facto que não se afigura verdadeiro e que resultou no injusto agravamento da responsabilidade do arguido.
26. Não perfilhando este tribunal do entendimento de que deve o arguido ser absolvido, deve apenas ser condenado no pagamento da multa que lhe foi imposta.”.

4. O recurso foi admitido, por ser tempestivo e legal.

5. O Ministério Público apresentou resposta ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pela sua improcedência. Extraiu as seguintes conclusões:
“1. As declarações do arguido, os depoimentos das testemunhas e os documentos junto aos autos foram apreciados pelo Tribunal no seu conjunto, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127.º do Código de Processo penal.
2. O artigo 127.º do Código de Processo Penal consagra que a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente, salvo quando a lei dispuser diferentemente.
3. O julgador é livre, ao apreciar as provas, mas tal apreciação está vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica e das regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório.
4. A livre convicção do julgador não pode confundir-se com a íntima convicção do julgador, impondo-lhe a lei que extraia das provas um convencimento lógico e motivado, avaliadas as provas com sentido da responsabilidade e bom senso, e valoradas segundo parâmetros da lógica do homem médio e as regras da experiência. (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Processo n.º 3/07.4GAVGS.C2, de 01-10-2008, do Relator Simões Raposo).
5. Na motivação da decisão de facto de uma sentença é bastante a fundamentação quando o tribunal a quo elenca as razões da valoração que efetuou, identificando a prova que relevou na formação da sua convicção e indica os aspetos que, conjugadamente, o levaram a concluir no sentido de considerar demonstrada a factualidade da acusação, identificando de forma lógica e racional os fundamentos que no seu entendimento justificam a credibilidade que reconheceu e peso probatório que conferiu a cada elemento de prova. (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Processo n.º 771/15.0PAMGR.C1, de 13-06-2018, Relatora Helena Bolieiro).
6. No caso concreto, os factos relativos ao acidente resultaram das declarações do arguido conjugadas com os depoimentos testemunhais e com a prova documental junta aos autos, designadamente, o talão do alcoolímetro e certificado de verificação, a participação de acidente e o relatório de ocorrências da GNR.
7. O recorrente alegou ser de impugnar a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida por não ter sido dado como provado a versão do arguido no sentido de que, após o
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